Estrategicamente deixei para assistir ao clássico entre Toronto Maple Leafs e Montreal Canadiens neste último domingo. Poderia fazê-lo antes, mas domingo era o dia em que milhões de brasileiros se colocariam frente a TV para acompanhar o desfecho do Campeonato Brasileiro de Futebol. Não os culpo. A maioria trabalha duro a semana inteira e merece estes momentos de descontração. Mas essa não seria uma recompensa digna para a minha sempre conturbada semana de trabalho. Por isso, no mesmo horário em que rolou a bola pelos gramados do país, peguei a primeira de muitas Itaipavas bem geladas e apertei o play para o "Hockey Night In Canadá".

A transmissão da CBC é um espetáculo à parte. Não só pelos belos ângulos, mas pelo lado informativo. Já no início aparece na tela as formações das linhas, coisa que a ESPN não fazia. Destaque para as mudanças nos Leafs: Jason Allison foi parar na quarta linha, com o russo Antropov e o ucraniano Ponikarovsky; Sundin centrou os jovens Steen e Wellwood na primeira linha e Lindros centrou Kilger e O'Neill na Segunda. Já os Habs seguiam sem Alexei Kovalev. Com isso, Alexander Perezhogin continua atuando ao lado de Saku Koivu e Richard Zednik.

E com pouquíssimo tempo de jogo, Perezhogin cometeu um erro típico de novato: encostou o taco no matreiro defensor Brian McCabe, que desabou mais rápido que a torre sul do WTC. Durante a vantagem numérica, Alexander Steen perdeu duas ótimas oportunidades — uma delas com Théodore já completamente fora do lance.

Se o gol dos locais não saiu nestas duas chances de Steen, ele veio com Allison, assim que os Habs voltaram a ter cinco patinadores na linha. Théodore não conseguiu manter o disco após uma tacada não lá muito forte, mas que encontrou muita gente na frente, dando rebote que não foi desperdiçado pelo ex-Bruins e Kings.

Após o gol dos Leafs pensei que a partida pegaria fogo e os Habs partiriam pra cima. Puro engano. Por um momento parecia mais um jogo sem transcendência do que um clássico que reúne as duas equipes mais populares do Canadá. Surpreendentemente, apenas Zednik distribuía trancos fortes. O mais "sem sangue" era Bonk, que parecia numa dessas práticas matinais, errando passes fáceis e patinando distraídamente pelo gelo do Air Canada Centre.

O momento mais espetacular do primeiro período foi protagonizado por mim, quando vi que estava sincronizado com a transmissão da emissora canadense: apareceu na tela o logo da Coors Light no exato momento em que eu abria mais uma lata de Itaipava — ok, não é a mesma coisa, mas pelos menos não é uma Schincariol. Em seguida o defensor suíço Mark Streit fez uma dessas penalidades necessárias, quando Tie Domi preparava uma tacada frontal à meta dos Canadiens. Desnecessário dizer que Domi deu aquela valorizada. Terceira oportunidade de vantagem numérica para os Leafs no período mas, assim como as duas anteriores, não deu em nada para a equipe de Ontário.

Quando Montreal tentava manter o disco próximo a meta de Belfour, Rivet cometeu um erro que pegou a equipe desprevenida, e quatro jogadores dos Leafs iniciaram o contra-ataque. Na confusão que se seguiu, Chad Kilger marcou seu 4º gol na temporada, colocando no placar 2-0 Leafs. Outro gol que poderia ter sido evitado por Théodore.

A bronca deve ter sido boa no intervalo, pois os Habs voltaram com mais garra, com mais desejo e Théodore mais aceso. Com isso forçaram a primeira penalidade — apitada — contra os Leafs na partida, cortesia de Wellwood. Muita pressão nos dois minutos de vantagem numérica, onde os Canadiens fizeram mais do que nos 20 minutos iniciais de jogo. Mas ela não terminou em gol e assim que Wellwood saiu do banco de penalidades fez a jogada mais bela dos Leafs na partida: recuperou o disco ainda na área defensiva e costurou dois atletas de Montreal, até ser parado por Théodore.

Stefan Kronwall viveu seu drama quando, ao impedir que Markov chegasse em condições de completar uma jogada de Michael Ryder, se embolou com o defensor russo e teve que ser auxiliado para sair do gelo, deixando o time com cinco defensores no restante da partida. Os comandados de Pat Quinn não se abalaram e tiveram quatro chances de marcar num mesmo ataque. Théodore, por alguns minutos, voltou a ser Théodore e evitou nas quatro vezes o gol adversário.

