Por: Thiago Leal

Na edição 151 de TheSlot.com.br, escrevi sobre o fato de que ganhar o Troféu dos Presidentes não representa necessariamente um grande favoritismo na busca da Copa Stanley, onde, dos 20 campeões até a temporada passada, apenas oito chegaram à decisão da Liga e somente seis a conquistaram.

O Buffalo Sabres está vendo de perto esse favoritismo ir por água abaixo — e, ironicamente, diante daquele que todos consideram um adversário "fácil" pela fama de fraquejar em momentos decisivos: o Ottawa Senators.

Quando você ler esta matéria, a série já pode ter sido decidida. É por isso mesmo que o artigo fala sobre as duas únicas vezes na história onde o campeão do Troféu dos Presidentes foi varrido dos playoffs, e ainda um caso de acachapantes 4-1, que não chega a ser uma varrida, mas também tem seu impacto.

1988
Era um bom ano. Ayrton Senna conquistou seu primeiro título mundial, a Seleção Brasileira de futebol não trouxe o ouro de Seul, mas junto com a prata veio a certeza de que Romário era um craque, os CDs pela primeira vez nos Estados Unidos superavam os vinis em venda, Morrisey começava sua carreira solo, uma banda chamada Smashing Pumpkins formada pelo trio Billy Corgan, D'Arcy Wretzky e James Iha iniciava seu sonho de estrelas do rock em Chicago, e a maior banda independente de todos os tempos, o Fugazi, lançava seu disco de estréia. Os cinemas assistiam a Rain Man e Quero Ser Grande, e o Brasil tinha em vigor uma nova Constituição.

No gelo, as coisas também enchiam mais os olhos. As franquias canadenses lideravam a Liga com primor e nomes como Montreal Canadiens, Quebec Nordiques ou Winnipeg Jets faziam parte do grande panteão do esporte mundial.

O Calgary Flames liderou a Divisão Smythe, a Conferência Campbell e a Liga e venceu o Troféu dos Presidentes com dois pontos de vantagem sobre os Canadiens, líderes da Divisão Adams e da Conferência Wales.

À época tínhamos as semifinais de divisões, entre o primeiro e o quarto colocados e o segundo e terceiro colocados de cada divisão, para depois disputar a final de divisão, e só então dois clubes da Conferência, um de cada divisão, decidiriam quem iria à Copa Stanley. Os Flames tinham seis pontos de vantagem sobre o Edmonton Oilers, segundo lugar na Divisão Smythe.

Enquanto os Oilers encararam um duelo canadense contra o Winnipeg Jets, o Calgary foi a LA enfrentar os Kings. A diferença de potencial entre Flames-Kings e Oilers-Jets era evidente pelos números de cada equipe: 28 pontos e 79 gols de vantagem dos Flames sobre os Kings, enquanto os Oilers estavam 32 pontos e 71 gols à frente dos Jets.

Mario Lemieux dos Penguins e Wayne Gretzky dos Oilers vinham em temporada inspirada, com respectivamente 168 e 149 pontos. Mas os Flames tinham Hakan Loob e seus 106 pontos, que jogava ao lado de Al MacInnis, Lanny McDonald, Gary Suter, Tim Hunter e no gol Mike Vernon, futuro xodó dos Red Wings, além de um jovem calouro chamado Joe Nieuwendyk — que embora tenha disputado a pós-temporada anterior, ainda era muito verde na NHL. Os Kings tinham a seu dispor os 111 pontos de Luc Robitaille e os 107 pontos de Jimmy Carson (só nesses dois estavam concentrados 33% dos pontos da franquia californiana) para encarar esse time vermelho como fogo de Alberta. E os Kings tinham um grande problema: a pior defesa da Liga.

Como era de se esperar, os Flames venceram tranquilamente a série, 4-1, começando com um animador 9-2. Tudo bem que os Kings tinham Robitaille e Carson, mas quando do outro lado estão Loob, Suter e McDonald, ter a pior defesa da Liga a favor não ajuda muito.

Na mesma noite em que fecharam a série, os Flames viram seus vizinhos e rivais de Alberta derrubar os Jets também por 4-1 — as coisas não são assim tão difíceis quando se tem Gretzky e Messier.

