Por
Eduardo Costa
Aí vai mais uma estatística:
Das 30 equipes da NHL, 20 delas, ou 67%, tiveram como maior pontuador
da última temporada um jogador que foi recrutado na primeira
rodada; 13 deles foram escolhidos entre os seis primeiros em seus respectivos
anos de recrutamento.
Essa estatística mostra, além de que eu preciso de uma
mulher para ocupar melhor meu tempo, a importância de se fazer
as escolhas certas. Claro que existem exceções históricas.
E é sobre elas que escrevo. Escolhas que causaram alvoroço
na liga e, no final, só demonstraram ser alarme falso ou aqueles
jogadores que, sem nenhuma grande expectativa sobre os ombros, tornaram-se
figurinhas carimbadas na NHL. Começo com uma das mais clássicas
e que, sem dúvida, é apontada por dez entre dez fãs
de hóquei como uma das maiores decepções já
ocorridas na liga em se tratando de recrutamento.
Alexandre Daigle entrou na NHL com a pressão de ser comparado
a Mario Lemieux e Guy LaFleur, dois outros nativos de Montreal e jogadores
que puderam carregar seus respectivos times rumo ao topo da liga.
Ele foi o primeiro selecionado em um recrutamento (1993) que "deu"
à NHL jogadores como Chris Pronger (segunda escolha geral), Paul
Kariya (quarta), Jason Allison (17.ª), Saku Koivu (21.ª),
Todd Bertuzzi (23.ª), Eric Daze (90.ª) e mais uma leva de
grandes jogadores com longa carreira na liga.
Antes mesmo de colocar seus patins no gelo em uma partida da NHL, ele
já era um garoto com um contrato de US$ 12,25 milhões,
válido por cinco anos. Mas mostrou ser apenas um grande elefante
branco em Ottawa. Durante suas quatro temporadas e meia na equipe da
capital canadense, ele nunca chegou à marca de 30 gols ou 60
pontos em uma temporada. Depois de encerrado seu ciclo com os Senators,
ele perambulou por Philadelphia, Tampa Bay e Nova York, até encontrar
seu lugar em Hollywood, onde pôde se dedicar ao seu verdadeiro
dom: o de fingir. Recentemente voltou a liga, mas não vale nem
mais uma frase desse parágrafo relembrar isso.
Outra primeira escolha geral desperdiçada que vale a pena ser
lembrada (ou seria esquecida?) é Brian Lawton. O asa esquerdo
norte-americano foi o primeiro recrutado em 1983, à frente de
Pat LaFontaine (terceira escolha geral e que recentemente entrou para
o Hall da Fama do hóquei), Steve Yzerman (quarta escolha; obrigado,
Hartford Whalers, por ter escolhido Sylvain Turgeon antes), Tom Barrasso
(quinta escolha geral), Cam Neely (nona geral), entre outros.
Brian Lawton se sentia "um passo apenas abaixo de Wayne Gretzky"
e, por isso, pediu para usar a camisa número 98 no Minnesota
North Stars, clube que acabara de recrutá-lo. Seguindo essa lógica,
qual número ele deveria ter usado se levarmos em consideração
que, quando ele encerrou sua carreira, havia somado míseros 266
pontos em 486 partidas? E que em seus últimos quatro anos atuou
em dez diferentes equipes, incluindo aí AHL e IHL?
Existe o outro lado da moeda, é claro. Os escolhidos no apagar
das luzes que se transformam em jogadores de impacto. O recrutamento
de 1984 nos dá dois grande exemplos.
O hoje desempregado Luc Robitaille deve se lembrar perfeitamente do
dia em teve que esperar cerca de seis horas para ouvir seu nome no sistema
de som do Fórum de Montreal, em junho de 1984. Após o
Pittsburgh Penguins adicionar ao seu limitado elenco ninguém
menos que Mario Lemieux, Luc teve que ouvir mais 169 nomes até
Regie Vachon, gerente geral do Los Angeles Kings na época, lhe
dar uma oportunidade na NHL.
Mais 79 jogadores foram recrutados após Robitaille, mas apenas
13 deles chegaram a atuar ao menos uma partida na mais competitiva das
ligas. A 171.ª escolha geral daquele ano é hoje o maior
goleador (631 gols) da história da NHL entre os asas esquerdos.
O ex-companheiro de Robitaille Brett Hull também entra no chamado
grupo de azarões que deram certo. Mesmo sendo filho da lenda
Bobby Hull, ele foi ignorado até a 117.ª escolha (sexta
rodada) em 1984. Foi recrutado atrás até mesmo de indivíduos
chamados Jeff Cornelius, Milan Chalupa, Jack Capuano e Petr Rosol (eu
juro que já vi um desinfetante com esse nome)!
Mike Bossy não chegou a esperar muito até chegar sua vez,
mas poucos se esquecem de que o New York Rangers deixou passar por duas
vezes a oportunidade de contar com um dos melhores goleadores da história
do hóquei. É, e a chance escapou por entre seus dedos em ambas.
