Edição n.º 50 | Editorial | Colunas | Jogo da semana | Notas | Fotos
 
13 de junho de 2003
O sonho que se esvaiu

Por Marcelo Constantino

Sem essa de que o Anaheim Mighty Ducks é um time vitorioso por ter chegado aonde chegou. Não é. Isso é consolo. A coroação, por mais espetacular que tenham sido os playoffs deste time -- e como foram! -- era título da Stanley Cup. Infelizmente, toda a beleza da trajetória deste time irá se apagar com o tempo. Os títulos sempre se solidificam na história, os vices raramente.

Os Mighty Ducks devem sair orgulhosos desta temporada? Sem qualquer sombra de dúvida. Mesmo derrotados, eles chegaram onde ninguém, absolutamente ninguém, jamais imaginaria. "Anaheim Mighty Ducks, finais da Stanley Cup? Só em filme da Disney", é o que qualquer um diria antes dos playoffs deste ano.

Os Ducks não podem é sair conformados. O título era o grande gol, o grande fecho, a chegada ao paraíso, a transformação de uma história de filme de Hollywood em realidade.

Por que eles deveriam dar-se por satisfeitos por terem chegado ao jogo 7 contra os favoritíssimos Devils? Isso depois de uma campanha memorável em que bateram o campeão Detroit Red Wings, segundo colocado na conferência, por histriônicos 4-0, Dallas Stars, primeiro colocado na conferência, por 4-2 e o surpreendente Minnesota Wild, por 4-0. Sim, é um conjunto de fatores que deixaria qualquer azarão orgulhosíssimo. E deve deixar mesmo. Mas agora é tudo consolação para um time que perdeu a final.

Triste final, apesar de tudo. Triste porque todos acreditavam que era possível chegar lá. Todos. Não era como outros azarões do passado que fizeram apenas figuração nas finais. O Anaheim podia ser campeão, chegou ao jogo 7. Não era só esperança, havia sobretudo confiança. E sonho. Um sonho inesperado que estava logo ali adiante.

Para mim, a mais definitiva imagem da tristeza da derrota estava na cara de Jean-Sébastien Giguere após o jogo. Estacionado em seu gol, Giguere chorava. Não havia ombro que o amparasse, não havia Troféu Conn Smythe que o amparasse. Era o final lacrimejante do filme.

O goleiro-sensação desses playoffs fez uma pós-temporada absurdamente fenomenal até as finais, quando sucumbiu à experiência daquele que é o melhor goleiro da atualidade, Martin Brodeur. Nitidamente nervoso, Giguere deu vários rebotes na série, e uma considerável parte deles veio parar dentro do seu gol. Brodeur obteve três shutouts nas finais. E daí? O Conn Smythe já era de Giguere de qualquer forma, antes mesmo das finais começarem. O impressionante conjunto da obra já havia selado.

Muito embora Jiggy afirme, evidentemente, que trocaria quantos Conn Smythes fossem por uma Stanley Cup, a justiça foi feita. Ao longo dos playoffs absolutamente nenhum jogador foi mais importante para o próprio time do que Giguere, que foi o quinto jogador na história a receber o troféu estando no time que foi derrotado.

Foi provavelmente a última chance de dois grandes jogadores de hóquei: Adam Oates e Steve Thomas. Oates fez o discurso do clichê óbvio: "Claro que ficamos um pouco amargos, chegamos muito perto. Mas acho que temos de sair de cabeça erguida porque chegamos ao jogo 7 e você precisa fazer muita coisa pra chegar até aqui. Este time conquistou muita coisa."

Uma nova temporada desse tipo é possível, porém improvável. É como o chavão do raio caindo duas vezes no mesmo lugar. Até pode cair, mas vai acreditar... Não é que o Anaheim tenha saído desacreditado para os playoffs. Desacreditados saem times que deveriam ser favoritos a brigar pelo título, mas que não parecem que vão chegar longe. O Anaheim parecia almejar apenas uma boa primeira fase, quem sabe surpreender os temidos Red Wings. Ou seja, não era nada, seria um sparring para verdadeiros concorrentes à Stanley Cup pelo Oeste.

Veio a surpresa para cima dos Wings e veio a confirmação do inacreditável para cima dos Stars. A final de conferência, a mais improvável possível, foi contra o Wild, time que eliminou outros dois favoritos, Colorado e Vancouver, ambos em sete jogos e ambos saindo de um déficit de 1-3 na série. Poderia então a Surpresa II, o Minnesota, balançar os Ducks? O escambau. Estraçalhadores 4-0 na série, com direito a permissão de apenas um gol para o Wild. Memorável é pouco para qualificar a campanha dos Ducks nos playoffs do Oeste este ano.

Vieram os longos dez dias de "folga" e as finais. Os dois primeiros jogos, enfadonhos, facilmente vencidos pelos Devils. Os dois seguintes, mais empolgantes, vencidos na prorrogação pelos Ducks. E os dois seguintes, jogados de forma aberta como nenhum outro da série, com chuva de gols e uma vitória para cada lado. E veio o jogo 7. Muito aquém da expectativa naturalmente criada em torno de um jogo 7, é verdade. E muito semelhante aos dois primeiros jogos da série, inclusive com placar idêntico.

Foi a primeira vez que vi uma boa quantidade de analistas apostando no azarão das finais. Aqui na Slot os que apostaram nos Ducks foram maioria, por exemplo. Isso não aconteceu quando outros patinhos feios chegaram às finais, como Florida Panthers (1996), Buffalo Sabres (1999), Carolina Hurricanes (2002) e, creio, os próprios Devils em 1995. Não sei se podemos considerar o Washington Capitals de 1998 um azarão, mas encaixa-se no mesmo caso.

De alguma forma o time conseguiu angariar simpatia e sobretudo respeito ao redor da liga. Foi uma belíssima campanha.

Agora de nada adianta buscar saber o que faltou ao time no jogo 7. De nada adianta chorar o leite derramado por não ter vencido o jogo 5, paradoxalmente o que os Ducks estiveram mais próximos de vencer, dentre os que perderam. "Nós nunca iremos superar isso", define Marc Chouinard. "Mesmo quando formos avôs, vamos lembrar disso".

A emblemática frase do técnico Mike Babcock, logo após a varrida sobre os Wings -- "Os deuses do hóquei recompensam aqueles que trabalham mais duro" -- ainda perdura na minha cabeça. E é certo que os Ducks trabalharam duro até o fim.

Era um sonho (quase) impossível, daqueles que você só verá mesmo em filmes inverossímeis de Hollywood. Mas quase se tornou realidade.

Marcelo Constantino já teve um sonho (quase) impossível transformado em realidade: assistiu a um show do Led Zeppelin no Rio de Janeiro. O nome era Jimmy Page & Robert Plant, mas o som foi puro Led Zeppelin.
 
  O RETRATO DA TRISTEZA Jean-Sébastien Giguere observa a comemoração dos jogadores do New Jersey Devils, que acabavam de conquistar mais uma Stanley Cup depois da vitória por 3-0 sobre os Ducks no jogo 7 (Bill Kostroun/AP - 09/06/2003)
   
 
  CONSOLO PARA O INCONSOLÁVEL Giguere teve seu trabalho recompensado com o Troféu Conn Smythe, mas não conseguiu demonstrar qualquer emoção pela conquista. "Eu queria o outro troféu", afirmou (Gary Hershorn/Reuters - 09/06/2003)

 

 

Edição atual | Edições anteriores | Sobre The Slot BR | Contato | Envie esta matéria para um amigo
© 2002-03 The Slot BR. Todos os direitos reservados.
É permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 12 de junho de 2003.