A noite de segunda-feira, 21 de novembro, jamais será esquecida pelo público presente na Joe Louis Arena. Os fãs dos Red Wings que ali estavam para assistir ao duelo entre o time da casa e o Nashville Predators de repente passaram a assistir ao jogo da vida, onde o resultado seria viver ou morrer.

Era só uma partida de hóquei, não deveria valer uma vida. Mas às 20h07 em Detroit, com o cronômetro mostrando 7:30 por jogar no primeiro período, o jogo em si tornou-se secundário. Sentado no banco de reservas, Jiri Fischer de repente tombou, caindo entre o banco e o túnel que conduz aos vestiários do time, desacordado.

"Seu coração parou e não havia pulso", disse o treinador Mike Babcock.

Fischer sofreu uma convulsão, subitamente. No gelo a ação continuava e, quando o calouro Brett Lebda percebeu que havia algo de errado, alertou os companheiros e então aconteceu o que poderia ser a maior penalidade por número de homens no gelo da história da liga, não fosse a situação emergencial. Os jogadores entraram no gelo e alguns deles sinalizaram ao árbitro. Babcock subiu no banco e agitava os braços em direção ao local onde fica a ambulância. Desespero total.

Imediatamente os médicos Anthony Colucci e Douglas Patens e o auxiliar Piet Van Zant socorreram Fischer, ali mesmo entre o banco e o túnel. Colucci aplicou um ressuscitamento cardio-pulmonar (RCP) durante longos e silenciosos minutos.

"Toda vez que alguém pára de respirar ou seu coração pára de bater", disse Colucci, "você se preocupa se ele vai sobreviver".

A Joe Louis Arena estava lotada, porém tão silenciosa quanto em um dia sem hóquei. Angustiada, a torcida apenas rezava pelo jogador e muitos gritavam desesperados no telefone celular buscando maiores informações. Quando vida e morte se chocam contra o mundo dos esportes ninguém contém a emoção.

"Medo", declarou Steve Yzerman sobre o que sentiu. "Você vê o cara caindo e os médicos fazendo aquilo que eles estavam fazendo. Você teme pela vida naquele momento."

No gelo, Brendan Shanahan e Robert Lang ajudaram a noiva de Fischer a sair das cadeiras e atravessar o rinque, aproximando-se de seu companheiro. A maioria dos jogadores recolheu-se aos vestiários.

"Obviamente ela estava preocupada e aflita", disse Shananan. "Ela queria apenas estar próxima a Jiri."

Durante o ressuscitamento, Colucci utilizou um desfibrilador automático, indispensável neste tipo de emergência. O aparelho indicou que Fischer possivelmente sofria uma fibrilação ventricular. Seu coração estava em ritmo terminal, batendo de forma desordenada e não bombeando sangue de volta ao corpo. Sem sangue, seu cérebro estava privado de oxigênio; e, sem oxigênio, foi como se o cérebro enviasse impulsos elétricos que podem ter causado a convulsão.

Os médicos então desferiram os choques necessários para que o coração de Fischer voltasse a bater normalmente.

Colucci detectou o pulso e percebeu que o jogador já respirava sozinho. Yzerman e Kris Draper conduziram uma maca até o banco de reservas, para que Fischer fosse deslocado até a ambulância. Ele seria levado ao hospital ainda inconsciente, porém sem ter sua vida em risco.

Cerca de 45 minutos se passaram entre o momento em que o coração de Fischer parou e o anúncio oficial na arena de que ele estava acordado e em condição estável no hospital. O público aplaudiu, encerrando um longo período de horror. Mais tarde o jogo seria anulado com a concordância de ambas as equipes e do escritório da liga. Simplesmente não havia motivos para continuar.

O que aconteceu poderia ter tido um final muito pior, não fosse a assistência médica especializada e imediata e o uso do desfibrilador, o que ressalta a importância desta combinação entre profissionais e equipamentos em locais públicos, como eventos esportivos. (Essa idéia nos remete ao que aconteceu no ano passado no futebol brasileiro, quando o zagueiro Serginho, do São Caetano, morreu em campo graças ao precário atendimento a ele realizado.)

Fischer já havia sido diagnosticado em setembro de 2002 com uma anormalidade cardíaca, encontrada em um eletrocardiograma durante uma bateria de exames realizados naquela pré-temporada. Afastado dos treinamentos, foi submetido a um teste de esforço para avaliar se poderia prosseguir sua carreira. O resultado foi positivo e concluiu-se à época que o coração de Fischer é um pouco mais denso que o normal.

"Eu não estava preocupado com a anormalidade", disse Fischer na ocasião. "Estava preocupado em não poder jogar hóquei novamente. Foi um choque para mim."

Embora tenha em seu histórico esta anormalidade, ainda não se sabe a causa do colapso de Fischer. O mais provável é que seja mesmo proveniente desse distúrbio já detectado anteriormente.

Preocupados, a maior parte de jogadores e gerência dos Red Wings visitou o defensor no hospital ainda na noite de segunda-feira, quando Fischer já estava consciente e brincando com os médicos, sem se lembrar de nada anterior ao momento em que despertou na ambulância. Submetido a uma bateria de exames específicos, o coração do jogador respondeu bem a todos.

Porém, não há previsão sobre o retorno de Fischer ao gelo, se é que um dia isso acontecerá. E, se ele declarava três anos atrás que não se preocupava com seu coração mas sim com o hóquei, agora o mais sensato a fazer é dedicar total atenção à sua limitação. Os seis anos em Detroit foram presentes concedidos pela vida ao jogador e, por mais que todos queiram o seu retorno, se os médicos disserem que ele está impossibilitado de atuar novamente, Fischer terá que aceitar e afastar-se do esporte, mesmo aos 25 anos.

"Os médicos disseram a ele que ficará no mínimo entre quatro a seis semanas sem atividades físicas", declarou o gerente-geral Ken Holland. "Obviamente eles vão continuar a monitorar e a coletar informações."

Na tarde desta quarta-feira, Fischer deixou o hospital e foi levado para casa, onde irá descansar e esperar enquanto os médicos procuram por definições. O mais importante é que Fischer está respirando, pode estar com sua noiva, fazer planos para amanhã. Como muito bem escreveu o genial Mitch Albom, "existe apenas uma palavra para sua vida neste momento, e ele poderia dizê-la para qualquer um e qualquer coisa em que ele acredite: obrigado".


Humberto Fernandes ouvia ao vivo o jogo dos Red Wings quando a tragédia aconteceu e ficou completamente sensibilizado. Você pode ver aqui: vídeo 1 e vídeo 2.
SEJA FORTE, JIRI Fischer nunca esteve tão perto da morte, mais precisamente quatro minutos, quanto na noite de segunda-feira. A primeira imagem mostra o início do atendimento médico, com ressuscitamento cardio-pulmonar e uso de desfibrilador. Na foto seguinte a maca já estava posicionada para levar o jogador até a ambulância. Por fim, a torcedora Katie Mitchell, de 17 anos, permaneceu de pé próxima às bordas rezando por Fischer mesmo depois de milhares de fãs deixarem a arena (Paul Sancya/AP - 21/11/2005)
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Página publicada em 23 de novembro de 2005.