Por: Alexandre Giesbrecht

Em um país onde há livre expressão, qualquer um pode chamar o gerente geral dos Penguins, Ray Shero, de qualquer coisa. Ainda assim, ninguém pode chamá-lo de covarde. Não depois da troca que ele fez na terça-feira, minutos antes do prazo estipulado para trocas no dia-limite. Foram três jogadores e uma escolha de primeira rodada, em troca de Marián Hossa e de Pascal Dupuis. Desses três jogadores de que os Penguins abriram mão, dois são ex-escolhas de primeira rodada: Colby Armstrong (2001) e Angelo Esposito (2007). Um preço alto, que parece ainda mais alto quando se lembra que Hossa não tem contrato além desta temporada.

Shero garante que não deu início a nenhuma negociação a respeito de uma eventual renovação, nem com Hossa nem com seu empresário. O ponta ganha um salário de US$ 7 milhões e, prestes a tornar-se agente livre irrestrito, deve buscar um salário maior, o que certamente será um entrave para ficar em Pittsburgh, não só porque os Penguins têm um "teto salarial informal" de US$ 8,7 milhões (salário médio de Sidney Crosby nas cinco próximas temporadas), como têm ainda jovens promessas por renovar contrato nos próximos anos, como Evgeni Malkin, candidato a artilheiro da liga nesta temporada, Jordan Staal e Marc-André Fleury. Nenhum deles deve pedir baixo.

A economia sem os salários de Armstrong e Erik Christensen, o outro jogador envolvido na troca, é de meros US$ 2 milhões, e apenas para a próxima temporada, que é quando vencerão os contratos dos dois, o que não cobre nem metade do que Hossa já ganha atualmente. Talvez a esperança do GG seja convencer Hossa de que ao lado de Crosby e Malkin as chances de título aumentariam bastante, fazendo com que ele diminua seu preço. Ou então que o time consiga seguir lotando a Mellon Arena, como o fez em todos os jogos da temporada até aqui, garantindo essa receita e aumentando-a com uma eventual boa campanha nos playoffs.

Especulações à parte, o fato é que todos sabiam que Hossa iria custar mais que um pacote de cream cracker. Se Shero acha que o time podia dispor de duas peças de seu futuro — Esposito e quem quer que seja recrutado com a ex-escolha dos Penguins, porque Armstrong e Christensen não devem evoluir muito mais — e que o que poderia conseguir com essas peças seria o bastante para vencer a Copa Stanley em junho próximo, então não há muito o que discutir.

Que o time poderia dispor dessas peças parece plausível. Alguns vão dizer que os Pens sacrificaram seu futuro em troca de um jogador "de aluguel", mas é difícil falar isso de um time que continua com Crosby, Malkin, Staal, Fleury, Kris Letang e Ryan Whitney no elenco. É verdade que a primeira escolha do time no próximo recrutamento só deverá ser na quarta rodada, mas também é verdade que escolhas baixas de primeira rodada, como a que os Thrashers levaram na troca, não são garantia alguma de um jogador de sucesso. Que o digam Craig Hillier, Robert Dome, Milan Kraft e Konstantin Koltsov, primeiras escolhas dos Penguins entre 1996 e 1999. (Também não são garantia de fracasso, como provam Martin Straka e Markus Naslund.)

Agora, que o retorno da troca vai trazer a Copa para Pittsburgh é algo muito mais difícil de se provar. Os Penguins passaram a temporada inteira tentando achar dentro da organização um ponta para jogar ao lado de Crosby. Petr Sykora, contratado nas férias, deu-se bem com Malkin, mas Crosby ficou sem um finalizador. Hossa vem para preencher essa lacuna. Até aí, perfeito. Só que essa não era a única lacuna a ser preenchida. A defesa do time também tem se comportado mal, e a perda de Mark Eaton, contundido, só fez agravar essa situação. Hal Gill, que veio dos Leafs mas foi ofuscado por Hossa — ora, Hossa ofuscou até a troca que envolveu seu próprio irmão Marcel, que foi dos Rangers para os Coyotes —, está longe de suprir essa carência. Pior: Gill custou uma escolha de segunda rodada neste ano e uma de quinta no ano que vem. Por pouco mais que isso, os Red Wings garantiram Brad Stuart, que valeu a segunda escolha e uma quarta no ano que vem. Entre um Stuart manco e um Gill em seu zênite, eu provavelmente ficaria com Stuart.

No gol não há exatamente um problema, mas duas perguntas: (1) Fleury conseguirá se recuperar da séria contusão que teve e conduzirá o time nos playoffs? (2) Se Fleury ratear, Ty Conklin conseguirá manter o surpreendente nível que demonstrou em 2008? Se a resposta às duas perguntas for não, a coisa pode ficar feia. Embora seu histórico não seja dos mais encorajadores, Conklin tem jogado bem já há várias semanas, e na terça-feira, horas após o limite de trocas, ele parou 50 chutes na vitória por 4-2 sobre os Islanders. Ou seja, mesmo que ele seja capaz de continuar assim, não dá para parar 50 chutes em todos os jogos. Com a defesa que tem à sua frente, a perspectiva de sofrer como Dudízio no Jabaquara é assustadora.

Um problema menor é o impacto da ausência de Armstrong e Christensen. Ambos eram populares no vestiário, mas no gelo tinham função basicamente de terceira linha (o primeiro passou um bom tempo na primeira linha, com Crosby, mas também conseguiu impressionantes seqüências sem marcar gols). É claro que a terceira linha é menos importante que a primeira, mas a função tem que ser cumprida por alguém. Um deles será Dupuis, sem dúvida, mas esta é uma boa hora para Maxime Talbot chamar para si a responsabilidade, embora não haja garantias de que ele consiga fazê-lo. Christensen ainda era uma máquina de fazer gols nas disputas de pênaltis, mas pode ser substituído por Jarkko Ruutu (sério!) e essa não é uma habilidade necessária nos playoffs.

Esposito é uma incógnita. Chegou a ser considerado candidato a primeira escolha no último recrutamento, mas caiu como mamona madura e foi ser recrutado pelos Penguins com a 20.ª escolha geral. Para piorar, no seu time júnior tem tido uma atuação mediana, sendo apenas o quarto artilheiro da sua equipe. Dependendo de como sua carreira se desenvolver, os Thrashers podem ter feito um excelente negócio, mas, por enquanto, nada indica que ele não será um novo Kris Beech.

Se há um motivo para acreditar que os Penguins podem correr atrás do título já nesta temporada é a maneira como eles se comportaram depois de ser assolados por contusões: caíram nada menos que a principal estrela (Crosby), o goleiro titular (Fleury) e o principal zagueiro defensivo (Eaton), e o time continua na briga pelos títulos da divisão e da conferência.

A adição de Hossa e a volta de Crosby tornam intrigante o futuro próximo deste time. Talvez todo o sofrimento por que passou a torcida de Pittsburgh desde 2001 esteja começando a ser recompensado agora, com o time podendo se dar ao luxo de contratar um jogador "de aluguel" a peso de ouro, algo impensável não muito tempo atrás. Como já deixei claro acima, não creio que os Penguins terminem 2007-08 com a Copa Stanley levantada sobre a cabeça de Crosby, mas a mensagem que eles passam ao resto da liga com a chegada de Crosby é a de que o futuro pode ser dourado... e preto.

Alexandre Giesbrecht, 31 anos, tem ouvido muito a versão do Queensrÿche para Welcome to the Machine, do Pink Floyd.
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Página publicada em 28 de fevereiro de 2008.