Por Jean Lefebvre

É inacreditável, mas já se passaram 30 anos desde a titânica batalha que alguns consideram o maior jogo já disputado na história.

31 de dezembro de 1975, no Montreal Forum. O Exército Vermelho So-viético (CSKA) contra o Montreal Canadiens. A "Grande Máquina Ver-melha" contra os "Franceses Voadores".

Mesmo se alguém relutar em aplicar a tarja de "melhor de todos os tempos" àquela noite de hóquei, o histórico encontro no mínimo é o amistoso mais lembrado e o empate mais famoso do esporte no gelo.

"O jogo traz de volta grandes memórias, mesmo tendo ocorrido 30 anos atrás", diz Mario Tremblay, então um feroz ponta dos Habs. "As pesso-as ainda falam sobre aquele jogo com muita emoção. Certamente foi um grande jogo naquele tempo. Definitivamente, o hóquei mudou hoje, mas não há dúvida de que aquele foi o jogo mais emocionante entre os mais emocionantes de que tive a oportunidade de jogar."

"Como eu explicaria?", pergunta Doug Risebrough, companheiro de linha de Tremblay. "Você não percebe isso na hora, mas é legal que, ao lon-go de uma carreira, as pessoas peguem um jogo como aquele e lem-brem-se dele 30 anos depois. Lembrem-se de como foi espetacular pa-ra elas. É legal ver que as pessoas continuam a lembrar você disso."

O embate foi parte de uma série envolvendo o Exército Vermelho, o Asas Soviéticas e oito clubes da NHL, mas o jogo em Montreal foi cir-culado com caneta vermelha no calendário — ou em canetas vermelha, azul e branca, se você preferir.

"Acho que os Canadiens tinham umas 20 Copas naquela época", desta-ca Risebrough. "E o CSKA tinha uns 20 campeonatos nacionais. Foi anunciado como dois grandes times que teriam a chance de se enfren-tar."

Os respectivos elencos estavam lotados de estrelas — Lafleur, Robinson, Cournoyer, Mahovlich e Dryden de um lado; Mikhailov, Kharlamov, Petrov, Maltsev e Tretiak do outro.

O ponta Steve Shutt, hoje membro do Hall da Fama, lembrou-se com orgulho daquela noite em um artigo que escreveu para a revista Hockey Digest.

O CSKA estava vindo ao Forum para esse 'amistoso'", escreveu Shutt, "mas nós não estávamos encarando-o como um amistoso. Levamos o jogo muito a sério. Sabíamos que aquele era o melhor time da Rússia, o melhor time fora da América do Norte. Achávamos que éramos os me-lhores da América do Norte naquela época. Então, aos nossos olhos, aquele era o jogo que determinaria qual era o melhor time do mundo. Era a Série Mundial do hóquei, e o vencedor poderia dizer que era o melhor time do mundo."

Shutt prossegue: "Quando você leva isso em consideração, e inclui to-da aquela história óbvia de Ocidente contra Oriente, a rivalidade glo-bal, aquele clima de democracia contra comunismo, dá para imaginar que havia uma expectativa enorme."

"Naquele tempo", conta Tremblay, "jogar contra os soviéticos era algo crucial. A maioria dos nossos jogadores tinha participado da [série con-tra a União Soviática em 1972]: Cournoyer, Mahovlich, Savard, Dryden. Eles nos passaram aquele desejo intenso de derrotar os sovié-ticos. Serge Savard, um cara geralmente calmo no vestiário, ficava an-dando de um lado para o outro. Ele fazia o que podia para motivar os jogadores. Com Yvan Cournoyer eras a mesma coisa."

A despeito de Shutt gabar-se de que os Canadiens eram considerados o melhor que a NHL tinha a oferecer, era o Philadelphia Flyers o atual campeão em dezembro de 1975. Pouco depois da pérola no Forum, os Flyerspraticamente expulsaram o CSKA do Spectrum, com os russos deixando o gelo em protesto contra o estilo de jogo dos Broad Street Bullies.

Críticos que desprezavam a ignorância dos Flyers e a violência calcula-da ao longo do jogo citavam o confronto entre Montreal e CSKA como exemplo brilhante do que o hóquei já tinha sido... e do que ele poderia voltar a ser.

Mesmo alguns torcedores que historicamente odiavam os Canadiens secretamente ficaram felizes queando os Habs derrubaram os Flyers de seu trono ainda naquela temporada.

"O Montreal Canadiens e o CSKA reacenderam as luzes do hóquei de costa a costa na noite de quarta-feira", escreveu Tim Burke, do jornal Montreal Gazette, depois da pérola da noite de Ano Novo. "Em uma de-monstração de técnica e espírito esportivo raramente vista por aqui nos últimos tempos, os protagonistas mostraram a milhões de cana-denses que seu esporte nacional alcança status de arte quando disci-plina e disposição são tratadas como prioridade, em detrimento do caos."

Prossegue Burke: "Ao reconquistar a primazia de ser a mais importante agremiação esportiva canadense, os Candiens fizeram um favor incal-culável para a juventude da nação com sua conduta exemplar.Isso veio quando o hóquei esatava em seu nadir, cercado por sua própria avareza, violência e baixa qualidade."

"Por muito tempo", contava Savard depois do jogo, "tivemos de inserir violência no nosso jogo, lutando e batendo nos outros porque era isso que a torcida queria ver. Ou o que achávamos que a torcida queria ver. Hoje vocês viram hóquei de verdade, e a torcida gostou, não é?"

Sim, gostou. Aquele jogo tornou-se um daqueles eventos em que o nú-mero de pessoas que depois disse ter estado no Forum é dez vezes maior que o público total do jogo.

O simbolismo do jogo foi gigante, e o resultado, surpreendente. O clás-sico terminou em um empate por 3-3, apesar da vantagem do Montreal em chutes a gol, de 38-13.

"Eles foram completamente dominados do início ao fim", declarou o téc-nico do Montreal, Scotty Bowman, depois da sirene final, "a não ser no placar e no gol."

"[Vladislav] Tretiak estava extraordinário na frente do gol russo", lem-bra Tremblay. "E Ken [Dryden] foi mal em um ou dois gols naquele jogo."

O status de lenda de Tretiak, conquistado três anos antes, durante a série de 1972, foi cimentado naquela noite. Cheio de esperanças, o Montreal recrutou-o oito anos depois, mas não era a hora certa para as estrelas soviéticas saírem de trás da cortina de ferro.

Tretiak foi o único não-canadense a tomar parte na cerimônia de fe-chamento do Forum, em 1996, e recebeu uma das maiores ovações depois de Rocket Richard. Muitos daqueles aplaudindo de pé certamen-te estavam se lembrando do heroísmo de Tretiak 20 anos antes.

"O jogo em Montreal", lembrou Tretiak certa vez, "deixou em nós uma impressão marcante. Eu acho que era daquele jeito que o hóquei deve-ria ser jogado — rápido, duro, mas não rude, e empolgante. Cada pe-queno detalhe daquela noite fantástica em Montreal me vem à mente."

E conclui: "Eu adoraria jogar aquela partida de novo."


Jean lefebvre é colunista do jornal Calgary Herald. Texto traduzido por Alexandre Giesbrecht.
PÉROLA DE JOGO Tretiak, goleiro do CSKA, faz uma de seus 35 defesas, desta vez em cima de Cournoyer (CanWest News Service Archive — 31/12/1975)
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Página publicada em 4 de janeiro de 2006.