Por: Roy MacGregor

Passar por uma crise de identidade quando se tem um século de idade parece estranho, mas é o que acontece com o hóquei profissional.

E não é a primeira vez.

Semana passada, em Edmonton, os Oilers optaram pela "NFL-ização" do hóquei ao organizar audições para líderes de torcida, para aumentar o interesse da torcida por um time na rabeira da classificação.

Também já ocorreu a "basquetização" do jogo, com música alta e diversões esquisitas nos intervalos, que já acontece faz tanto tempo que ninguém se lembra da última briga nas arquibancadas.

Mas nada se compara à "beisebolização" do hóquei, que já se tornou mais absurda do que torcedores vestidos de discos de hóquei se empurrando numa humilhante corrida ao redor do gelo.

Isso começou nos anos 1990, quando a NHL imaginou que receberia melhor cobertura da mídia se disponibilizasse mais estatísticas para análise. A liga desenvolveu uma ficha com 22 medidas matemáticas para cada jogador no gelo.

Alguns números são válidos, tempo no gelo, por exemplo. Outros, nem tanto.

Nem todos os faceoffs são vencidos ou perdidos. Qualquer um que já foi central sabe que, de vez em quando, você passa para um atacante que está indo para a frente, uma jogada que vai contar contra você nas estatísticas. Talvez metade dos faceoffs não tenha vencedor, mas nenhum cálculo leva isso em conta.

Discos perdidos e discos roubados são o resultado do esforço (ou a falta deste) de um companheiro, mais do que a ação de um só jogador. E a definição de tranco varia de arena para arena.

Mas talvez a estatística menos útil seja o número de chutes, que variam tanto quantos os tiros de uma AK-47 para uma pistola de chumbinho. Treinadores preferem contar as chances claras de gol, mas mesmo isso não serve, afinal a NHL está cheia de treinadores derrotados que afirmam ter tido mais chances que o adversário. Assim como praticamente todas as estatísticas de hóquei, "chances de gol" desafiam uma definição pura.

Chances de gol no entanto, são o fundamento de uma história que circulou na internet nas últimas semanas: "Primeiros números mostram que Kovalchuk não vale a pena".

É bem discutível se o New Jersey Devils ― símbolo de estratégia defensiva ― era a melhor opção para Ilya Kovalchuk jogar, mas com certeza está muito cedo para concluir que os US$ 100 milhões foram desperdiçados.

Usando uma estatística chamada CORSI (basicamente uma contagem dos chutes direcionados às duas redes enquanto o jogador está no gelo), dizem que, com apenas alguns jogos na temporada, Kovalchuk é um desastre enquanto dois outros Devils, Travis Zajac e Dainius Zubrus, são mais importantes para o time.

Isso, nós garantimos, faz o "tivemos mais chances" do treinador parecer um argumento inteligente.

Kovalchuk tem o pior CORSI do time, à frente de Jason Arnott e Jamie Langenbrunner, dois do melhores jogadores da equipe.

Claro, há outra forma de se ler esses números, quem sabe os Devils tenham começado tão mal porque seus melhores jogadores não começaram bem, e seus jogadores complementares estejam jogando como jogadores complementares.

Mas, provavelmente, é apenas uma questão de tempo até a liga adicionar essa estatística inútil às fichas de jogo, mais um número "beisebolizado" para agradar aqueles que não entendem que a melhor explicação para o esporte do gelo é a frase "tudo pode acontecer".

Não que o hóquei não aceite alguns números. Mas os que importam não são calculados no computador. Eles estão lá em cima, para todo mundo ver.

São aqueles do placar.

Roy MacGregor é colunista do The Globe and Mail. O texto original foi publicado em 30 de outubro e traduzido por Guilherme Calciolari.

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Página publicada em 7 de novembro de 2010.