Finalmente alguma coisa parecia estar dando certo para a National Hockey
League. Apesar da queda
nas médias de público e de baixos índices de audiência,
a liga rumava ao intervalo da metade da temporada em uma onda de publicidade
positiva. Pela primeira vez em, bem, talvez em todos os tempos, as pessoas
pareciam empolgadas com o Jogo
das Estrelas anual.
A grande história da edição deste ano começou
com um único torcedor — Steve Schmid, de 22 anos, do interior
do estado de Nova York. Schmid decidiu que seria legal ver um jogador
batalhador ser votado para o Jogo das Estrelas [N. do T.: Ora, nós
também! Só escolhemos outro batalhador, Dallas Drake.].
Ele escolheu Rory Fitzpatrick, do Vancouver Canucks, um jogador não
mais que ordinário, sem muito talento ou números impressionantes
— em termos do hóquei, um grinder
("moedor de carne" é uma das traduções).
A campanha "Vote
em Rory" decolou pouco depois de a votação das
estrelas começar, no fim de novembro. Órgãos
da imprensa veicularam a história algumas semanas depois,
quando jogadores do Vancouver apareceram
para a patinação matutina antes de um jogo vestindo
camisetas onde se lia "Vote em Rory". Os fãs de Rory
começaram a postar anúncios
de campanha engraçados no YouTube, e já no começo
de dezembro ele já era assunto no USA Today, no New
York Times e na Sports Illustrated.
Rory Fitzpatrick tem exatamente uma assistência nesta temporada e marcou apenas nove gols em uma década na liga. Ele ficou de fora por um mês nesta temporada, com um tornozelo quebrado, e seu nome não estava entre as estrelas aprovadas pela liga na cédula virtual de votação. Mas, com a força da campanha de Schmid, Rory rapidamente pulou para a quinta posição entre os defensores na votação.
A imprensa classificou a Rory-mania como um movimento "proletário" para mudar a liga. Mas vários partidários da liga fustigaram a campanha. No Hockey Night In Canada, da canadense CBC, Don Cherry disse que o episódio era uma piada: "Rory, se você estiver assistindo, eles não estão rindo com você, eles estão rindo de você." No Hockeycentral Panel, um comentarista chamou os eleitores de Rory de um monte de "nerds". Wayne Gretzky sugeriu que a liga interviesse a fim de salvar o Jogo das Estrelas. Barry Melrose, da ESPN, deu um ameaçador avisou de como a liga responderia: "Se tudo isso funcionar, aproveitem, porque eu acho que eles vão ter um truque na manga para que isso nunca mais aconteça."
No fim das contas, parece que os "hoqueiros" da velha guarda estavam certos. Um monte de "nerds" estava mesmo por trás da campanha "Vote em Rory". E a NHL tinha, sim, um truque na manga para sabotar o voto popular.
Os vídeos no YouTube e os cartazes de "Vote em Rory" que começaram a pipocar nos estádios da NHL atestam o apoio genuíno que os torcedores deram a Rory Fitzpatrick. Mas a campanha realmente decolou porque quem a apoiava pareceu ter descoberto como enganar o sistema.
A votação das estrelas da NHL neste ano foi conduzida
exclusivamente via votação on-line ilimitada. Qualquer
um poderia votar em qualquer jogador quantas vezes quisesse, desde que
se dispusesse a preencher a cédula inteira. No final da terceira
semana de votação, um jovem programador de Vancouver chamado
Brad Touesnard lançou o "Rory
Vote-O-Matic" — um plug-in para o navegador Firefox que
permitia aos torcedores preencher a cédula automaticamente. Milhares
de vezes por hora. Os organizadores iniciais da campanha, que se manifestavam
no site VoteForRory.com, desautorizaram o uso de robôs de votação.
Ainda assim, o Vote-O-Matic pareceu ter um impacto. Nas duas semanas
seguintes, Rory registrou impressionantes 285 mil votos por extenso
(já que seu nome não estava listado); ele disparou ao
segundo lugar na votação em 19 de dezembro — o suficiente
para garantir uma vaga no time das estrelas.
Como funcionava o Rory Vote-O-Matic? De acordo com Touesnard, a segurança on-line do site NHL.com era patética. A liga tentava combater scripts automatizados fazendo com que os eleitores decifrassem palavras embutidas em imagens distorcidas, um sistema conhecido como CAPTCHA. Mas a NHL usou apenas 51 imagens diferentes e cada uma delas com um nome previsível, tipo "1.gif". Tudo que os hackers pró-Rory tiveram de fazer foi criar uma tabela para ligar cada nome de arquivo à respectiva frase de confirmação. Touesnard fez o código do Vote-O-Matic em apenas algumas horas.
Teria sido fácil para a liga implantar um sistema mais eficiente. Um script que gerasse nomes de arquivos instantaneamente para cada imagem distorcida teria confundido o Vote-O-Matic. Ao invés disso, os programadores da NHL tentaram remendar seu sistema com gambiarras. Touesnard diz que primeiro eles inseriram um intervalo de tempo obrigatório entre votos e depois adicionaram mais frases de confirmação e renomearam os arquivos das imagens. A liga aumentou seus esforços nas últimas duas semanas — quando a votação se encerrou, os hackers pró-Rory tinham descoberto cerca de 12 mil arquivos de segurança no servidor da liga. Mas nada os parava por muito tempo; de acordo com comentários no site do Vote-O-Matic, o plug-in funcionou até o fim.