Então teríamos na final da Divisão Smythe Calgary Flames contra Edmonton Oilers. Seria um grande confronto do Campeão do Troféu dos Presidentes contra o time de Gretzky e Messier. A Batalha de Alberta prometia ser equilibrada e os Oilers saíram na frente por 3-1, jogando em Calgary.

Talvez a série tenha sido decidida já no jogo 2, quando, após empate em 4-4 no tempo regulamentar, Gretzky definiu a partida marcando na prorrogação. Esse era o homem que fazia a diferença que Suter não conseguia fazer. Os Flames iriam para Edmonton perdendo por 2-0. E voltaram de lá da mesma forma, além de eliminados. O Calgary perdeu as duas partidas em Edmonton e foi varrido pelos futuros campeões daquela Copa Stanley. Era a terceira edição do Troféu dos Presidentes. Os Oilers ganharam as duas primeiras e, desta vez, varreram os campeões. Era também a primeira vez que o raro fato acontecia.

1990
A Seleção Brasileira de futebol fez feio na Copa do Mundo da Itália, o Corinthians pela primeira vez deixava de ser amarelão na vida e conquistava o Campeonato Brasileiro, o filme de gosto duvidoso Dança com Lobos virava um clássico e Ghost fazia as mocinhas e os homens inseguros chorarem enquanto o verdadeiro clássico do ano, Esqueceram de Mim, só fazia sucesso entre as crianças.

A NHL assistiria naquele ano à conclusão da temporada com a última página de uma bela dinastia sendo escrita. O Edmonton Oilers, já sem Gretzky, mas ainda com Messier, ganhava pela última vez a Copa Stanley. Para isso, foi necessário passar por cima do campeão do Troféu dos Presidentes, Boston Bruins.

Os ursos da Nova Inglaterra tinham o primoroso defensor Ray Bourque segurando a barra lá atrás e o elenco era composto por Cam Neely, Gord Kluzak e dois bons goleiros, Andy Moog e Rejean Lemelin. Venceram o Troféu dos Presidentes com dois pontos de vantagem sobre o Calgary Flames.

Um detalhe é... com exceção do Pittsburgh, as franquias da Conferência Wales não eram tão ofensivas quanto as da Campbell.

O primeiro desafio que os Bruins teriam pela frente é o Hartford Whalers. Como era de se esperar de uma franquia com Ron Francis, os Whalers não entregaram o jogo fácil e resistiram aos sete jogos diante dos campeões do Troféu dos Presidentes. O máximo de vantagem de gols que qualquer uma das franquias conseguiu abrir num jogo da série foi de dois (o que ocorreu apenas em três jogos, o segundo, com Boston 3-1, o terceiro, com Hartford 5-3 e o sétimo, da classificação do Boston, ao vencer por 3-1). Todos os demais foram decididos por um único gol de vantagem, incluindo os emocionantes jogos 4 e 6, ambos em Hartford, com vitórias, respectivamente, de Boston por 6-5 e Hartford por 3-2 na prorrogação. Os Bruins seguiram em frente.

Para a final de divisão, os Bruins enfrentaram os Canadiens e não tiveram muita dificuldade de despachar por 4-1 a então franquia de Patrick Roy. Em seguida, os Bruins foram para a final da Conferência Wales, onde varreram o Washington Capitals, enquanto do outro lado o Edmonton passava com 4-2 por cima do Chicago Blackhawks numa série com muitos gols marcados.

A final da Copa Stanley colocaria de um lado o Boston Bruins e seu Troféu dos Presidentes e do outro o Edmonton Oilers puxado por Mark Messier.

Talvez os Bruins pudessem ganhar o Campeonato. Mas devem ter perdido aos 15:13 da terceira prorrogação, quando o tchecoslovaco Petr Klima deu aos Oilers uma vitória por 3-2 após um sofrido jogo 1. O Boston se abateu e, ainda em casa, perdeu o jogo 2 por 7-2. Os Bruins já haviam perdido a Copa Stanley.

A vitória do Boston por 2-1 no jogo 3 apenas adiou um pouco a derrota da Copa e a levou de volta para casa, diante da torcida no jogo 5. Foi 4-1 no jogo, encerrando a série pelo mesmo placar. Craig Simpson marcou o gol vencedor da primeira e única Copa dos Oilers sem Gretzky. E a torcida de Boston continuava num jejum de títulos que envolvia os Celtics (NBA), Red Sox (MLB) e Bruins (NHL).

O vencedor do Troféu dos Presidentes não foi necessariamente varrido, mas foi igualmente humilhado.

