Edição n.º 15 | Editorial | Colunas | Notas | Fotos
 
9 de outubro de 2002
Thomaz: Wow, Canada!

Por Thomaz Alexandre

Em 1999 o maior ícone da história do Calgary Flames, Theoren Fleury, ficou sabendo que suas despesas com ordenados não poderiam mais ser mantidas pelo clube do coração. Ao lado de Phil Housley, este sendo discreto demais para os holofotes, ele era a única estrela do time. O que importa se o Colorado já tinha Forsberg, Sakic, Roy? Espaço era o que não faltaria para o "Little Spark". Há pouco mais de um ano, Alexei Yashin estava em Ottawa procurando um novo, rico e longo contrato. Encontrou-o em Nova York. Curtis Joseph tornou-se agente livre? Tchauzinho, Toronto; olá, Mr. Ilitch.

No entanto, há quem diga que nem tudo são espinhos ao norte das fronteiras americanas. Jarome Iginla, o mais recente vencedor do Troféu Art Ross, apesar de um dos menos brilhantes ao realizar tal feito, possui um novo contrato com os Flames. José Théodore, vencedor do Hart e, obviamente, também do Vezina, é outro a garantir mais um acordo. Mas quem acredita que estas renovações não serão as últimas com seus atuais clubes? E o que dizer de Chris Drury, que todos esperavam despontar em Denver após a aposentadoria de "Super" Joe Sakic? Quanto seu agente pedirá ao fim do contrato vigente? Dificilmente será alguma sentença inteligível para os dólares de Calgary, que são canadenses, e já precisam manter Iginla.

Mas, voltando àqueles que acham que nem tudo é Barbra Streisand ou Celine Dion, é verdade que nem tudo. Em 2001 tivemos quatro times canadenses nos playoffs, sendo três do Leste. Inclusive dois deles disputaram uma vaga na final de conferência, naquela que foi uma das melhores séries na liga desde as de Dallas contra Edmonton. Edmonton que, por sua vez, tendo sido o bode expiatório do desequilíbrio Leste-Oeste (92 pontos e fora dos playoffs), pode chegar à segunda temporada desta vez. Falemos deles.

Ainda jovens; um ano mais experientes -- Na terra onde Wayne Gretzky carimbava 200 pontos por temporada, seria desejável que os membros da linha Smyth - Comrie - Carter fizessem 70 cada. Talento não falta, mas consistência pode ser. Alguém imagina este trio abandonando, digamos, um showzinho quinzenal em troca daquele pontinho suado e de um eventual +1 na maioria das noites? Mais uma vez, deseja-se, mas não se imagina. As linhas de defesa que os apoiarão serão as mesmas, e talvez mais fortes, pois os Oilers ainda buscam um homem de linha azul para se colocar entre Steve Staios, quinto zagueiro, e Scott Ferguson, sexto, na rotação. Recordando, Eric Brewer, Janne Niinimaa e Jason Smith são os demais.

Se há a mão que toma, há também a que cede. E, por ela, esta iminente troca poderia (mais à frente veremos por que não vai) sobrecarregar a unidade principal nas ações ofensivas, já que Kevin Lowe está buscando interessados em três atacantes: Mike Grier, miserável na temporada 2001, Marty Reasoner, que tem um contrato de duas vias entre NHL e AHL, e, principalmente, o querido da torcida Todd Marchant. Marchant acaba de renovar por um ano, sendo um agente livre irrestrito para a próxima entressafra, perfil que atrai muitos times da liga.

Para a posição do atacante rápido e valente que é Marchant, os Oilers possuem um grupo de prospectos batendo à porta de fazer inveja. Talvez um Marchant de 21 anos, Jani Rita levou o Hamilton Bulldogs às finais de conferência da AHL na temporada passada, com oito gols em 15 jogos. Evoluindo de um veloz jogador que acha que vai conseguir contra-ataques e posicionamento frente ao goleiro a todo momento, Jani aprendeu a lutar nas bordas e ajudar a defesa. Adicionando mais bala à agulha do time de Craig McTavish estão os jovens Jason Chimera, 77 pontos pelo Hamilton em 2001, e Ales Hemsky, um fenômeno tcheco de cem pontos por temporada após se mudar para a QMJHL canadense. Tardiamente descoberto, Jiri Dopita saiu dos Flyers para se unir ao recém-adaptado Mike York na segunda linha do Edmonton. Apesar de estar na NHL há apenas um ano, Dopita tem 32 anos e toda uma vida de reconhecimento no hóquei internacional. Desde já pode ser tornar tão líder deste time quanto Jason Smith.

Já que jovens jogadores em pequena quantidade é bobagem, o Edmonton ainda se recheou de escolhas no recrutamento de 2003, por meio das trocas de Jochen Hecht e dos direitos sobre Curtis Joseph, antes que este assinasse com os Wings. Jarret Stoll e Jani Salmelainen são mais dois prospectos de encher os olhos que se desenvolverão um pouco mais em Hamilton.

Que os playoffs abram suas portas para o filho pródigo que quer, e merece, voltar.

