24 de abril de 2002
O velho "Grande Celeiro" dá adeus com estilo

Por Alexandre Giesbrecht

Todos os assentos estavam ocupados, então as pessoas se amontoavam onde cabiam. Pais e filhos. Mães e filhas. Torcedores e curiosos. As pessoas apareciam na Hersheypark Arena no dia 14 à noite do mesmo jeito que fizeram desde que as portas do estádio se abriram pela primeira vez, em 19 de dezebro de 1936.

Só que agora era diferente.

Pela 2.326.ª e última vez, as antigas instalações abrigaram um jogo de temporada regular do Hershey Bears, e 8.147 torcedores se juntaram para a comemoração. Os Bears fecharam uma temporada de recordes positivos e negativos na American Hockey League (AHL) batendo o Philadelphia Phantoms por 3-1. O time do técnico Mike Foligno, depois de uma seqüência de 16 jogos sem vitória entre 26 de dezembro e 16 de janeiro, concluiu seus últimos 31 jogos com uma campanha de 23-6-2.

A noite de domingo foi especial do começo ao fim, desde o Governador da Pennsylvania, Mark Schweiker, jogando o disco inicial num face-off de abertura cerimonial até a promoção pós-jogo em que torcedores sorteados recebiam as camisas usadas pelos jogadores do Hershey durante a partida histórica.

Quando o outono do Hemisfério Norte chegar, a Hersheypark Arena tornar-se-á o rinque de treinamento dos Bears e casa do time de hóquei masculino da Faculdade Lebanon Valley, além de um ponto de encontro do hóquei amador e da patinação artística.

Em outubro, os Bears mudam-se para o novo Giant Center, uma arena moderníssima com 10,5 mil lugares, 40 suítes de luxo e um placar eletrônico com replay, ao custo de US$ 75 milhões. A platéia de Hershey não terá mais de encarar a falta de condicionadores de ar e de banheiros suficientes.

Mas naquela noite a torcida estava olhando mais para trás do que para a frente.

"Eu comecei a vir com a minha família quando era pequena", conta Sylvia Bard. "Quando (meu marido) Sy e eu estávamos namorando, viemos juntos. Isso foi em 1949. Agora estamos casados há 50 anos e temos carnês de ingressos desde 1990".

Como muitos na torcida, Sylvia e seus vizinhos de seção 28 não tinham como não se entristecer um pouco com a idéia de deixar um lugar que fez parte de tantas vidas por tanto tempo.

"Acho que eu vou sentir falta de ficar falando com as pessoas perto das bordas, porque isso não vai acontecer no prédio novo", disse Sylvia. "Muitas das memórias especiais vêm de todo o tempo que passamos com as pessoas na nossa seção.

"Acabamos virando amigos de verdade de tantas pessoas ao logo dos anos. Alguns de nós vão se sentar na mesma seção na nova arena, mas que vai ser diferente, isso vai".

Os Bears ainda tinham pelo menos mais duas partidas a jogar na Hersheypark Arena, com o início dos playoffs da Calder Cup na semana passada, mas a temporada regular de 40 noites ao ano acabou de vez.

Para Luann e Barry Cook, isso trouxe muitas emoções conflitantes. Ambos aguardavam pelos assentos mais confortáveis, mais espaço para as pernas e maiores multidões, mas a nova casa dos Bears não vai levar vantagem em um quesito: "Eu vou sentir saudades de ficar perto da ação, já que não acho que nós vamos ficar tão perto do gelo na nova arena", prevê Cook. "A vista também não deverá ser tão boa. Nós vamos estar mais longe".

"Odeio deixar este lugar por causa da vista que tínhamos", lamenta-se Luann. "Eu sempre gostei daqui. A primeira coisa de que me lembro ter visto foi o Harlem Globetrotters quando eu tinha uns 13 anos".

O encerramento do dia 14 contou com uma cerimônia pré-jogo de 45 minutos homenageando os momentos e atuações históricos e personalidades de fora do gelo. Depois de um tributo de dez minutos em vídeo, mostrado em telas de 2,7 por 3,6 metros penduradas nos cantos noroeste e sudeste do teto, os seis capitães remanescentes dos oito títulos da Calder Cup do Hershey foram apresentados.

Obie O’Brien (1957-58 e 1958-59), Mike Nykoluk (1968-69), Ralph Keller (1973-74), Bob Bilodeau (1979-80), Dave Fenyves (1987-88) e Mike McHugh (1996-97) dirigiram-se sob os holofotes para o centro do gelo, passando pelo troféu no caminho. Paul Ronty representou o falecido Frank Mario, que capitaneou o time que conquistou o título em 1946-47.