Melhor para o rival New York Islanders, que, com a 15.ª escolha
de 1977, somou às suas fileiras uma das peças-chave para
o que viria a ser uma dinastia no início dos anos 80. Aliás,
grande parte do núcleo daquelas conquistas teve como destaques
jogadores recrutados pela própria franquia. O primeiro deles,
o capitão Denis Potvin, em 1973, quando o gerente geral Bill
Torrey resistiu a inúmeras investidas de Sam Pollock, GG do Montreal
Canadiens na época, e segurou a primeira escolha que assegurou
que Potvin iria para Long Island.
Até os dias atuais a equipe continua recrutando bem. O problema
é o que seu gerente geral faz com seus recrutados posteriormente.
Por exemplo, Mike Rupp, herói da sétima partida das finais
da Stanley Cup recentemente conquistada pelos Devils, foi selecionado
pelos Isles em 1998. Mas a direção do time não
lhe deu chances, e ele acabou reentrando no recrutamento de 2000, quando
foi selecionado pelos Devils. Mais uma para a coleção
de burradas de Mike Milbury?
Voltando a 1977: quem teve a primeira escolha na mão naquele
ano foram os Red Wings, na época ainda melhor conhecidos como
"Dead Things", tão grande sua ruindade. Dale McCourt
foi a opção dos comandados da família Norris. Historicamente,
os Wings continuaram fazendo mau proveito de suas escolhas mais altas,
com a clara e gloriosa exceção de Steve Yzerman em 1983.
As escolhas "obscuras" na rabeira do recrutamento são
as que continuam dando frutos à equipe.
Vladimir Konstantinov, Nicklas Lidstrom e Sergei Fedorov foram todos
selecionados abaixo da 50.ª escolha geral em 1989. No mesmo recrutamento,
os Wings selecionaram Mike Sillinger na primeira rodada.
Em 1990, Keith Primeau custou a terceira escolha geral, acima de Jaromir
Jagr, Keith Tkachuk, Martin Brodeur, Doug Weight, Sergei Zubov, Peter
Bondra e Derian Hatcher. Primeau somou apenas 15 pontos em sua estréia
na NHL. Henrik Zetterberg, segundo colocado no Troféu Calder,
dado ao novato da temporada, contabilizou 44 pontos nesta recém-encerrada
temporada. Zetterberg custou aos Wings a 210.ª escolha em 1999.
O mesmo vale para Pavel Datsyuk (171.ª em 1998).
Em 1986 Joe Murphy foi o primeiro selecionado geral no recrutamento.
Com os Wings, foram medíocres 32 pontos em 90 jogos (durante
quatro temporadas). Brent Fedyk (oitava escolha geral em 1985) e Yves
Racine (11.ª de 1987) foram outros desperdícios clássicos
em Detroit.
Da Hockeytown americana para a capital do hóquei no planeta (não
estou falando de Sertãozinho). Quando o Montreal Canadiens trocou
o jovem e já entre os melhores defensores da liga
Chris Chelios pelo veterano Denis Savard, em 1990, eles tentavam consertar
o erro que cometeram alguns anos antes, mas acabaram errando novamente.
Apesar de Savard ter ajudado os Habs a vencer a Stanley Cup em 1993,
ele já não era mais o jogador de 80 pontos ou mais que
fora em Chicago, enquanto Chelios permanece como um dos melhores defensores
da liga até hoje.
Em 1980 eles tiveram a oportunidade de recrutar Denis, quando tinham
em mãos a primeira escolha geral. Savard foi criado nas ruas
de Montreal e teve passagem estelar pelo Montreal Junior da QMJHL.
Nada mais natural que ele fosse o primeiro nome da lista. Errado. Doug
Wickenheiser foi o escolhido, para desespero da torcida franco-canadense.
Primeiro pelo fator Savard e depois por ser obrigada a pronunciar esse
diacho de nome.
Wick (para evitar desgaste do meu teclado, vou chamá-lo assim)
apenas uma vez ultrapassou a marca dos 50 pontos na carreira. No mesmo
período, Savard somava no mínimo cem a cada ano. Wick
passou ser perseguido pela torcida, e o Montreal mandou-o para o St.
Louis Blues, que o mandou para os Canucks, que o mandaram para os Rangers,
que o mandaram para os Capitals, que o mandaram para o HC Asiago, da
Itália... Até que Wick foi parar na gloriosa e espetacular
terceira divisão alemã, defendendo as tradicionais cores
do não menos espetacular EHC Unna.
O recrutamento desta última semana nos dará com certeza
mais exemplos como os acima. O que nos resta agora é esperar
o tempo mostrar a qual grupo cada um dos jovens pertence.
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Eduardo Costa vê dificuldades em sua renovação
contratual com The Slot BR, mas avisa que aceita continuar se a
oferta de US$ 300 mil por coluna oferecida por The Hockey News for
igualada pelo site brasileiro. |
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TRAJETÓRIAS DIFERENTES
Alexandre Daigle (à esquerda) foi da primeira escolha ao
fracasso; Theoren Fleury foi da última rodada do recrutamento
para o sucesso (Robert Laberge/Allsport e Ian Tomlinson/Allsport) |
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