Por: Thiago Leal

Dia 6 de junho de 2007. Pela terceira vez em três temporadas a Copa Stanley vai para uma cidade ensolarada. Anaheim é a primeira cidade da Califórnia a receber a Copa Stanley — que já fez abrigo no Texas, Flórida e Carolina do Norte.

Desde 1982 quando o Los Angeles Kings de Marcel Dionne protagonizou o Milagre de Manchester, tirando o Edmonton Oilers de Wayne Gretzky dos playoffs, uma nova página foi virada na história do hóquei no gelo. O esporte começava a deixar de ser uma exclusividade de regiões mais frias e passava a despertar o interesse das regiões mais quentes da América do Norte. Essa Los Angeles que viu o milagre acontecer e fez parte dessa pequena revolução foi também a primeira região ensolarada a receber uma franquia da NHL (os próprios Kings em 1967). E durante 15 anos viu um esporte com uma franquia que não vencia, o que conseqüentemente causava o desinteresse da torcida local.

Foram os Kings quem começaram essa mudança.

Foram os Kings quem deram continuidade a essa mudança, quando o próprio Gretzky deixou Edmonton e se aventurou para a terra do entretenimento, em 1988, como novo reforço da equipe de Los Angeles — que também deixava de lado as cores amarelo e roxo, homenagem ao Los Angeles Lakers da NBA, e passava a vestir suas cores próprias, o prata e o preto, adquirindo mais personalidade.

E os Kings, em 1993, provaram que o hóquei, sim, dá certo em lugares quentes: chegaram à final da Copa Stanley para sucumbir ante ao forte Montreal Canadiens de Patrick Roy. Já estávamos na década de 90, e a revolução que começou com os Kings nos anos 80 ganhou força: surgiram franquias de expansão na Flórida, o Tampa Bay Lightning (1992) e Florida Panthers (1993); e na própria Califórnia: San Jose Sharks (1991) e Mighty Ducks of Anaheim (1993), além de ver franquias de regiões quentes e tradicionais no esporte mudarem para cidades quentes, ao sul dos Estados Unidos. Foi o caso do Minnesota North Stars, que em 1993 virou o Dallas Stars; do Winnipeg Jets, que mudou radicalmente do sul do Canadá para a quente Phoenix, no Arizona, sul dos Estados Unidos, e virou o Phoenix Coyotes em 1996; e do Hartford Whalers, que desceu um pouco e virou o Carolina Hurricanes em 1997.

O final do século XX ainda viu o surgimento de mais duas franquias de expansão em regiões quentes: o Nashville Predators em 1998 e o Atlanta Thrashers em 1999. Em contrapartida, a década de 90, cheia de franquias de expansão, só deu uma ao Canadá: o Ottawa Senators em 1992.

A questão é... para uma empresa, como é o caso da NHL, pouco importa cidades onde no inverno os lagos congelem e as crianças brinquem de hóquei, imitando ídolos como Peter Stastny ou Bill Goldsworthy. O dinheiro acaba falando mais alto, e as regiões ensolaradas, como a Flórida, o Texas, a Califórnia, com suas indústrias de entretenimento e de petróleo, oferecem não só calor, mas dinheiro, para alimentar a Liga e novas franquias. A tradição deixa de contar a favor e o valor financeiro vira a referência.

Em 1999, seja de forma irregular ou não, uma franquia "quente" enfrentou uma franquia fria na final da Copa Stanley, como acontecera em 1993 e em 1996 (o Florida perdendo para o Colorado). Desta vez, no entanto, a franquia da região quente, o Dallas Stars, bateu aquela de um lugar frio, o Buffalo Sabres, e venceu a Copa Stanley. As franquias que outrora eram motivos de piada, como San Jose Sharks, passaram a ser vistas como equipes fortes e favoritas à conquista da Copa Stanley.

Em 2003, esta Anaheim que hoje detém a Copa, voltou a assustar: varreu surpreendentemente o Detroit Red Wings nos playoffs, e após passar também por Dallas Stars e Minnestota Wild, chegou à final da Copa Stanley. Eram os Ducks de Jean-Sébastien Giguère e Paul Kariya. Era um time azarão que dependia exclusivamente de um bom desempenho de seu goleiro. Giguère, MVP daquela pós-temporada, segurou até onde deu. O jogo truncado dos Devils foi demais para o Anaheim e os Mighty Ducks sucumbiram.

Depois do exemplo de 2004 e 2006, quando duas franquias "quentes", respectivamente Tampa Bay Lightning e Carolina Hurricanes, levantaram a Copa Stanley, está claro que, hoje em dia, pouco importa se é o Canadá, em Nova York, em Michigan ou na Flórida: as franquias nivelaram-se de uma forma que o apelo "queremos a Copa de volta para o Canadá" tem sentido apenas falando de tradição. Para constatar tal feito, basta dar uma olhada no recente desempenho de Nashville Predators e San Jose Sharks, e compará-lo com os tradicionais Toronto Maple Leafs e Montreal Canadiens.

