Por
Alexandre Giesbrecht
Todos os assentos estavam ocupados, então as pessoas se amontoavam
onde cabiam. Pais e filhos. Mães e filhas. Torcedores e curiosos.
As pessoas apareciam na Hersheypark Arena no dia 14 à noite do
mesmo jeito que fizeram desde que as portas do estádio se abriram
pela primeira vez, em 19 de dezebro de 1936.
Só que agora era diferente.
Pela 2.326.ª e última vez, as antigas instalações
abrigaram um jogo de temporada regular do Hershey Bears, e 8.147 torcedores
se juntaram para a comemoração. Os Bears fecharam uma
temporada de recordes positivos e negativos na American Hockey League
(AHL) batendo o Philadelphia Phantoms por 3-1. O time do técnico
Mike Foligno, depois de uma seqüência de 16 jogos sem vitória
entre 26 de dezembro e 16 de janeiro, concluiu seus últimos 31
jogos com uma campanha de 23-6-2.
A noite de domingo foi especial do começo ao fim, desde o Governador
da Pennsylvania, Mark Schweiker, jogando o disco inicial num face-off
de abertura cerimonial até a promoção pós-jogo
em que torcedores sorteados recebiam as camisas usadas pelos jogadores
do Hershey durante a partida histórica.
Quando o outono do Hemisfério Norte chegar, a Hersheypark Arena
tornar-se-á o rinque de treinamento dos Bears e casa do time
de hóquei masculino da Faculdade Lebanon Valley, além
de um ponto de encontro do hóquei amador e da patinação
artística.
Em outubro, os Bears mudam-se para o novo Giant Center, uma arena moderníssima
com 10,5 mil lugares, 40 suítes de luxo e um placar eletrônico
com replay, ao custo de US$ 75 milhões. A platéia de Hershey
não terá mais de encarar a falta de condicionadores de
ar e de banheiros suficientes.
Mas naquela noite a torcida estava olhando mais para trás do
que para a frente.
"Eu comecei a vir com a minha família quando era pequena",
conta Sylvia Bard. "Quando (meu marido) Sy e eu estávamos
namorando, viemos juntos. Isso foi em 1949. Agora estamos casados há
50 anos e temos carnês de ingressos desde 1990".
Como muitos na torcida, Sylvia e seus vizinhos de seção
28 não tinham como não se entristecer um pouco com a idéia
de deixar um lugar que fez parte de tantas vidas por tanto tempo.
"Acho que eu vou sentir falta de ficar falando com as pessoas perto
das bordas, porque isso não vai acontecer no prédio novo",
disse Sylvia. "Muitas das memórias especiais vêm de
todo o tempo que passamos com as pessoas na nossa seção.
"Acabamos virando amigos de verdade de tantas pessoas ao logo dos
anos. Alguns de nós vão se sentar na mesma seção
na nova arena, mas que vai ser diferente, isso vai".
Os Bears ainda tinham pelo menos mais duas partidas a jogar na Hersheypark
Arena, com o início dos playoffs da Calder Cup na semana passada,
mas a temporada regular de 40 noites ao ano acabou de vez.
Para Luann e Barry Cook, isso trouxe muitas emoções conflitantes.
Ambos aguardavam pelos assentos mais confortáveis, mais espaço
para as pernas e maiores multidões, mas a nova casa dos Bears
não vai levar vantagem em um quesito: "Eu vou sentir saudades
de ficar perto da ação, já que não acho
que nós vamos ficar tão perto do gelo na nova arena",
prevê Cook. "A vista também não deverá
ser tão boa. Nós vamos estar mais longe".
"Odeio deixar este lugar por causa da vista que tínhamos",
lamenta-se Luann. "Eu sempre gostei daqui. A primeira coisa de
que me lembro ter visto foi o Harlem Globetrotters quando eu tinha uns
13 anos".
O encerramento do dia 14 contou com uma cerimônia pré-jogo
de 45 minutos homenageando os momentos e atuações históricos
e personalidades de fora do gelo. Depois de um tributo de dez minutos
em vídeo, mostrado em telas de 2,7 por 3,6 metros penduradas
nos cantos noroeste e sudeste do teto, os seis capitães remanescentes
dos oito títulos da Calder Cup do Hershey foram apresentados.
Obie OBrien (1957-58 e 1958-59), Mike Nykoluk (1968-69), Ralph
Keller (1973-74), Bob Bilodeau (1979-80), Dave Fenyves (1987-88) e Mike
McHugh (1996-97) dirigiram-se sob os holofotes para o centro do gelo,
passando pelo troféu no caminho. Paul Ronty representou o falecido
Frank Mario, que capitaneou o time que conquistou o título em
1946-47.
