Por: Thiago Leal

Guardadas as devidas proporções, Aaron "Diesel" Downey pode ter ganho um lugar no coração dos fãs do Detroit Red Wings como Darren McCarty fez outrora. E antes que pensem no exagero que estou cometendo ao fazer a comparação, leia o artigo abaixo na íntegra e entenda em que se baseia a semelhança de McCarty e Downey.

Começando com uma pequena retrospectiva.

Pense nos Wings a dez anos atrás. O mesmo time que tinha Steve Yzerman, Sergei Fedorov, Igor Larionov, Slava Fetisov, Vladimir Konstantinov, Nicklas Lidstrom entre outros nomes de muita classe dentro do rinque contava também com uma formação matadora de intimidadores, conhecida por Grind Line, formada basicamente por Kris Draper, Joe Kocur e Kirk Maltby. Essa linha foi responsável por parte do massacre imposto sobre o Esquadrão da Morte (Legion of Doom, Eric Lindros, John LeClair, e Mikael Renberg) do Philadelphia Flyers na final da Copa Stanley.

Mas o que todos aqui estamos cansados de saber é o que deu toda essa força aos Wings para chegar cuspindo fogo à decisão: a quarta-feira de 26 de março de 1997, o famoso "Banho de Sangue", tantas vezes comentado e detalhado aqui na revista. Por sua vez, o Bloodbath só aconteceu devido a um incidente ocorrido quase um ano antes: a entrada covarde de Claude Lemieux em cima de Kris Draper, afastando o Red Wing dos rinques até metade da temporada seguinte, na partida em que o Colorado Avalanche eliminou os Wings na Final da Conferência Oeste. Relembrando o lance, Lemieux, desonrando seu sobrenome, aproveitou-se de um momento vulnerável de Draper para desferi-lo um tranco para lá de desleal — coisa que, certamente, aprendeu lá em New Jersey. Como se não bastasse o tranco traiçoeiro, Lemieux foi além, esmagando Draper contra as bordas. O lance quebrou a mandíbula de Draper e fragmentou seu osso orbital. O lance covarde irritou os demais Wings. Dino Ciccarelli, por exemplo, soltou ao final da partida: "Não acredito que apertei a porcaria da mão do cara!", referindo-se a Lemieux.

Mas foi Darren McCarty, o quarto membro honorário da Grind Line (e membro definitivo na temporada seguinte, com a saída de Kocur), quem tomou as dores de Draper em 26 de março. Foi McCarty quem se enervou com um jogo que já vinha tenso e resolvou dar uma "lição de moral" em Lemieux, fazendo com que o agressor de Draper retraísse covardemente na famosa "posição tartaruga" enquanto apanhava. Como todos sabemos, logo o lance virou uma confusão generalizada no rinque da Joe Louis Arena.

A atitude de McCarty foi além de vingar o companheiro sorrateiramente agredido por Lemieux. Darren estava ensinando Lemieux a não incomodar os Red Wings. Era uma vingança pessoal, mas também um aviso. A eliminação na final da Conferência passada, o jejum de títulos dos Wings... tudo parecia estar envolvido na atitude de McCarty, como se ele fosse um porta-voz (através dos punhos) de todos os seus companheiros. Naquele momento, o Quinteto Russo podia ser o cérebro do time. Steve Yzerman podia ser a voz ativa da equipe. Mas Darren McCarty era o seu coração. E isso é um exemplo de um atleta que fala por seu clube. A identificação de McCarty com a torcida a partir daí foi marcante para a Cidade do Hóquei. Jogar-se na borda para comemorar um gol, subir nas mesmas para comemorar um título... McCarty parecia ser alguém que estaria segurando polvos na arena, mas ao invés disso, tinha a sorte e a força suficiente para estar no gelo e apanhar esses cefalópodes.

E, como não sou torcedor do Detroit, falo sem nenhuma parcialidade. É uma atitude válida a favor do clube que você está defendendo — coincidentemente, o clube era os Wings, o jogador era o McCarty. Mas bem que poderia ser Kevin Dineen defendendo seus Whalers ou o Darius Kasparaitis pelos Pens. Ou mesmo de Valeri Kharlamov pelo CSKA Moscou. Mas como estamos tratando de McCarty, de Downey e dos Wings, seguimos com o exemplo em questão.

