Por: Guilherme Calciolari

Uma das melhores séries de playoff da história da NHL, e eu estou do lado perdedor.

Quem sabe este artigo não se encaixe no padrão TheSlot.com.br de imparcialidade, mas em algum momento vou ter que escrever sobre isso, e apenas escreverei uma vez, pois nenhuma derrota me abalou tanto quanto esta (quem sabe em 2006, pois Steve Yzerman não merecia sair do gelo sem a Copa).

Antes do Jogo 4, quando os placares apertados das primeiras três partidas não refletiam a diferença de intensidade entre San Jose e Detroit, algo me passou pela cabeça: nada, absolutamente nada é pior que estar perdendo uma série por 3-0. Alguns diriam que, logicamente, estar perdendo por 4-0 é pior, mas o placar com três jogos de diferença antecipa este sofrimento. Pior, o torcedor se divide entre criticar o time e rezar para qualquer entidade que possa reverter o placar, não querendo abandonar sua equipe, e ainda por cima se sente culpado quando o resultado é exatamente o mais previsível.

Numa comparação boba, estar perdendo por 3-0 é como estar apaixonado, aos 15 ou 16 anos, por uma garota que já namora o bonitão da escola, se declarar, e ouvir como resposta algo como "se não fosse o [namorado maldito], eu seria muito feliz com você". Você sabe que não há jeito nenhum daquela relação acabar, tenta esquecer, mas um último fio de esperança te mantém acordado, e você se agarra àquele fio, muitas vezes perdendo oportunidades que nunca voltarão.

Isso não mudou no Jogo 4. Os Red Wings dominaram o primeiro período, abrindo 3-1 no placar. Mas assim como durante toda a temporada, a equipe recuou, deixou os Sharks crescerem, jogando sem ousadia, com medo de errar, sem perceber que o grande erro era a falta de ousadia. Tão previsível quanto a varrida na série, o empate veio no início do terceiro período. Tão imprevisível quanto uma virada na série, faltando um minuto e meio para o fim do jogo, o homem que alguns chamam de Deus deu motivos para o nome. Gol de Darren Helm, vitória no Jogo 4, ainda que esta não significasse nada.

Temporada passada, em outra série mais apertada do que o resultado aparenta, San Jose venceu os três primeiros jogos, se deixou levar num Jogo 4 insignificante, e fechou a série em casa. No segundo intervalo do Jogo 5 deste ano o destina parecia o mesmo, com o placar 3-1 a favor do time da casa. De todos os heróis possíveis e imagináveis, o primeiro gol de Detroit veio do último da lista, o defensor Jonathan Ericsson. Dan Cleary empatou o jogo, e Tomas Holmstrom virou a partida. Para garantir que a história não se repetisse, Jimmy Howard defendeu os próximos 11 chutes que viu, num total de 39 defesas no jogo. À sua frente, no terceiro período, uma defesa comprometida como não se via há algumas temporadas. Vitória roubada, nada merecida, e vamos ao improvável Jogo 6.

Numa série normal, com o time da casa fazendo valer seus mandos, o Jogo 6 é, para o pior classificado, matar ou morrer. De um abismo esportivo, Detroit alcançou o status de uma série "normal". Com as costas na parede e com uma torcida estranhamente barulhenta, os Red Wings dominaram o que foi provavelmente o melhor jogo transmitido pela ESPN na nova fase da NHL no canal. Mas numa série como esta, que já era a única da história da liga onde os cinco primeiros jogos foram decididos por um gol, é óbvio que o domínio não se traduziria no placar.