Se neste 6 de junho a Copa Stanley aporta em Anaheim — e corre o risco de ser "bronzeada", à exemplo da brincadeira profana e de mau gosto que o Tampa Bay Lightning fez em 2004 — não é por sorte ou por um desempenho exagerado de um jogador em particular que tenha levado o time nas costas (como uns acreditam que Teemu Selanne o teria feito). Os Ducks chegaram ao título com um time de encher os olhos. Não adianta dizer que o trabalho de defesa do MVP Scott Niedermayer e de Chris Pronger fez a diferença, porque lá atrás François Beauchemin foi tão importante quanto as duas estrelas, e Richard Jackman fez sua diferença durante a pós-temporada, principalmente após as duas punições de Chris Pronger; e Selanne e Andy McDonald tiveram grande desempenho no ataque, liderando uma molecada formada por Ryan Getzlaf, Corey Perry e Dustin Penner que encantou a América na pós-temporada.

O próprio Getzlaf, assistente do primeiro ponto do primeiro gol do jogo 5, liderou o time na pós-temporada com 17 pontos, dois a mais que Selanne. O asa-direita Corey Perry assinalou 13 pontos e, como um todo, fora mais importante que, por exemplo, Rob Niedermayer, tido como um dos heróis da conquista.

O trabalho no gol fora protagonizado por Giguère, mas Ilya Bryzgalov, herói dos playoffs de 2006, foi importante sempre que Giguère não cumpriu seu papel, fosse afastado por razões pessoais ou atuando mal em alguma partida.

Não dá para esquecer também Samuel Pahlsson ou Chris Kunitz. Pahlsson foi autor do gol vencedor no terceiro período do jogo 2 dessas finais, que poderia ter um resultado desastroso caso fosse à prorrogação.

Com todo esse conjunto, os Ducks foram sempre superiores a qualquer adversário que tiveram nessa pós-temporada. Os Ducks não tiveram problema para superar o Minnesota Wild nem o Vancouver Canucks e, após uma série mais emocionante com o Detroit Red Wings, passou fácil pelo Ottawa Senators e pôde conquistar a Copa Stanley em casa, junto da apática torcida de Orange County que pôde se animar um pouco mais nesse 6 de junho.

Esses últimos seis parágrafos e toda exaltação ao Anaheim Ducks e seu elenco, para não citar o planejamento iniciado pelos donos Henry e Susan Samueli e o gerente geral Brian Burke, tiveram como fundamento espantar a antipatia que os Ducks, ou qualquer franquia "quente", possam causar. Burke e o Sr. Samueli montaram um time para vencer a Copa Stanley, não para ser uma equipe competitiva. Tudo bem, pode não ter a tradição de um Montreal Canadiens. Mas não estamos falando de azarões, e sim de times que sabem muito bem o que vão fazer quando a temporada começar.

Thiago Leal comemora o primeiro título do seu time, ao lado de sua amada namorada, ouvindo Fellini — se meus pontos não doessem mais, tudo estaria perfeito.
Fonte: AnaheimDucks.com
Scott Niedermayer ergue a Copa Stanley: California, aqui vamos nós!
(06/06/2007)
Fonte: AnaheimDucks.com
Festa em Orange County. Título planejado e conquistado.
(06/06/2007)
Fonte: AnaheimDucks.com
O jovem Ryan Getzlaf levanta sua primeira Copa: líder da linha juvenil, trio formado com Dustin Penner e Corey Perry.
(06/06/2007)
06/06/2007 00 00 00  
Ottawa 0 2 0 2
Anaheim 2 2 2 6
PRIMEIRO PERÍODO — Gols: 1. Anaheim, Andy McDonald 10 (Ryan Getzlaf, Chris Pronger), 3:41. 2. Anaheim, Rob Niedermayer 5 (Corey Perry), 17:41. Penalidades: T. Preissing, Otw (interference), 1:40; A. Volchenkov, Otw (hooking), 3:25; J. Spezza, Otw (holding the stick), 5:39; S. Pahlsson, Anh (elbowing), 10:14; C. Perry, Anh (roughing), 15:31; T. Selanne, Anh (holding), 18:10.
SEGUNDO PERÍODO — Gols: 3. Ottawa, Daniel Alfredsson 13 (Peter Schaefer, Mike Fisher), 11:27. 4. Anaheim, Travis Moen 6 (sem assistência), 15:44. 5. Ottawa, Daniel Alfredsson 14 (desvantagem numérica) (sem assistência), 17:38. 6. Anaheim, François Beauchemin 4 (vantagem numérica) (Andy McDonald), 18:28. Penalidades: C. Schubert, Otw (elbowing), 16:46.
TERCEIRO PERÍODO — Gols: 7. Anaheim, Travis Moen 7 (Scott Niedermayer, Samuel Pahlsson), 4:01. 8. Anaheim, Corey Perry 6 (sem assistência), 17:00 . Penalidades: C. Schubert, Otw (slashing), 5:48; A. Volchenkov, Otw (slashing), 12:27.
CHUTES A GOL
Ottawa 3 5 5 13
Anaheim 5 7 6 18
Vantagem numérica: OTW – 0 de 3; ANH – 2 de 6. Goleiros: Ottawa – Ray Emery (18 chutes, 12 defesas). Anaheim – Jean-Sébastien Giguere (13, 11). Público: 17.372. Árbitros: Paul Devorski, Dan O'Halloran.
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Página publicada em 8 de junho de 2007.