Para baixo não é o único caminho -- Se os Oilers precisam de constância, o que dizer dos Canadiens? Voltaram aos playoffs com a última vaga do Leste, e isso no melhor ano de Théodore e, quiçá, de Perreault. Tudo para não falar de Zednik, que precisou estar na melhor semana de sua vida para ajudar na zebra contra os Bruins na primeira rodada. Será que o raio cai duas vezes no mesmo lugar?

Bem, é um exagero comparar uma nova boa campanha dos Habs a tal fenômeno. Os Habs esperam agora contar com seu capitão e inspirador emocional Saku Koivu durante toda a temporada, o que deve fazê-los esquecer rapidamente de Shaun Van Allen, Senator por maioria de votos que teve boa passagem por Quebec. Esperam também contar com a experiência e a liderança de Randy McCay e substituir com sobras a explosão do instável Berezin pelo visionário Mariusz Czerkawski. Ver mais algum desenvolvimento do potencial de Sheldon Souray não seria nada mal, também.

Pois bem, Théodore, tens um time mais forte à sua frente. O difícil é te cobrar mais um ano em ritmo de 93,1%, não é? A lógica concorda, mas certamente o MVP, que é um dos 11 franco-canadenses no cargo de goleiro titular* na NHL este ano, discorda.

Não éramos nós que tínhamos que nos fortificar em torno da juventude boa e barata? -- Muitos torcedores dos Avs devem ter arrancado os cabelos com a troca de seu Druryzinho. Racionalmente, olho para isso e só consigo me perguntar: e o torcedor dos Flames?

O Calgary acaba de renovar a duras penas com Iginla, o jogador mais caro da história do clube, e logo depois abre as portas a um futuro milionário da NHL? O que me fazem de bom os cometas se eles passam?

Iginla provavelmente será areia demais para os Flames na época de sua próxima renovação, e será um agente livre restrito que provavelmente levará o time a uma troca daquelas "de volta à prancheta". O mesmo pode ser dito de Drury se este realmente emplacar em Calgary, agora como destaque de primeira grandeza.

Com Drury e o calouro Chuck Kobasew, os Flames poderiam sonhar em ter mais de uma linha. Mas e a primeira sem Dean McAmmond? Se Craig Conroy, mesmo ao lado de Iginla, não puder ir além dos 55 pontos, e Ron Niedermayer não justificar seu salário e a troca de Val Bure, o quadro sendo pintado toma contornos horrendos.

Em alguns anos, as linhas de defesa dos Flames poderiam se aproximar de algo como as dos Avs de hoje. Só que mandando Derek Morris aos Avs eles acabam dando passos para trás e implorando para que a linha de chegada se coloque mais à frente. Quando você tem só inexperiência, mesmo dotada de talento, por parte de Robyn Regehr e Jordan Leopold tomando o comando da defesa ao lado do suscetível a contusões Denis Gauthier, há problemas. Principalmente à frente da roleta-russa (tcheca?) que é Roman Turek.

Resta aos Flames torcer por mais produção das linhas inferiores, que devem contar com as adições do veterano Stephane Yelle, do brigador Martin Gelinas e do talento indomado de Robert Dome. Isso se algum destes não precisar ocupar vagas em unidades além de suas limitações.

Com 79 pontos na mais recente campanha, uma força da natureza poderia classificar os Flames desta vez. Se eles estivessem em outra conferência. Da AHL, é claro.

Melhor que a batalha de Ontário? Guerra de Ontário -- E, enfim, chegamos ao que o hóquei do Canadá tem de melhor hoje em dia, caso Mario Lemieux volte a ter problemas de contusão. Sim, chegamos a Leafs e Senators.

Ainda não foi desta vez que os Senators eliminaram o Toronto na pós-temporada, mas chegaram mais próximo. Mais: passaram a ser respeitados pelos vizinhos de Ontário, que não se lembravam de tanta intensidade em preto, branco e vermelho desde o New Jersey Devils, aquele que um dia teve Arnott, Sykora, Mogilny, Holik...**

Se os Senators mantiveram o equilíbrio durante a pós-temporada, recuperando Van Allen e perdendo McEachern, trazendo a tão solicitada aspereza de Brian Pother, ex-Preds, e abrindo mão da técnica discreta de Sami Salo, os Leafs podem estar piores. Belfour carregou a defesa dos Blackhawks nas costas. Em outra década. Em Dallas, ele tinha praticamente quatro jogadores a proteger seu gol em tempo integral. E nos últimos dois anos nem isso vinha dando resultado. Em Toronto, ele vai precisar freqüentemente atingir 35 defesas em um jogo. É, você não pensou errado: nem todo mundo é CuJo.

Outro freqüentador assíduo da enfermaria, Dmitri Yushkevich deu lugar a Robert Svehla, que, apesar de estar no mesmo nível técnico, tem menos jogo defensivo e mais peso do tempo sobre as costas. E a temporada de Gary Roberts, o homem de 30 gols que eliminou os Sens, só começará em janeiro, devido a sua cirurgia corretiva no ombro. Ainda: Jonas Hoglund está sem contrato.