1995
Em 1994 perdemos Ayrton Senna, Kurt Cobain e Tom Jobim, mas o Brasil conquistou a Copa do Mundo de futebol e o Campeonato Mundial Feminino de basquete. O ano de 1995 seria a ressaca de um ano movimentado, e assim vimos, na música, (What's the Story) Morning Glory do Oasis, Tragic Kingdom do No Doubt e uma luxuosa edição ao vivo do show PULSE do Pink Floyd. Quem gostava de cinema se divertia com a primeira animação em computação gráfica de longa metragem, Toy Story, mas ainda tivemos de bons filmes Seven, Apollo 13, GoldenEye (17.º filme da saga James Bond) e o sensacional Duro de Matar 3.

Na NHL as coisas já não iam assim tão bem. A 78.ª temporada da Liga teve apenas 48 jogos. Tudo por causa de um locaute que paralisou as atividades por 104 dias, de 1.º de outubro de 1994 a 11 de janeiro de 1995, totalizando 468 partidas perdidas. O motivo da paralisação foi uma questão que veio a explodir dez anos depois — o tal do teto salarial, o acordo coletivo de trabalho. A questão entre NHL e NHLPA só foi resolvida em janeiro e a temporada voltou às pressas com apenas 48 jogos por equipe e sem Jogo das Estrelas.

Era a última temporada do simpático Quebec Nordiques, que deixaria a cidade de Quebec rumo a Denver; mas quem chamava a atenção de fato era o Detroit Red Wings, dispostos a ganhar a Copa Stanley depois de 40 temporadas.

Os Wings lideraram e venceram o Troféu dos Presidentes com cinco pontos de vantagem em cima do segundo colocado, o Quebec Nordiques. O camaleão Paul Coffey estava em sua penúltima temporada pelos Red Wings, que também tinham no elenco o talento de Nicklas Lidstrom, Steve Yzerman e uns certos Sergei Fedorov, Slava Fetisov, Slava Kozlov e Vladimir Konstantinov — ou seja, The Russian Four, faltando apenas o quinto Beatle Igor Larionov para formar o maior quinteto de todos os tempos desde a Liga da Justiça original.

Passar pelos trâmites da Conferência Oeste não foi problema para o talentoso time de Detroit. As séries foram vencidas por 4-1, quartas-de-final sobre o Dallas Stars; 4-0, semifinais contra o San Jose Sharks; e 4-1, na final de conferência contra o Chicago Blackhawks.

Os Wings chegaram voando às finais da Copa Stanley contra o New Jersey Devils. O objetivo era o título que não vinha há 40 anos. Mas perderam. Feio. O quarteto russo não conseguiu passar por Martin Brodeur. Neal Broten, Claude Lemieux, Stephane Richer e John MacLean barraram fácil o projeto da Copa do Detroit. Os Devils varreram os Wings por 4-0 e conquistaram seu primeiro título com excelência numa temporada que aconteceu pela metade.

Pela segunda e última vez na história, o vencedor do Troféu dos Presidentes foi varrido na NHL.

O Buffalo Sabres enfrentou os prognósticos e evitou que o de 2007 fosse incluído nesta lista de raridades.

Thiago Leal recebeu pelo correio "In Utero", do Nirvana, lançado em 1993, que contava histórias de um homem que não se dava bem com o pai, com a esposa, com sua adolescência, juventude, sucesso, mídia, música, vida, fatalmente se achava velho e cansado, por isso se odiava e queria morrer. E morreu, um ano depois.
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O Calgary Flames, de Al McInnis, ganhou o Troféu dos Presidentes em 1988. Mas...
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... foi varrido pelo Edmonton Oilers de Wayne Gretzky, que ganharia a Copa Stanley.
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O Boston Bruins de Ray Bourque foi mais um a ganhar o Troféu dos Presidentes...
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... e cair de forma humilhante perante os Oilers, desta vez liderados por Mark Messier.
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Após ganhar o Troféu dos Presidentes, o Detroit Red Wings de Vladimir Konstantinov tinha planos de vencer a Copa Stanley...
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... até ser varrido pelo New Jersey Devils do jovem Scott Stevens, que ergueu a gloriosa Copa Stanley após uma conturbada temporada.
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O Buffalo Sabres, de Daniel Briere, escapou.
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Página publicada em 17 de maio de 2007.