19 de junho de 2002
Scotty Cup

Por Eduardo Costa

Em 1955 Toe Blake era contratado pelo Montreal Canadiens para, principalmente, lidar com o temperamento explosivo de Maurice Richard, seu ex-companheiro de linha, e evitar mais uma conquista dos Red Wings. Já em sua primeira temporada, Blake conquistou a Stanley Cup. No total, foram oito conquistas em 13 temporadas, incluindo cinco consecutivas. No mesmo ano, William Scott Bowman, com a carreira encurtada devido a uma contusão sofrida em março de 1952, tornou-se treinador das equipes juniores do Montreal e, não raro, era encontrado junto a Toe discutindo tudo relacionado a hóquei.

Na temporada de 1967-68 Bowman iniciava sua carreira na NHL de forma arrasadora, levando o também estreante St. Louis Blues à final. Final essa disputada contra o Montreal Canadiens de... Toe Blake, que disputava sua última temporada como treinador. Blake levou a melhor na oportunidade, mas, algumas décadas depois, Bowman encerraria sua carreira com nove Stanley Cups, 36 vitórias em finais (duas a mais que Blake), 1.244 vitórias em jogos de temporada regular e 223 nos playoffs, além de 2.141 jogos. Recorde, recorde, recorde, recorde e recorde, respectivamente.

O próprio Bowman diz que nada se compara a ganhar oito copas em 13 temporadas, mas é bom lembrar que na época em que Blake era treinador, a liga se restringia aos "Seis Originais". Outro detalhe que assusta é que apenas Montreal (24), Toronto (13) e Detroit (10) possuem mais copas que Bowman. Nem mesmo os originais Rangers, Bruins e Blackhawks (fundados nos anos 20) chegam perto.

Após esta última copa, Bowman disse que espera viver o bastante para ver seus recordes quebrados. Apesar de desejar vida longa ao mestre, ele não é o highlander Mark Messier. Seus recordes se juntam ao do Montreal Canadiens e seus 24 títulos, juntam-se aos 2.857 pontos de Wayne Gretzky, aos 139 pontos de um defensor, que pertence a Bobby Orr na temporada de 1970-71, aos 13 gols em desvantagem numérica de Mario Lemieux em 1988-89. Recordes que permanecerão intactos por um bom tempo, alguns quem sabe para todo o sempre.

É claro que não se trata apenas de números. Bowman conseguiu extrair o melhor de qualquer jogador, fosse ele Mario Lemieux, Kirk Maltby, Steve Yzerman ou Rick Tocchet. Saber como motivar cada jogador e utilizar todos os recursos disponíveis para vencer um jogo diferenciou-o dos outros treinadores, justiça seja feita a alguns poucos, como Al Arbour, Bob Johnson e Glen Sather. Além de ter "sobrevivido" na NHL em cinco décadas diferentes com mudanças radicais em vários aspectos, sem nunca ter sido demitido como treinador (foi destituído do cargo de diretor geral dos Sabres após a temporada de 1986-87), contrariando a máxima de que treinadores são contratados para ser demitidos.

Treinar grandes equipes ajudou também. Bowman contava com nove futuros membros do Salão da Fama na equipe do Montreal Canadiens cinco vezes campeã nos anos 70: Yvan Cournoyer, Ken Dryden, Bob Gainey, Guy Lafleur, Guy Lapointe, Jacques Lemaire, Larry Robinson, Serge Savard e Steve Shutt. Entre os feitos daquela equipe está o de ter feito o maior número de pontos em uma temporada na história da NHL (não foram os Oilers!), com 132 (60-8-12) na temporada de 1976-77.

No Pittsburgh Penguins, onde assumiu após a morte de Bob Johnson, encontrou Mario Lemieux, Joe Mullen, Ron Francis, Larry Murphy, Jaromir Jagr, Bryan Trottier, Jiri Hrdina e Kevin Stevens. Sob seu comando, os Pens obtiveram sua melhor campanha na história em pontos (119) e vitórias (56) na temporada de 1992-93. Além da copa, em 1992.

Contratado pelo Detroit em 1993, Bowman levou a equipe à final da copa em 1995 (a primeira do clube desde 1966). Na temporada seguinte, revolucionou ao introduzir a primeira linha inteiramente russa na liga, quando bateu o recorde de vitórias na história da NHL em uma única temporada, com 62, e terminou com 131 pontos, um a menos que o somado pelos Habs em 1977. Apesar de os três primeiros anos terem sido fantásticos, as derrotas para Sharks (94), Devils (95) e Avalanche (96) doeram fundo em Hockeytown. A reviravolta veio em 1997, em especial na série contra o Avalanche. No decisivo jogo 6 da série, a vitória por 3-1 (42-16 para o Detroit em chutes) levou a equipe novamente às finais, desta vez com final feliz e varrida contra os favoritos (segundo a maioria dos analistas) Flyers de Terry Murray. Bowman deu show ao anular a famosa linha "Legend of Doom" de Lindros e LeClair, e a seca de 42 anos foi para o espaço. Nessa mesma temporada chegou à histórica marca de mil vitórias na NHL (8 de fevereiro, numa vitória contra os Penguins). O bicampeonato em 1998, contra os Capitals, fez com que Bowman empatasse com Blake em títulos. No mesmo ano o coração quase o traiu, e ele teve de fazer uma cirurgia às pressas. Após a mesma, muito se falou em aposentadoria, mas ainda havia algo a ser ganho.

Após um hiato de três temporadas, novamente a copa voltou para os braços de Bowman, com uma equipe recheada de craques. Mas nem sempre é fácil lidar com tantas estrelas, isso não é nenhuma novidade: jogadores como Luc Robitaille e Brett Hull tiveram suas estatísticas comprometidas devido ao menor tempo de gelo. Só que em nenhum momento foram vistos sinais de indisciplina; muito pelo contrário: foi só seguir à risca o que o mestre mandou e ganhar o direito de passar um dia com a copa, colocar seu nome nela... Acredito que tenha valido a pena para Hull ou Robitaille. Ou não?

Não se assuste se daqui a alguns anos algum destes jogadores treinados por Bowman, se tornarem vitoriosos treinadores, como foi o caso de Larry Robinson, Jacques Lemaire e Al Arbour. Quem sabe Yzerman ou Larionov não sigam o legado de Bowman, assim como Scotty seguiu os de Toe Blake 50 anos atrás.

Eduardo Costa teve que resumir seu texto original pela metade, mas gostaria de dizer que cada torcedor dos Wings espalhado pelo mundo será eternamente grato ao mestre.
 
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Página publicada em 17 de junho de 2002.