Se as perspectivas domésticas, e obviamente gerais, dos Senators excedem as dos Leafs em termos de movimento de jogadores, na ascensão de prospectos não é diferente. Enquanto o Ottawa espera, enfim, o nome de Jason Spezza ser aplaudido como estrela das partidas, talvez ao lado de Antoine Vermette e do defensor Anton Volchenkov, o Toronto tem seu único prospecto de ataque também sem contrato. O pior: este é Nik Antropov, cujo desenvolvimento parece um tanto estagnado enquanto os anos passam.

O Toronto ainda tem um grande time, com nomes como Mats Sundin, Shayne Corson, Travis Green, o injustiçado Alyn McCauley, segundo melhor dos Leafs na pós-temporada passada, e alguns que podem produzir mais, como Mogilny e Reichel. Mesmo sendo difícil acreditar em Belfour, o atleta que usará um selo comemorando os cinco anos de seu primeiro milhão de dólares em seu uniforme, eles contam com alguns bons defensores, a exemplo do próprio Svehla e Tomas Kaberle. O problema é que nenhum dos dois tem escrúpulos ao subir ao ataque. Resta Brian McCabe, que durante sua passagem por quatro clubes se transformou em um jogador durão, malandro e que sabe quando fazer o quê. Mas, fora estes, os Leafs podem ter de apelar para o garoto de 19 anos Carlo Colaicovo na hora de buscar nomes para as principais posições em times especiais.

Falando em times especiais, este é o segundo de três problemas que o time precisa rapidamente consertar. Há anos que os Leafs não aparecem entre os líderes em vantagem numérica na liga, e com as novas regras deste ano prometendo mais de 10 vantagens numéricas por jogo para cada equipe, o peso do fator aumenta. Na pré-temporada, e nesse quesito o vizinho Ottawa não tem nada do que se gabar, as unidades de vantagem numérica dos Leafs foram pífias. O técnico Pat Quinn tem considerado, inclusive, usar Tie Domi como regular na função, já que ele marcou dois dos oito sofridos gols em vantagem numérica do Toronto na fase de aquecimento. Em Ottawa, por outro lado, o problema tem sido achar o jogador certo, determinado para suportar a rudeza das retaguardas em frente ao gol. Como o forte calouro Brad Smyth deve ficar sem lugar no elenco titular frente a Jason Spezza, Marian Hossa é aquele de quem mais se espera essa postura.

O terceiro problema dos Leafs, de que implicitamente já abusamos e todos já conhecem de cor é a integração de um sujeito como Belfour ao elenco. Para ajudar nisto e, por que não?, com a adaptação dos outros recém-chegados Trevor Kidd, Tom Fitzgerald e Robert Svehla, Pat Quinn levou seu time para um retiro em Wheeling, Virgínia Ocidental, a 100 km de Pittsburgh, onde o time abre a temporada. Wheeling, inclusive, é a sede dos Nailers, afiliados dos Penguins na ECHL. A própria direção dos Pens recomendou o local onde os Leafs passarão quatro dias relaxando da pressão de mídia e torcida e poderão, além de evoluir nos relacionamentos, treinar seus times especiais. Da vez mais recente que utilizaram tal expediente, em 1998-99, partiram para uma série de jogos no oeste canadense que resultou num retrospecto de 4-1-1, a caminho de uma temporada de 97 pontos.

Sens e Leafs estarão nos playoffs novamente? Decerto. Quem viverá para ver mais auroras? Isto deve mudar.

Os Canucks não fazem parte desta coluna, já que estão em boas mãos por conta de Alessander Laurentino. Bons fluidos a Markus "Nemesis" Naslund.

Notas rápidas:

- Cinco arenas da NHL vão mudar de nome neste ano, devido a novos contratos de patrocínio.
- Seis categorias estatísticas deixaram de ser computadas pela IBM, empresa oficial de estatísticas para todas as ligas major norte-americanas. São elas: Choques, discos recuperados, discos perdidos, chutes bloqueados, chutes para fora (que não entravam na conta total de chutes) e tempo de posse de disco por zona do gelo.

* A saber, Patrick Roy, Dan Clouthier, Patrick Lalime, Jean-Sebastian Giguerre, Martin Biron, Martin Brodeur, Felix Potvin, Marc Denis, Roberto Luongo, Jocelyn Thibault e o próprio Théodore. Isso para não falar nos que não são de Quebec: CuJo, Belfour e Tugnutt... Mais uma vez, wow, Canadá!
** É agora, Morozov!

Thomaz Alexandre quer ver todos os canadenses, os Seis Originais (exceto Rangers), mais Penguins nos playoffs. Fora com Dallas e C(r)aps. Abaixo os leiloeiros!
BELFOUR, UM LEAF Brad Smyth vai forte contra o gol, mas Ed Belfour consegue uma de suas primeiras grandes defesas como um Maple Leaf. Haverá muitas outras? (Jim Young/Reuters)
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Página publicada em 7 de outubro de 2002.