3 de abril de 2002
Apesar da tragédia, deixem a NHL em paz

Por Alexandre Giesbrecht

Quando a menina Brittanie Cecil, de 13 anos, morreu depois de ser atingida na cabeça por um disco de hóquei num jogo da NHL em Columbus, Ohio, houve uma tragédia de proporções incomensuráveis. Nos dias seguintes à morte dela na segunda, dia 18, foi iniciado um grande debate sobre como tornar os jogos de hóquei mais seguros para os espectadores. O que poderia ser feito?

Mesmo se você tiver apenas um pouquinho de bom senso, a resposta é óbvia: absolutamente nada.

Discos têm voado para a arquibancada durante os 85 anos de história da NHL, muitos a velocidades altíssimas. Brittanie é a primeira torcedora a morrer depois de ser atingida por um.

O que aconteceu com Brittanie foi triste, trágico e terrível. Mas foi também um aberração, algo pouco provável de acontecer novamente. Centenas de pessoas já foram atingidas por raios enquanto jogavam golfe, mas nunca ouvi ninguém defender uma volta aos tacos de madeira. Mesmo assim, depois da morte de uma garota -- e eu obviamente não quero trivializar o ocorrido, mas não foi como se Espen Knutsen, dos Blue Jackets, tivesse chutado uma granada de mão contra as arquibancadas e explodido toda uma seção -- os choradores e preocupados de plantão se mobilizaram para uma auto-proclamada patrulha de segurança e feito todo o tipo de sugentões sem sentido. Entre elas:

- Tornar o Plexiglas mais alto. OK, mas quão alto é alto o suficiente?
- Pendurar redes entre o topo do acrílico e o teto da arena. Como se o disco já não fosse difícil o suficiente de ser acompanhado pela torcida sem ter de ser visto através da rede.
-Fazer as crianças usar capacetes. Por favor... Ei, por que não fazer toda criança usar uma armadura o tempo todo? Você sabe, todo cuidado é pouco.

Outros debates sobre segurança em jogos de hóquei têm surgido. Alguns estão surpresos que mais pessoas não se machucaram quando uma folha de Plexiglas em dez mil quebra e cai sobre torcedores. Eu não estou surpreso, porque eu sei que o Plexiglas usado em rinques de hóquei é feito para rachar e se quebrar de forma não perigosa, ao invés de se quebrar em pedaços e furar olhos, corações, cérebros etc.

Bem de vez em quando uma folha intacta de Plexiglas se solta e cai na cabeça de alguém. Aconteceu com a esposa de Wayne Gretzky, Janet Jones-Gretzky, na verdade, e ela está bem, muito bem.

As arenas da NHL não se transformaram em um ninho de perigo. Na próxima vez que você for a um jogo da NHL, olhe ao seu redor, procurando por crianças nas arquibancadas. Algumas vão, infelizmente, morrer antes do que deviam. Mas elas não vão morrer ao ser atingidas na cabeça por borracha vulcanizada. Talvez elas sejam atropeladas por um motorista bêbado. Ou então morram de câncer porque fumaram demais. Ou sucumbam de Aids depois de fazer sexo depsrotegido. Ou tenham uma overdose de drogas. Mortes como estas acontecem todos os dias, não a cada 85 anos.

Vamos focar nos problemas que valem a pena ser focados. Não vamos nos preocupar com algo que obviamente foi um azar total. Se você quiser um conselho realista sobre segurança em jogos de hóquei, leia estas palavras: escolha com cuidado seu assento e preste atenção ao jogo. Se você está indo com uma criança pequena, ou se quiser passar a maior parte do jogo com um telefone celular acoplado à orelha, ou se você simplesmente não tem reflexos muito rápidos, não se sente nas primeiras filas acima do Plexiglas. Fique fora da linha de fogo.

Não estou dizendo que Brittanie não estava prestando atenção ou que ela podia ter-se desviado do disco se estivesse. Estou dizendo que vejo várias pessoas em jogos de hóquei para quem assistir ao jogo parece apenas uma pequena preocupação. Preste atenção. E, se você não quer prestar atenção, por que está lá?

A família e os amigos de Brittanie são, é logico, os mais traumatizados pelo que aconteceu. Mas minhas condolências vão para Knutsen também. Knutsen deu o chute que resultou na morte de Brittanie, mas não preciso nem dizer que não houve intenção de mandar o disco para as arquibancadas. Agora Knutsen tem de conviver com o que aconteceu todos os dias para o resto de sua vida. Isso vai ser um grande fardo.

A patrulha da segurança também quer tornar os jogos de beisebol mais seguros. Mas em 125 anos de Major League Baseball apenas cinco espectadores foram mortos por bolas rebatidas ou arremessadas. É um número muito pequeno. A temporada de beisebol tem muito mais jogos que a de hóquei, além de muito mais espectadores em cada jogo. Só para ser mais segura, a lliga de beisebol poderia usar bolas de pelúcia. Será que eles fazem discos de pelúcia?

A vida por si só já é perigosa. Há um risco inerente em praticamente tudo o que fazemos. As pessoas às vezes vão atrás dessas causas não pela causa em si, mas por si mesmas. Elas o fazem para se sentir nobres, para se sentir como se estivessem contribuindo. E acabam, na maioria das vezes, enganando a si mesmas e levando consigo todos os demais.

Estou certo de que um processo ainda vai surgir desse caso. Afinal, ocorreu nos Estados Unidos -- por lá sempre aparece um -- e você não pode culpar a família de Brittanie por explorar todas as suas opções.

Mas o hóquei em geral e a NHL em particular deveriam ser deixados em paz nesse caso. O que aconteceu não poderia ter sido prevenido. Não foi culpa de ninguém. Às vezes as pessoas simplesmente morrem.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, estava ouvindo "Nutshell", do Alice in Chains, quando terminou a coluna.
 
HOMENAGEM Espen Knutsen, do Columbus Blue Jackets, usa um decalque em forma de coração com as iniciais de Brittanie Cecil no jogo contra o Detroit Red Wings (Chris Putman/AP)
 
HOMENAGEM O placar eletrônico da Nationwide Arena, do Columbus Blue Jackets, faz uma homenagem a Brittanie Cecil (Terry Gilliam/AP)
 
DESESPERO Numa imagem reproduzida da televisão, Brittanie Cecil (de azul) leva as mãos à cabeça ao ser atendida depois de ser atingida pelo disco (Reprodução WSYX/WTTE Columbus)
 
HOMENAGEM O capacete do goleiro Marc Denis, do Columbus Blue Jackets, também com o decalque em homenagem a Brittanie (Matt Sullivan/Reuters)
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Página publicada em 1.º de abril de 2002.