Também foram homenageados os seis jogadores legendários que têm seus números aposentados: Frank Mathers (número 3), Mike Nykoluk (8), Tim Tookey (9) e Mitch Lamoureux e Willie Marshall (16). Arnie Kullman, que também usou o número 9, faleceu já há alguns anos. Ele foi representado por seu filho, Ken Kullman.

Toques especiais encheram a arena, que foi idealizada, financiada e construída em dez meses, durante a Grande Depressão, pelo barão do chocolate e filantropo Milton S. Hershey. O motorista do Zamboni e gerente do rinque, Tom Fortner, usou um smoking, assim como toda sua equipe de rinque. Todos os espectadores ganharam taças de champanhe comemorativas e barras de chocolate Hershey na saída.

Fogos de artifício foram disparados quando a sirene anunciou o fim do jogo e, entre fumaça e névoa, uma mensagem ficava no topo da arena. Entre as seções 91 e 92 no mezzanino de cima, abaixo do painel que mantém, manualmente, a classificação da AHL, alguém tinha prendido um cartaz à parede. "Adeus, grande celeiro", dizia.

Histórias -- O novo estádio dos Bears, o Giant Center, vai custar algo em torno de US$ 75 milhões. A antiga casa do time custou muito, mas muito menos, só que ninguém sabe quanto.

"Eu conhecia D. Paul Witmer, o construtor, muito, muito bem", conta Bret Hancock, que fez 85 anos no mês passado. "Uma vez eu perguntei a ele quanto tinha custado e ele me respondeu: 'O sr. Hershey me pediu para construir uma arena para ele, então eu simplesmente a construí'". "Eu duvido muito", prossegue, "que haja alguém vivo hoje que saiba quanto ela custou, mas eu vou contar uma coisa: era uma bela vista para se contemplar enquanto estava sendo construída".

Hancock trabalhava como jornalista e depois passou cerca de 30 anos como publicitário dos Bears naquela que era conhecida originalmente como Hershey Sports Arena. De forma retangular e lembrando um hangar de dirigível, a arena mede cerca de 110 metros de comprimento, 71 de langura e 31 de altura do telhado arqueado ao piso de eventos inferior.

A construção foi iniciada em fevereiro de 1936 e o disco caiu em 19 de dezembro do mesmo ano, quando o Hershey B'ars jogou contra o New York Rovers em um jogo da Eastern Amateur Hockey League.

"Eles despejavam concreto o tempo todo", conta Hancock. "Ela foi feita em dez meses. Foi simplesmente espantoso".

Mas os tempos mudaram e, com eles, os negócios de esportes e entretenimento. Hancock entende isso.

"Foi discutido por muitos, muitos anos, porque se você só consegue colocar 7,2 mil pessoas é um prédio pequeno", conforma-se Hancock. "Fechar esse negócio e mudar-se para uma nova arena vai ser um bom negócio.

"Eu vou sentir falta de assistir a um jogo de hóquei como é na Hersheypark Arena, mas estou ansioso para ver o novo estádio. Tudo vai ser novo e empolgante".

Um vida dedicada ao Celeiro -- Erigido durante a depressão, a Hershey Sports Arena foi idealizada por Milton S. Hershey como um lugar onde seus empregados da fábrica de chocolates e suas famílias poderiam relaxar e curtir eventos esportivos e concertos.

"Quando criança, era fascinante assisti-los trabalhar o tempo todo no frio, despejando concreto", conta Ken Hatt, que assistiu à construção do alto da colina onde ficava sua escola. "Ficávamos tentando no esgueirar até lá e ver a construção um pouco mais de perto. Todos trabalhavam duro e era a mesma coisa à noite, com luzes iluminando o local de trabalho".

Hatt começou como bilheteiro, trabalhando na bilheteria número 2. Muitos anos depois, ele virou presidente da Hershey Entertainment and Resort Company, a dona da Hersheypark Arena e dos Bears.

"Eu não me lembro de um jogo ou um jogador em particular quando me lembro de todos esses anos", conta Hatt, de 78 anos. "Minha memória mais querida vão ser centenas de empregados que trabalharam aqui e que eu conheci. A dedicação que algumas dessas pessoas dedicaram a esta arena, pessoas como os 'ratos do rinque' (que mantêm a tubulação para o gelo) e todos aqueles que a mantiveram limpa". "Eu me lembro", continua, "de ter ido à Baltimore Arena talvez cinco anos depois que ela abriu e, Deus, aquele lugar parecia tão mais velho que a arena do Hershey, por causa das condições dos assentos. Tudo estava bem mais sujo do que no nosso estádio".

Três passagens especiais -- Mitch Lamoureux começou sua carreira de jogador como membro do rival Baltimore Skipjacks em 1982. Ele passou quatro temporadas visitando a Hersheypark Arena vestido com uma camisa sdversária.

