3 de abril de 2002
Bloodbath, 5 anos depois

Por Marcelo Constantino

Terça-feira, 26 de março, exatos cinco anos da famosa partida entre Detroit Red Wings e Colorado Avalanche, o bloodbath. Os Red Wings venceram na prorrogação por 6-5 e ainda protagonizaram um dos jogos mais violentos já vistos, selando uma rivalidade sangrenta, cujas cinzas estão acesas até hoje.

A rivalidade começou nos playoffs da temporada anterior, em 1996, quando os Wings eram favoritos e haviam quebrado o recorde de vitórias da NHL. Quando encontraram o Colorado Avalanche pela frente, na final da Conferência Oeste, finalmente perceberam que, para vencer a Stanley Cup, é preciso mais presença e força física no gelo e não somente talento de sobra. O resultado é que o Colorado acabou com o Detroit em seis jogos.

No último deles ocorreu um dos lances mais discutidos da história recente da liga e o estopim da rivalidade: Kris Draper aproximava-se do banco dos jogadores dos Red Wings para uma troca, quando tentou dominar o disco aos seus pés. Ele abaixou a cabeça para olhar melhor o disco e subitamente recebeu uma pancada por trás de Claude Lemieux. Sua cabeça voou exatamente na mureta do banco. Draper caiu no gelo inconsciente, sua face sangrando bastante. A pancada quebrou-lhe o maxilar, o nariz e osso da maçã do rosto, que teve de passar inclusive por uma cirurgia de reconstrução: foi necessário realinhar cinco dentes que se encurvaram pra dentro da boca e seu maxilar amarrado a fios por três semanas.

Toda a frustração de Detroit foi canalizada para este lance: Claude Lemieux virou inimigo número um na cidade e os Avs tornaram-se o time a ser batido na temporada seguinte. Reclamações e provocações dominaram o noticiário nos dias seguintes.

A entrada de Lemieux em Draper não foi criminosa como alardeada em Detroit. Mesmo sendo por trás, algo que nenhum jogador deveria fazê-lo, a entrada não foi necessariamente maldosa, mesmo que Claude Lemieux seja famoso na NHL por pancadas baratas e desnecessárias. A posição de Draper, de cabeça baixa e de frente para o banco, é que acabou por gerar a grave conseqüência em sua face. Não estivesse ele naquela posição e naquele lugar, a pancada provavelmente não traria conseqüências maiores.

Mas não foi a entrada por si só que fez de Lemieux o rosto do inimigo a ser abatido por Detroit. Além da frustração da cidade, a atitude do jogador do Colorado é que gerou revolta entre jogadores, comissão técnica e, claro, torcida.

Tipicamente canalha, Claude Lemieux jamais demonstrou arrependimento e afirmou várias vezes que não tinha nada que pedir desculpas; que hóquei é assim mesmo; que os jornalistas de Detroit deveriam agradecê-lo pelo ato -- assim teriam assunto para escrever durante o verão -- e ainda chegou a fazer chacota de Draper. Vejamos algumas das declarações:

"Podem dizer o que quiserem. Esse é um jogo de emoção. É jogado a cem milhas por hora, é um jogo rápido. Eu já levei pancadas e já as dei, tudo o que vai acaba voltando. Era um jogo de playoff. Isso é tudo."

"Eu devo ter salvo vários postos de trabalho de jornalistas em Detroit no ano passado. Eu tirei o peso de cima do (Scotty) Bowman. O que aconteceu comigo desviou a atenção em Detroit para longe da queda do time nos playoffs. Tudo o que a imprensa e os fãs de Detroit queriam falar era de cheap shots."