Também foram homenageados os seis jogadores legendários
que têm seus números aposentados: Frank Mathers (número
3), Mike Nykoluk (8), Tim Tookey (9) e Mitch Lamoureux e Willie Marshall
(16). Arnie Kullman, que também usou o número 9, faleceu
já há alguns anos. Ele foi representado por seu filho,
Ken Kullman.
Toques especiais encheram a arena, que foi idealizada, financiada e
construída em dez meses, durante a Grande Depressão, pelo
barão do chocolate e filantropo Milton S. Hershey. O motorista
do Zamboni e gerente do rinque, Tom Fortner, usou um smoking, assim
como toda sua equipe de rinque. Todos os espectadores ganharam taças
de champanhe comemorativas e barras de chocolate Hershey na saída.
Fogos de artifício foram disparados quando a sirene anunciou
o fim do jogo e, entre fumaça e névoa, uma mensagem ficava
no topo da arena. Entre as seções 91 e 92 no mezzanino
de cima, abaixo do painel que mantém, manualmente, a classificação
da AHL, alguém tinha prendido um cartaz à parede. "Adeus,
grande celeiro", dizia.
Histórias -- O novo estádio dos Bears, o Giant
Center, vai custar algo em torno de US$ 75 milhões. A antiga
casa do time custou muito, mas muito menos, só que ninguém
sabe quanto.
"Eu conhecia D. Paul Witmer, o construtor, muito, muito bem",
conta Bret Hancock, que fez 85 anos no mês passado. "Uma
vez eu perguntei a ele quanto tinha custado e ele me respondeu: 'O sr.
Hershey me pediu para construir uma arena para ele, então eu
simplesmente a construí'". "Eu duvido muito",
prossegue, "que haja alguém vivo hoje que saiba quanto ela
custou, mas eu vou contar uma coisa: era uma bela vista para se contemplar
enquanto estava sendo construída".
Hancock trabalhava como jornalista e depois passou cerca de 30 anos
como publicitário dos Bears naquela que era conhecida originalmente
como Hershey Sports Arena. De forma retangular e lembrando um hangar
de dirigível, a arena mede cerca de 110 metros de comprimento,
71 de langura e 31 de altura do telhado arqueado ao piso de eventos
inferior.
A construção foi iniciada em fevereiro de 1936 e o disco
caiu em 19 de dezembro do mesmo ano, quando o Hershey B'ars jogou contra
o New York Rovers em um jogo da Eastern Amateur Hockey League.
"Eles despejavam concreto o tempo todo", conta Hancock. "Ela
foi feita em dez meses. Foi simplesmente espantoso".
Mas os tempos mudaram e, com eles, os negócios de esportes e
entretenimento. Hancock entende isso.
"Foi discutido por muitos, muitos anos, porque se você só
consegue colocar 7,2 mil pessoas é um prédio pequeno",
conforma-se Hancock. "Fechar esse negócio e mudar-se para
uma nova arena vai ser um bom negócio.
"Eu vou sentir falta de assistir a um jogo de hóquei como
é na Hersheypark Arena, mas estou ansioso para ver o novo estádio.
Tudo vai ser novo e empolgante".
Um vida dedicada ao Celeiro -- Erigido durante a depressão,
a Hershey Sports Arena foi idealizada por Milton S. Hershey como um
lugar onde seus empregados da fábrica de chocolates e suas famílias
poderiam relaxar e curtir eventos esportivos e concertos.
"Quando criança, era fascinante assisti-los trabalhar o
tempo todo no frio, despejando concreto", conta Ken Hatt, que assistiu
à construção do alto da colina onde ficava sua
escola. "Ficávamos tentando no esgueirar até lá
e ver a construção um pouco mais de perto. Todos trabalhavam
duro e era a mesma coisa à noite, com luzes iluminando o local
de trabalho".
Hatt começou como bilheteiro, trabalhando na bilheteria número
2. Muitos anos depois, ele virou presidente da Hershey Entertainment
and Resort Company, a dona da Hersheypark Arena e dos Bears.
"Eu não me lembro de um jogo ou um jogador em particular
quando me lembro de todos esses anos", conta Hatt, de 78 anos.
"Minha memória mais querida vão ser centenas de empregados
que trabalharam aqui e que eu conheci. A dedicação que
algumas dessas pessoas dedicaram a esta arena, pessoas como os 'ratos
do rinque' (que mantêm a tubulação para o gelo)
e todos aqueles que a mantiveram limpa". "Eu me lembro",
continua, "de ter ido à Baltimore Arena talvez cinco anos
depois que ela abriu e, Deus, aquele lugar parecia tão mais velho
que a arena do Hershey, por causa das condições dos assentos.
Tudo estava bem mais sujo do que no nosso estádio".
Três passagens especiais -- Mitch Lamoureux começou
sua carreira de jogador como membro do rival Baltimore Skipjacks em
1982. Ele passou quatro temporadas visitando a Hersheypark Arena vestido
com uma camisa sdversária.