A imprensa tinha se apaixonado pela campanha pró-Rory, e ninguém pareceu se importar quando o jornal canadense Globe and Mail publicou uma matéria sobre o Vote-O-Matic em 20 de dezembro. Agora a incapacidade da liga de parar o Vote-o-Matic (e outros scripts automatizados) colocou-a em uma posição desconfortável. Em público, a gangue de Gary Bettman endossou a campanha pró-Rory. "É bom que muitas pessoas estejam se divertindo com isso", anunciou um porta-voz da liga. "Essa história comprova o respeito que temos pela paixão de nossos torcedores." Mas algo mais parecia acontecer nos bastidores. A rodada seguinte de parciais da votação trouxe uma ligeira surpresa: apesar de toda a cobertura — e todos os esforços do Vote-O-Matic —, o total de votos para Fitzpatrick despencou. Depois de receber 285 mil votos nas duas semanas anteriores, ele conseguiu apenas 58 mil na semana que se encerrou em 26 de dezembro e caiu para o terceiro lugar. Será que tinha acabado o gás da campanha "Vote em Rory"? Ou será que os manda-chuvas da NHL decidiram que era hora de chamar para si a responsabilidade?
Acredito que a evidência sugira que a NHL adulterou os resultados. Como a liga contava apenas cédulas preenchidas em sua totalidade, deveria haver um número igual de votos para as duas conferências. Mas, na semana logo após o Natal, os jogadores da Conferência Leste receberam 6% mais votos que aqueles na conferência de Fitzpatrick, a Oeste. Entre os defensores, os resultados estavam ainda mais discrepantes: o pessoal do Oeste — entre eles, Rory — teve 16% menos votos no total (essas discrepâncias foram cerca de três vezes maiores que em períodos anteriores). Blogueiros foram rápidos ao afirmar que os números eram exatamente o que se esperaria se a liga tivesse eliminado manualmente 100 mil votos para Rory. Nada foi provado, mas não sei como arrumar outra explicação razoável.
Se a liga realmente jogou votos fora, poderia tê-lo feito com mais discrição. Por exemplo, ela poderia ter eliminado os votos de todos os jogadores listados em cada uma das cédulas que traziam o nome de Rory. Isso teria reduzido os totais em uma margem igual em ambas as conferências, tornado o subterfúgio indetectável. Mas a contagem dos votos divulgada pela NHL sugere uma abordagem de punho de ferro. Os fãs de Rory ficaram furiosos.
Defensores da liga podem argumentar que votação automatizada
é contra
as regras e que Rory não merecia ganhar de qualquer jeito.
Mas por que devemos assumir que o Vote-O-Matic era o único golpe
de votação por aí? Um repentino e extremamente
suspeito aumento dos votos para jogadores do San Jose Sharks parece
ter empurrado o atacante Jonathan Cheechoo, que não merece a
honra, para
o time inicial (ele atualmente está
em 37.º entre os artilheiros de sua conferência). Roberto
Luongo, companheiro de time de Rory, que quase com certeza se
beneficiou do Vote-O-Matic, também será titular no
Jogo das Estrelas. Do jeito que o sistema de votação foi
elaborado, eu apostaria que muito mais jogadores foram beneficiados
por fraude em grande escala.
Esse tipo de coisa não é nada nova. Torcedores têm
entulhado
cédulas de votação para Jogos de Estrelas e
elegido
zé-ninguéns desde que começaram a ser convidados
a votar. Em 1957, o comissário do beisebol teve de intervir quando
torcedores do Cincinnati Reds conseguiram eleger boa
parte de seu time titular em detrimento de jogadores consagrados,
como Willie Mays e Hank Aaron. A introdução de votações
on-line tornou a trapaça ainda
mais fácil: é notória a história de
um programador de Boston que hackeou o sistema do site da Major
League Baseball para fazer com que Nomar Garciaparra ficasse à
frente de Derek Jeter em 1999. E os torcedores de hóquei de San
Jose — vale lembrar: aqueles que vivem no Vale do Silício
— têm sido notórios nas votações on-line
em
um passado recente. Mesmo a pesquisa de opinião on-line para
o Prêmio Hobey Baker — a versão do hóquei
universitário para o Troféu Heisman, dado ao MVP do futebol
americano universitário —
teve de ser zerada como resultado de scripts automatizados (a NHL
provavelmente deveria ter aprendido a lição de sua contra-parte
universitária e zerado a votação quando constatou
que havia um problema).
A despeito de tudo que aconteceu, cronistas esportivos proclamaram a finada campanha pró-Rory "boa para a liga". Afinal, a votação para o jogo aumentou em 740% comparada à do Jogo das Estrelas de 2004 (independentemente da origem desses votos). Alguns deles até chegaram a sugerir que a coisa toda foi orquestrada pelos marqueteiros virais da liga, que têm empurrado uma marca supostamente centrada nos torcedores sob o slogan "Minha NHL". Mas é difícil imaginar como algo positivo poderia sair de tal seqüência de escandalosa incompetência.
Já faz quase dois anos que um locaute quase acabou com o esporte. Agora a liga atraiu, enganou e rejeitou seus torcedores. A NHL conseguiu descer ainda mais fundo. Ela transformou o Jogo das Estrelas — um evento que supostamente serviria para dar às pessoas o que elas querem — em um repúdio aos seus torcedores mais fiéis.
Jeff Vinnick/Getty Images A campanha pró-Rory realmente pegou. E não foi só em Vancouver, como sugere a foto acima. (02/12/2006) |
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