"Certamente não os sete gols, quatro assistências e menos nove dele que irão chamar atenção" (sobre Draper, insinuando que ele ganhou fama graças ao incidente)

Na famosa partida do bloodbath, os Wings -- como em todas as partidas anteriores contra os Avs na temporada -- empenharam-se mais em bater do que jogar. A famosa grande briga estourou quando estava 1-0 para o Colorado. Começou com Peter Forsberg e Igor Larionov, ampliou quando Darren McCarty voou para cima de Lemieux e teve seu ápice na sensacional briga entre Mike Vernon e Patrick Roy, no meio do gelo. Dali em diante, diversas outras brigas ocorreram ao longo do jogo e várias penalidades foram marcadas.

Ainda assim, os Avs mantinham-se sempre na frente do marcador, até que os Wings conseguiram marcar dois gols em questão de segundos para empatar em 5-5, no terceiro período, levando o jogo para a prorrogação. O carrasco da noite, Darren McCarty, marcou o gol da vitória. Ironia pura. Sarcasmo, até.

É bem verdade que McCarty deveria ter sido expulso naquela partida -- além de receber um solitário major por brigar e uma penalidade por ter instigado a briga -- mas inacreditavelmente recebeu apenas uma simples penalidade dupla por roughing. Os juízes foram claramente condescendentes durante a grande briga, quando sequer os goleiros foram expulsos. A NHL nunca mais permitiu tanta violência sem punição.

Consta que Marc Crawford, então técnico do Colorado, partiu pra cima de Aaron Ward, então defensor do Detroit, após a partida. Ward sempre recusou-se a comentar o assunto, mas admite que preencheu uma ficha de segurança para a NHL relatando o ocorrido.

O jogo mudou o panorama da NHL, onde parecia nascer uma nova dinastia. Chegaram a comparar os Avs ao Edmonton Oilers dos anos 80: Sakic-Gretzky, Forsberg-Messier, Ozolinsh-Coffey, Roy-Fuhr. De fato, o Avalanche parecia imbatível ao longo de toda a temporada. O 26 de março mostrou que os Wings poderiam vencê-los e que não eram mais o time fisicamente fraco do ano anterior.

A conclusão da vingança iniciada no bloodbath foi nos playoffs daquele ano, na final da Conferência Oeste. Com posições invertidas em relação ao ano anterior, os Avs eram francos favoritos e foram surpreendidos por uma excepcional atuação do Detroit em 5 das 6 partidas.

Em mais de cinco anos assistindo aos jogos do Detroit Red Wings, nunca vi o time superar a excelência daquela série.

Depoimento pessoal -- Assisti ao bloodbath, 'ao vivo', na madrugada de 27 de março de 1997. Naqueles tempos a ESPN transmitia muito mais partidas da NHL do que hoje em dia e eu pude assistir, sempre de madrugada, a três dos quatro confrontos entre Detroit e Colorado daquela temporada. Ao longo das partidas é que fui conhecendo e entendendo toda a rivalidade entre os times, embora ainda não tivesse acesso à Internet. Era a primeira temporada a que eu assistia.

Lembro-me até hoje de pular do chão quando estourou a grande briga e Darren McCarty voou pra cima de Claude Lemieux e, ainda mais, quando o mesmo McCarty marcou o gol da vitória. Já estava clareando e eu não conseguia dormir, o jogo não saía da cabeça.

No dia seguinte o jogo foi reprisado pela própria ESPN no Brasil. Em Detroit a partida foi reprisada diversas vezes ao longo dos dias seguintes.

No final dos playoffs a ESPN fez uma pesquisa para saber qual tinha sido o melhor jogo de toda a temporada 1996-1997, incluindo as finais. O bloodbath disputava com duas partidas absolutamente sensacionais entre Dallas e Edmonton, dos playoffs daquele ano. Ainda assim venceu com uma colossal vantagem de votos.

Foi a melhor partida a que já assisti na vida.