"Eu odiava vir até aqui quando eu jogava no Baltimore. Era
a viagem de ônibus de 90 minutos mais longa que tínhamos,
porque sabíamos o que nos esperava", recorda-se Lamoureux.
"Este era um lugar duro e brutal para se jogar por um time visitante.
A torcida me odiava quando eu usava o uniforme do Baltimore, mas eles
passaram a gostar de mim quando vim para os Bears".
Lamoureux, de 39 anos, é o sexto artilheiro de todos os tempos
da AHL, com 364 gols, e o nono produtor de pontos de todos os tempos,
com 816. Ele também está entre os dez mais do Hershey
em gols, assistências e pontos. Sua camisa 16 foi aposentada e
hoje está pendurada nos caibros da Hersheypark Arena.
"Eu tive três passagens por aqui e, em todas as vezes que
eu voltava, era especial", diz Lamoureux. "Este lugar sempre
me deu as boas vindas".
Lamoureux mantém-se ligado ao esporte como vice-presidente de
operações de hóquei da United Hockey League, mas
ainda vive na área e volta à Hersheypark Arena como torcedor
sempre que sua agenda deixa.
"Quando os Bears se mudarem para o novo prédio, eu vou sentir
saudades de andar pela arena pequena, onde as pessoas me paravam só
para dar um alô e perguntar como eu estou", conta. "Isso
ainda é algo especial para mim".
De adversário a parte integrante -- Quando Frank Mathers
começou sua carreira na AHL, com o Pittsburgh Hornets, em 1948,
ele e seus companheiros de time aguardavam ansiosamente pelas visitas
ao Hershey.
"Eu joguei oito temporadas em Pittsburgh antes de vir para os Bears
em 1956 (como jogador e técnico-assistente)", lembra-se
Mathers. "O prédio em Pittsburgh era uma garagem convertida,
então vir para cá era como visitar um palácio.
A Hershey Sports Arena era de outro mundo. Nós adorávamos
vir aqui".
Mathers passou 35 anos no Hershey como jogador, técnico, gerente
geral e presidente dos Bears, antes de de aposentar após a temporada
de 1990-91. Ele venceu seis Calder Cups, teve sua camisa de número
3 aposentada e foi eleito para o Salão da Fama do Hóquei
na categoria de construtores em 1992. Ele ainda morre de amores pela
Hersheypark Arena, mas entende totalmente a mudança do time.
"Esse prédio é excelente para hóquei, mas,
pelos padrões de hoje, não é o ideal", avalia
Mathers, de 78 anos. "Você pode fazer melhor e o novo prédio
vai ser melhor, tudo vai ser melhor, exceto talvez a vista, mas as pessoas
vão acabar se acostumando".
Mathers conta que a idéia da nova arena apareceu há cerca
de 30 anos, quando a World Hockey Association começou a desafiar
a National Hockey League. A WHA cessou operações depois
da temporada 1978-79 e quatro de seus times juntaram-se à NHL,
mas anos antes a empresa pensou em tentar inscrever uma franquia.
"Pensamos seriamente em colocar um time naquela liga, mas onde
quer que procurássemos conselhos diziam que o mercado não
era grande o bastante e que não conseguiríamos manter
uma franquia na WHA", lembra Mathers. "Provavelmente era verdade.
Pensamos em construir uma nova arena para essa aventura, mas acabamos
desistindo e foi um assunto que acabou não sendo lembrado por
muitos, muitos anos".
Despedida -- Agora, claro, não há mais conversas
sobre construir uma nova arena. O Giant Center está com mais
de 70% de seu projeto completos e os Bears vão começar
a mudar seus escritórios para sua nova casa no meio do ano.
Muitas lágrimas foram derramadas no dia 14, mas Hatt resumiu
melhor quando falou sobre comparar a nostalgia com a necessidade de
novas instalações.
"Eu sempre disse que o Sr. Hershey teria substituído a arena
há dez anos", calcula Hatt. "Ele estava muito à
frente de seu tempo. Acho que ele teria construído o novo estádio
ao ver que a vida útil do 'Celeiro' era limitada. Se a empresa
vai competir com outras arenas, você tem de ter novas instalações
para manter o time".
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Alexandre Giesbrecht, publicitário, demorou tanto tempo
para escrever este artigo que ouviu várias músicas
do Alice In Chains durante este tempo. Ele gostaria de prestar alguma
homenagem ao vocalista da banda, Layne Staley, cujo corpo foi encontrado
no último fim de semana, mas não sabe como. |
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A VISTA A vista sempre foi
considerada um dos grandes atrativos do "Grande Celeiro"
(hersheybears.com) |
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CARTAZ COMEMORATIVO ...com
a data errada? (Reprodução) |
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