Quem sabe pela quinta vez no ano, Detroit jogou como Detroit joga há quinze temporadas. Domínio do disco, passes certeiros, paciência até chutar, pegar rebote, devolver para Nicklas Lidstrom, recomeçar tudo até conseguir um gol, passando por combates nas bordas e defensores segurando o disco na zona ofensiva. Mas assim como acontece com Detroit há quinze temporadas, um goleiro quente transformou o que era para ser um massacre em um jogo emocionante, 42 defesas de Antti Niemi para os Sharks. E como também é comum na Cidade do Hóquei, o goleiro Red Wing fez poucas mas ótimas defesas, até um chute despretensioso dar a vantagem ao adversário. Os jogadores do Detroit decidiram que seria injusto Howard ser culpado pela derrota depois de ser obrigado a ganhar tantos jogos ao longo do ano, e Detroit conquistou a vitória no coração, coisa que muita gente duvidava que existia por trás das camisas vermelhas com uma Roda Alada à frente. Henrik Zetterberg, Valtteri Filppula, e Helm com a rede vazia. Nunca o tema não-oficial dos Red Wings, Don't Stop Believin' (do Journey) fez tanto sentido.

O clima estava pronto para o Jogo 7, em San Jose. Os Sharks, conhecidos por fraquejar em momentos importantes, poderiam se tornar o quarto time a desperdiçar uma vantagem de 3-0 em toda a história da liga. Do outro lado, os Red Wings haviam descoberto uma faceta de sofrimento e desespero em seu jogo que, aliada à confiança que apenas se adquire ao chegar à 20ª pós-temporada seguida pode dar, podia ser o fator decisivo.

Entre as torcidas, a confiança do lado vermelho era maior. O buraco pré-Jogo 4 era a certeza do fracasso alimentada por uma esperança irracional, o sentimento pré-Jogo 7 era de quem estava certo que a história seria feita naquela noite. Voltando à comparação da garota na escola, chegar vivo àquela quinta-feira era como descobrir que sua amada agora estava solteira, e só que você ouve é o eco de sua voz lhe dizendo que seria muito feliz ao seu lado.

Duas horas depois, parecia que você havia ido a um shopping comprar uma camisa bonita para se encontrar com a moça, e ao passar pela praça de alimentação a viu beijando seu melhor amigo.

Os Red Wings repetiram os erros que foram tão comuns entre dezembro e março, e foram para o primeiro intervalo atrás 2-0 no placar. Para quem recuperou três jogos, recuperar dois gols não parecia tão difícil, mas a diferença se provou muito grande para superar. O segundo período foi dominado por Detroit, mas com apenas um gol marcado. Pior, duas lesões diminuíram a capacidade combativa da equipe, com Todd Bertuzzi e Cleary saindo do jogo com concussões (o segundo ao ser atingido pelo companheiro Jiri Hudler). Já sem Johan Franzén na escalação, sobrou aos Red Wings os pequenos jogadores, que não conseguiram reverter o resultado, principalmente após Niklas Kronwall e Brian Rafalski errarem a cobertura defensiva e permitirem o terceiro gol de San Jose. Detroit ainda marcou um gol, mas o relógio zerou antes que o empate viesse.

O Jogo 7 terminou decidido por um gol, assim como todos os outros da série (descontando o gol com rede vazia). Foi a primeira vez que isso aconteceu na NHL. San Jose Sharks avançou para enfrentar os Canucks na final de conferência, e aos Red Wings sobraram quatro meses de descanso e planejamento. O time de Michigan não era eliminado pelo mesmo adversário em anos seguidos desde 1998-1999, quando perdeu para o Colorado Avalanche, e muitos imaginam que o objetivo destas férias será montar um time capaz de bater os tubarões da Califórnia. Mas se existem dois times equivalentes na liga, são esses.

Antes da série, muito previam sete jogos. Uma semana depois, muito se surpreenderam por chegar ao sétimo jogo. E depois da melhor série dos últimos anos, muitos se perguntam se tinha mesmo que parar em sete.

Guilherme Calciolari agradece a Ari Aguiar, Thiago Simões, Diogo Novais e à equipe da ESPN, onde assistiu ao Jogo 7 desta série.

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Página publicada em 16 de maio de 2011.