Marcelo Constantino Monteiro, 28 anos, é torcedor do Detroit Red Wings e já assistiu ao bloodbath inúmeras vezes.
PANCADARIA Os goleiros Patrick Roy (à esquerda), do Colorado, e Mike Vernon, do Detroit, brigando: talvez a cena mais marcante do Bloodbath (AP - 26/03/1997)
 
PANCADARIA Em outra cena marcante do Bloodbath, Darren McCarthy soca o acuado Claude Lemieux (AP - 26/03/1997)
 
PANCADARIA Aaron Ward (27) e Brent Severyn brigam sob os olhares de Kris Draper (de branco, à diretia), que... ei, ele não deveria estar brigando também? (Julian H. Gonzalez/Detroit Free Press - 26/03/1997)
 
AH, SIM, HAVIA UM JOGO Darren McCarty comemora seu gol da vitória, na prorrogação (AP - 26/03/1997)
 
Philadelphia 1 3 1 0 5
Detroit 0 3 2 1 6

PRIMEIRO PERÍODO -- Gols: 1, Colorado, Kamensky 24 (Forsberg), 3:29. Penalidades: Young, Col (interference), 1:20; Severyn, Col (fighting major), 4:45; Pushor, Det (fighting major), 4:45; Sakic, Col (interference), 5:12; Corbet, Col (fighting major), 10:14; Maltby, Det (fighting major), 10:14; Draper, Det (roughing), 10:14; Forsberg, Col (roughing), 18:22; Roy, Col (roughing, fighting major), 18:22; Larionov, Det (roughing), 18:22; Vernon, Det (roughing, fighting major), 18:22; Mccarty, Det ( double roughing minor), 18:22; Deadmarsh, Col (cross checking, fighting major), 18:37; Konstantinov, Det (fighting major), 18:37.

SEGUNDO PERÍODO -- Gols: 2, Detroit, Fedorov 29 (Murphy, Yzerman), 0:35. 3, Colorado, Kamensky 25 (power play) (Jones, Ozolinsh), 1:12. 4, Detroit, Lapointe 13 (Kozlov), 3:08. 5, Colorado, Corbet 10 (Yelle), 6:20. 6, Colorado, Deadmarsh 32 (Lefebvre, Lacroix), 13:34. 7, Detroit, Lidstrom 15 (power play) (Yzerman), 19:40. Penalidades: Foote, Col (fighting major), 0:04; Shanahan, Det (fighting major), 0:04; Lapointe, Det (roughing), 0:56; Severyn, Col (fighting major, game misconduct), 3:34; Keane, Col (fighting major), 3:34; Ward, Det (fighting major, game misconduct), 3:34; Holmstrom, Det (fighting major), 3:34; Deadmarsh, Col (fighting major), 7:24; Mccarty, Det (roughing, fighting major), 7:24; Krupp, Col (fighting major), 11:26; Pushor, Det (fighting major), 11:26; Deadmarsh, Col (interference), 14:47; Young, Col (hooking), 18:38.

TERCEIRO PERÍODO -- Gols: 8, Colorado, Kamensky 26 (Yelle, Lemieux), 1:11. 9, Detroit, Lapointe 14 (Fedorov, Murphy), 8:27. 10, Detroit, Shanahan 46 (Larionov, Pushor), 9:03. Penalidades: Ozolinsh, Col (cross checking, roughing), 6:26; Maltby, Det (roughing), 6:26; Pushor, Det (holding), 14:40; Ozolinsh, Col (tripping), 16:07.

PRORROGAÇÃO -- Gols: 11, Detroit, Mccarty 19 (Shanahan, Larionov), 0:39. Penalidades: Nenhuma.

Colorado 6 7 6 0 19
Detroit 8 23 15 1 47

Vantagens numéricas: Col - 1 de 6, Det - 1 de 7. Goleiros: Colorado, Roy (47 chutes, 41 defesas; campanha: 36-14-7). Detroit, Vernon (19, 14; campanha: 12-9-6). Público: 19,983. Árbitro: P Devorski. Assistentes de linha: Scapinello, Schachte.

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Página publicada em 1.º de abril de 2002.