Se Théodore salvava, Belfour resolveu entregar. Tacada de um ângulo muito desfavorável para Mike Ribeiro, que marcou após hiato de treze jogos. Os Canadiens passaram a buscar o gol de empate de maneira bem ordenada. Isto refletiu na torcida local, que ficou bem quieta. Eles — reconhecidamente uma das torcidas mais radicais da NHL — até soltaram um óóóó de admiração após Perezhogin humilhar Aki Berg — o que nem é tão complicado assim — em um lance. O casaqui continuou a incomodar a defesa de Toronto até que desviou uma tacada de Andrei Markov para empatar o jogo. Os Canadiens estavam, definitivamente, no jogo.

Markov ainda poderia ter virado o jogo logo a seguir, mas perdeu um gol que só Esa Tikkanen perderia, com a meta completamente aberta. A partir desse lance passei a ver um verdadeiro clássico, com trancos e lances lá e cá. Domi e suas artimanhas, Ryder e Steen travando um duelo particular... enfim, tudo o que um Montreal-Toronto pode oferecer. A arbitragem deu de presente uma vantagem numérica no final do período para os Leafs quando O’Neill desabou com o simples bafo na nuca desferido por Steve Begin.

Durante a vantagem numérica dos Leafs um lance realmente bizarro aconteceu, quando Radek Bonk patinava sem marcação na linha central e se embaralhou sozinho com o disco. Em seguida o diretor de imagem cortou para a cabine onde estava o gerente-geral dos Habs, Bob Gainey, que escrevia algo — pela feição deveria ser "na primeira chance que eu tiver, mando Bonk embora, mesmo que seja por uma saquinho de bolachas Mabel". Para piorar, quando a vantagem numérica se dissipava, os Leafs marcaram o gol que os colocavam à frente no placar novamente. Um passe de Sundin, que encontrou O’Neill no caminho. Dandenault não fez o que deveria e facilitou o trabalho de O’Neill no lance. A assistência do sueco foi o seu ponto n.º 1100 na carreira. Leafs 3-2.

Poucos segundos depois, outro penalidade dos Habs. Zednik foi ingênuo ao revidar o jogo sujo de Domi nas fuças da arbitragem e foi castigado. O que tivemos a seguir foi a defesa do jogo, protagonizada por Théodore após tacada quase certeira de Kaberle, quando a torcida já comemorava o gol.

Os dez minutos finais do último período deveriam ser mostrados para todos aqueles que criticam a "nova" NHL. A torcida ficou de pé em boa parte do tempo. Num intervalo durante a transmissão a CBC mostrou imagens dos vestiários em Phoenix, onde jogariam Coyotes e Canucks. Os atletas da equipe de Vancouver jogavam futebol pra descontrair, e pelo pouco que vi, Naslund pode muito bem jogar em qualquer time do Rio de Janeiro, em especial em um time pipoqueiro...

Voltando ao jogo. Montreal mais uma vez mostrou que é mesmo um time que gosta de emoções fortes nos finais das partidas. Plekanec roubou o disco de Allison, passou para Ryder, que devolveu para o tcheco marcar um belo gol e empatar o jogo. Nos segundos finais, uma pressão enorme dos Leafs, que pareciam contagiados pelo "GO LEAFS GO" que vinha da arquibancada. Mas aí entrou a arbitragem em cena. Primeiro ignorou uma penalidade sobre Saku Koivu e depois enxergou demais e mandou Rivet para o banco de castigo por supostamente dar uma rasteira em Antropov.

Então Montreal começou o tempo extra com um homem a menos no gelo. Kaberle e McCabe tentaram encontrar uma brecha para uma tacada de longa distância, até descobrirem que a melhor estratégia era se aproximar mais de Théodore. Enviaram o disco para Sundin, que tentou tabelar com O’Neill; o passe foi cortado por um defensor dos Habs, mas voltou na medida para o sueco marcar o gol da vitória. Carnaval na torcida dos Leafs e muita revolta com a arbitragem por parte dos jogadores de Montreal. O treinador Claude Julien bateu o recorde de "fucks" pronunciados em um intervalo inferior a um minuto em uma "conversa" com os árbitros. Markov também demonstrou toda sua ira, mas isso de nada adiantou.

Dos últimos 13 clássicos entre estas duas equipes, Toronto venceu dez. Théodore também manteve o péssimo hábito de ir mal contra os rivais: onze derrotas e apenas quatro vitórias do goleiro em toda sua carreira contra os Leafs. Apesar da arbitragem podre, foi muito agradável “viver” esse clássico numa tarde de domingo.


Eduardo Costa manda um abraço especial a dois amigos que aniversariaram esta semana: Humberto Fernandes e LF Pedone. E agradece ao editor-chefe, Alexandre, pelas músicas do show paulistano do Pearl Jam.
OLHA AÍ, EDÍLSON! Repare no braço e no taco do defensor Ken Klee, do Toronto Maple Leafs, neste lance contra Richard Zednik, do Montreal Canadiens, durante o primeiro período do jogo. Arbitragem caseira não é privilégio apenas do futebol brasileiro (Nathan Denette/AP)
Edição atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-05 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 7 de dezembro de 2005.