"Eu odiava vir até aqui quando eu jogava no Baltimore. Era a viagem de ônibus de 90 minutos mais longa que tínhamos, porque sabíamos o que nos esperava", recorda-se Lamoureux. "Este era um lugar duro e brutal para se jogar por um time visitante. A torcida me odiava quando eu usava o uniforme do Baltimore, mas eles passaram a gostar de mim quando vim para os Bears".

Lamoureux, de 39 anos, é o sexto artilheiro de todos os tempos da AHL, com 364 gols, e o nono produtor de pontos de todos os tempos, com 816. Ele também está entre os dez mais do Hershey em gols, assistências e pontos. Sua camisa 16 foi aposentada e hoje está pendurada nos caibros da Hersheypark Arena.

"Eu tive três passagens por aqui e, em todas as vezes que eu voltava, era especial", diz Lamoureux. "Este lugar sempre me deu as boas vindas".

Lamoureux mantém-se ligado ao esporte como vice-presidente de operações de hóquei da United Hockey League, mas ainda vive na área e volta à Hersheypark Arena como torcedor sempre que sua agenda deixa.

"Quando os Bears se mudarem para o novo prédio, eu vou sentir saudades de andar pela arena pequena, onde as pessoas me paravam só para dar um alô e perguntar como eu estou", conta. "Isso ainda é algo especial para mim".

De adversário a parte integrante -- Quando Frank Mathers começou sua carreira na AHL, com o Pittsburgh Hornets, em 1948, ele e seus companheiros de time aguardavam ansiosamente pelas visitas ao Hershey.

"Eu joguei oito temporadas em Pittsburgh antes de vir para os Bears em 1956 (como jogador e técnico-assistente)", lembra-se Mathers. "O prédio em Pittsburgh era uma garagem convertida, então vir para cá era como visitar um palácio. A Hershey Sports Arena era de outro mundo. Nós adorávamos vir aqui".

Mathers passou 35 anos no Hershey como jogador, técnico, gerente geral e presidente dos Bears, antes de de aposentar após a temporada de 1990-91. Ele venceu seis Calder Cups, teve sua camisa de número 3 aposentada e foi eleito para o Salão da Fama do Hóquei na categoria de construtores em 1992. Ele ainda morre de amores pela Hersheypark Arena, mas entende totalmente a mudança do time.

"Esse prédio é excelente para hóquei, mas, pelos padrões de hoje, não é o ideal", avalia Mathers, de 78 anos. "Você pode fazer melhor e o novo prédio vai ser melhor, tudo vai ser melhor, exceto talvez a vista, mas as pessoas vão acabar se acostumando".

Mathers conta que a idéia da nova arena apareceu há cerca de 30 anos, quando a World Hockey Association começou a desafiar a National Hockey League. A WHA cessou operações depois da temporada 1978-79 e quatro de seus times juntaram-se à NHL, mas anos antes a empresa pensou em tentar inscrever uma franquia.

"Pensamos seriamente em colocar um time naquela liga, mas onde quer que procurássemos conselhos diziam que o mercado não era grande o bastante e que não conseguiríamos manter uma franquia na WHA", lembra Mathers. "Provavelmente era verdade. Pensamos em construir uma nova arena para essa aventura, mas acabamos desistindo e foi um assunto que acabou não sendo lembrado por muitos, muitos anos".

Despedida -- Agora, claro, não há mais conversas sobre construir uma nova arena. O Giant Center está com mais de 70% de seu projeto completos e os Bears vão começar a mudar seus escritórios para sua nova casa no meio do ano.

Muitas lágrimas foram derramadas no dia 14, mas Hatt resumiu melhor quando falou sobre comparar a nostalgia com a necessidade de novas instalações.

"Eu sempre disse que o Sr. Hershey teria substituído a arena há dez anos", calcula Hatt. "Ele estava muito à frente de seu tempo. Acho que ele teria construído o novo estádio ao ver que a vida útil do 'Celeiro' era limitada. Se a empresa vai competir com outras arenas, você tem de ter novas instalações para manter o time".

Alexandre Giesbrecht, publicitário, demorou tanto tempo para escrever este artigo que ouviu várias músicas do Alice In Chains durante este tempo. Ele gostaria de prestar alguma homenagem ao vocalista da banda, Layne Staley, cujo corpo foi encontrado no último fim de semana, mas não sabe como.
A VISTA A vista sempre foi considerada um dos grandes atrativos do "Grande Celeiro" (hersheybears.com)
 
CARTAZ COMEMORATIVO ...com a data errada? (Reprodução)
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Página publicada em 22 de abril de 2002.