Por: Humberto Fernandes

A primeira metade da temporada regular de 2008-09 foi absolutamente dominada por três equipes: San Jose Sharks e Detroit Red Wings, na Conferência Oeste, e Boston Bruins, na Conferência Leste. Ainda que outros times façam temporadas espetaculares, como Washington Capitals e Chicago Blackhawks, a maior sensação da liga nos últimos dois meses é o Calgary Flames.

Com 18 vitórias nos últimos 27 jogos, os Flames assumiram a liderança da Divisão Noroeste e dispararam na ponta, estabelecendo larga vantagem para os concorrentes diretos. No fechamento desta edição, na quarta-feira, o Calgary mantinha sete pontos de frente sobre o Edmonton Oilers com um jogo nas mãos.

A arrancada do time foi iniciada após a acachapante derrota por 6-1 para os Sharks em San Jose, em meados de novembro. Foi o estopim para o treinador Mike Keenan perceber que a filosofia de trabalho deveria mudar. Desde então o time tem jogado mais controlado defensivamente.

O goleiro Miikka Kiprusoff tem sido decisivo, fazendo defesas importantes nos momentos necessários. Suas brilhantes atuações foram fundamentais para a escalada da equipe e seus números recentes ajudam a pagar a própria conta de quem andou devendo em outubro e novembro.

A defesa do Calgary é, ao mesmo tempo, dura de se enfrentar e capaz de mover o disco e se juntar ao ataque, mesmo que o maior exponente da posição, Dion Phaneuf, faça a pior temporada de sua curta carreira. As reclamações sobre a sua produção ofensiva (apenas quatro gols) e defensiva (saldo de -9) derrubaram o status de intocável que Phaneuf ostentava em relação às críticas da imprensa e dos torcedores. Líder em tempo de gelo na liga, com 27:41 jogados por noite, Phaneuf nem mesmo foi convocado para o Jogo das Estrelas.

Os atacantes do time são rápidos, talentosos e muito agressivos. Ninguém pode intimidá-los na NHL, como comprovam as 38 brigas em que eles se envolveram. As aquisições de Michael Cammalleri, Rene Bourque e Curtis Glencross fizeram muito bem aos Flames, ampliando sua profundidade e poderio ofensivo. É possível que ao fim de abril todos os três jogadores tenham feito a melhor temporada de suas carreiras. Cammalleri, inclusive, lidera o time com 20 gols. Até o que restou de Todd Bertuzzi tem tido boas atuações, com 31 pontos em 40 jogos.

Um par de vitórias sobre os Sharks na primeira quinzena de janeiro comprova que o Calgary pode competir em igualdade contra o melhor time da liga. Foram os Flames os responsáveis por encerrar a invencibilidade de 11 meses dos Sharks em San Jose. Para Kiiprusoff, aquela foi apenas mais uma vitória.

"Eles te dão apenas dois pontos," disse o frio goleiro, "não importa quem você venceu."

Apesar da frieza de Kiiprusoff, é inegável que o resultado no "Tanque dos Tubarões" consagrou a maior vitória dos Flames na temporada. Aquela que, negativamente, pode fazer o time pensar que é melhor do que realmente é.

Talvez esse sentimento explique as duas derrotas que se seguiram após o grande triunfo. Contra o Phoenix Coyotes, dois dias depois, a primeira linha de ataque, formada por Cammalleri, Matthew Lombardi e Jarome Iginla, carregou o piano, marcando os três gols do time, mas nem a defesa, nem Kiiprusoff impediram uma das raras vitórias dos Coyotes na estrada. No dia seguinte, em Denver, os Flames pararam nas luvas de Peter Budaj, com o goleiro reserva Curtis McElhinney se esforçando para manter o time no jogo e para vencer pela primeira vez em sua carreira. Seu time, no entanto, atacou muito e defendeu pouco, sofrendo seis gols do Colorado Avalanche.

No dia da posse oficial de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos da América, a edição do jornal Globe Sports trouxe estampada na capa da seção de esportes a foto de Iginla, capitão dos Flames, ao lado da foto de Obama, e perguntou: "Separados no nascimento? O capitão do Calgay Flames tem muito em comum com o novo comandante-em-chefe dos Estados Unidos, incluindo habilidades de liderança, respeito e nunca recuar de uma briga."

O paralelo na vida pessoal de Iginla e Obama é impressionante. Ambos são resultado de um casamento interracial, entre um pai negro, africano, e uma mãe branca, norte-americana. Os respectivos casamentos sucumbiram cedo, quando eles ainda eram bebês, então ambos foram criados com grande participação dos avós em sua educação. Eles foram bons atletas, um no hóquei e outro na bola-ao-cesto, e desde cedo reconhecidos por suas habilidades naturais de liderança. Nenhum deles fugiu da briga, seja contra adversários no gelo ou na campanha eleitoral.

O pai de Iginla, Adekunle, emigrou da Nigéria para o Canadá nos anos 1970, mudou seu nome para Elvis e se casou com a americana Susan Schuchard, que havia se mudado para o Canadá com seus pais. Dois anos depois do nascimento de Jarome em Edmonton, seus pais se divorciaram, mas permaneceram amigos.

Histórias de vida muito semelhantes.

"É estranho como seus antecedentes são muito similares," declarou Craig Conroy, companheiro de Iginla. "Quanto mais você conhece e observa, mais semelhanças encontra."

Discursos parecidos. Durante sua campanha, Obama falou frequentemente sobre como os seus valores foram construídos, principalmente em virtude de sua criação.

"Meus pais se divorciaram," contou Iginla. "Eu ia muito à casa dos meus avós, porque minha mãe trabalhava e era pra lá que eu ia depois da escola — e eu não mudaria nada se pudesse. Eu sou muito próximo dos meus avós e dos meus pais".

Iginla sempre foi o "negro jogador de hóquei" desde que começou a praticar o esporte, aos sete anos de idade. Mais de vinte anos depois, ele é o capitão e maior pontuador de um dos melhores times da liga. E contra quem disser que ele é o melhor jogador canadense em atividade há poucos argumentos.

Durante a posse oficial de Obama, todas as televisões do Pengrowth Saddledome, a casa dos Flames, estavam ligadas em Washington. De uma sala a outra, Obama estava em todos os lugares. O primeiro presidente afro-americano, provavelmente o homem mais poderoso do mundo, aquele que prometeu a mudança.

Em Calgary, o homem mais poderoso do mundo também tem descendência africana, é persistente e um líder nato, mas joga hóquei. Seu nome é Iginla. E com ele os Flames podem.

Humberto Fernandes ainda não se adaptou ao "monstrinho da reforma ortográfica" — uma bela definição dada por Juca Kfouri.
AP
Jarome Iginla, um jogador completo, que nunca recua de uma briga.
(17/01/2009)
Reprodução
A capa da seção de esportes do Globe Sports de terça-feira, dia da posse de Barack Obama.
(20/01/2009)
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Página publicada em 21 de janeiro de 2009.