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6 de novembro de 2002
O que se sabe de hóquei no Brasil

Por Alexandre Giesbrecht

Falar sobre a NHL no Brasil é muito diferente de falar sobre futebol no Brasil. Por aqui, se perguntarmos a qualquer pessoa na rua quem é Pelé, a resposta vem de imediato, ainda que com um simples "foi um jogador de futebol". Agora pergunte a essa mesma pessoa quem é Wayne Gretzky. "Não sei" será a resposta mais ouvida, seguida de perto por "sei lá", "como é que eu vou saber" e "nunca ouvi falar". Se você perguntar a cem pessoas aleatoriamente, é provável que nenhuma delas responda corretamente à pergunta.

Paralelamente, não é tão difícil assim encontrar camisas de times de hóquei por aí. Não pelo que os times ou seus jogadores significam, mas porque elas são bonitas e estão, ao menos por aqui, associadas ao rap e à rebeldia adolescente. Uma pessoa nas ruas de São Paulo com a camisa dos Leafs provavelmente não conhece nada da tradição do time.

Por que todo esse descaso? Não é exatamente um descaso. Não se tem descaso com o que não se sabe que existe. O hóquei no gelo (e mesmo o hóquei sobre patins, que é praticado por aqui) é um ilustre desconhecido no Brasil. Ao contrário da NBA, que recebeu uma cobertura razoavelmente grande da mídia nos últimos 15 anos, a NHL nunca esteve em meios de comunicação de fácil acesso ao povo.

Quando muito, esteve em alguma foto isolada no Lance, na Folha de S. Paulo ou no Jornal do Brasil, os únicos jornais onde eu já vi fotos da NHL. O Lance costuma dar os resultados quase diariamente. Mas apenas os resultados. Numa coluna semanal sobre esportes americanos, o hóquei às vezes tem algum espaço. Na última quarta-feira, uma notinha, cheia de erros:

"O veterano Mario Lemieux foi o grande destaque da vitória do Pittsburgh Penguins por 3 a 2 sobre o Washington Capitals. Depois de sofrer um corte no rosto, no primeiro quarto (sic), o canadense deixou o jogo para estancar o sangramento no vestiário. Ele voltou no fim e fez o gol salvador."

Quantos erros em apenas 51 palavras! O mais grave, claro, a menção ao primeiro "quarto". Quando muito, deveriam usar "terço", mas o correto mesmo é "período". Os outros erros mostram o descaso de quem cobre: se a pessoa tivesse lido direito a matéria em inglês que chegou das agências de notícias, saberia que Lemieux não voltou no fim, mas na metade do segundo período (a metade do jogo). E o gol não foi exatamente salvador, pois foi marcado aos 12:49 do segundo, dando aos Penguins uma vantagem de 3-1. Salvadora mesmo foi a atuação do goleiro Johan Hedberg, que parou 40 dos 42 chutes que enfrentou e ainda fez três defesas difíceis no último minuto de jogo.

Esta é a cobertura que o hóquei tem no Brasil. Enquanto isso, a NBA teve, na última terça-feira, a primeira página do caderno de esportes da Folha. Claro que a liga de basquete tem um atrativo a mais neste ano, a estréia do brasileiro Nenê. A NHL não deve ter um brasileiro nato em seus quadros nos próximos cem anos, no mínimo.

De acordo com o site Hockeydb.com, que lista todos os jogadores profissionais de todos os tempos, apenas dois jogadores nascidos no Brasil chegaram a jogar na NHL. Ainda assim, eles não têm laços com o País: são cidadãos canadenses.

Mike Greenlay, obscuro goleiro de ligas menores nascido em Vitória, jogou dois jogos pelo Edmonton Oilers em 1989-90, somando 20 minutos e uma inflada média de gols sofridos de 12,00. Fez 13 defesas em 17 chutes, acumulando uma média de 76,5% de defesas.

O outro jogador ainda está em atividade. O zagueiro Robyn Regehr, nascido em Recife, está em sua quarta temporada na NHL, já tendo 216 jogos de experiência, todos pelo Calgary Flames, com oito gols e 18 assistências.

Por serem canadenses, é seguro imaginar que nenhum deles resolveu jogar hóquei porque viram em algum lugar por aqui. Na verdade, não tenho aqui sequer a informação de quantos anos eles viveram no Brasil. Provavelmente, não muitos.

Com o tanto que se vê de hóquei no Brasil — leia-se: quase nada —, é difícil para os brasileiros virarem torcedores. Com a parca cobertura da ESPN, a única opção restante é a Internet, que ainda não é acessível ao grande público. A falta de um clima propício à prática do esporte também não colabora. Há poucos rinques de patinação e todos são usados na maioria do tempo para... patinação.

Há cerca de 20 anos, existiam no País alguns grupos que se dedicavam à prática do hóquei no gelo, incluindo um liderado por Ronald Calhau em São Paulo, os famosos São Paulo Pandas. OK, não são famosos, mas deveriam, ao menos pelo pioneirismo. Alguns jogos foram realizados contra times do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, mas, com a escassez de rinques, o esporte não foi para a frente. Calhau hoje é vice-presidente da Federação Portuguesa de Hóquei.

É difícil dizer se o hóquei tem alguma chance de se popularizar no Brasil. Obviamente, não nos mesmos níveis do futebol, mas algo próximo de alguns esportes amadores. Para mim, o primeiro passo seria a popularização dos rinques, algo muito difícil num país que tem problemas muito maiores. Por enquanto, temos de ficar mesmo com os canadenses, tchecos, suecos, americanos...

Alexandre Giesbrecht, 26 anos, é torcedor do Pittsburgh Penguins há dez.
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Página publicada em 4 de novembro de 2002.