Se McCarty era o herói, ou o anti-herói, Lemieux fez as vezes do vilão mesquinho e covarde. Quem mais simpatizaria com Lemieux que não um torcedor do Avalanche e dos Devils? Só desses dois, porque duvido que torcedores dos Habs, dos Coyotes, dos Stars ou, bem... do Zug... guarde qualquer tipo de estima por este ex-jogador. Lemieux, que foi um jovem talento no esporte e atingiu grandes títulos na carreira (não sou cego a ponto de dizer que foi um jogador ruim, muito pelo contrário), pode ter sua hombridade resumida nesses três lances: o tranco covarde em Draper, o arrego diante de McCarty e um outro arrego, já nos Coyotes, diante de Dineen, onde inventou um machucado na mão para evitar uma surra.

E agora temos em oposição a Lemieux um novo antagonista. Ian Laperrière foi dissimulado ao tentar pôr panos quentes sobre o assunto em questão — seu "tranco" em Nicklas Lidstrom. A forma com que Leperrière entrou no capitão dos Wings foi no mínimo imprudente, para não dizer maldosa. Não sou a favor de ballet hockey, muito pelo contrário. Gosto de ver briga, de jogo duro, de defensores como Chris Pronger, Scott Niedermayer e de intimidadores como Brad May ou Matthew Barnaby. O que não gosto é de atitudes covardes e de dissimulação. E foi o que Laperrière fez, tirando o corpo fora após o jogo.

Já Downey, atleta de 33 anos de idade (por sinal, mesma idade de Laperrière), vem de uma carreira irregular, mesmo passando por quatro dos Seis Originais. Nunca teve grandes feitos na carreira e já protagonizou um lance grotesco, que foi o nocaute em Jesse Boulerice, em 2003, quando ainda defendia os Stars. De qualquer forma, não foi um lance nem de longe covarde, muito pelo contrário. Os dois pararam para brigar e, com um soco, Downey levou Boulerice com a mandíbula quebrada ao chão. Estava dentro do roteiro da briga? Que importa? A briga aconteceu e fim de papo. Não foi um tranco traiçoeiro nem nada desse tipo. O incidente até lhe valeu o apelido Aaron 'One punch and he's' Downey.

E no seu dever de intimidador, Downey parece obviamente detestar covardias e atitudes traiçoeiras. Por isso Diesel, como é conhecido, parece ter ficado tão ofendido com o lance envolvendo Laperrière e Lidstrom. E foi a vez de Downey falar pelos Wings (ou melhor, pelo clube que defende) com os punhos. E depois dar a cara a tapa nas entrevistas, afirmando que estava em defesa de seu capitão, como um soldado que está disposto a proteger o capitão de uma tropa. Downey falou à torcida, falou aos Wings, falou aos Avs... e teve hombridade de fazer isso em território inimigo.

Como já falei, aos 33 anos de idade, sem grandes feitos na carreira, Downey pode ter conquistado a oportunidade de ter um ponto marcante em sua trajetória. Pode erguer a rivalidade que outrora teve adrenalina injetada por Darren McCarty. E se Avalanche e Wings se pegarem na pós-temporada, vamos ver o que será de Downey, Laperrière e todos os outros envolvidos. E que dessa vez não haja covardias. Parafraseando Al Pacino em Um Domingo Qualquer, de Oliver Stone, "Num domingo qualquer, vença ou perca, desde que vença como um homem ou perca como um homem". E é assim que se age numa rivalidade. Brigando ou mesmo evitando uma briga, aja como um homem.

E vai me dizer que, como homens, McCarty e Downey não têm essa semelhança?

Thiago Leal não reconhece a hombridade de quem agride por trás e na hora de acertar as contas pela frente pede arrego e esconde a cara.
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Darren McCarty ovacionado. Não o inveje, trabalhe. O cara ralou muito para chegar até aí.
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Covardia é isso aí. Agredir por trás, Lemieux agride. Quando é pela frente...
(26/03/1997)
Michael Martin/Getty Images
Laperrière encarando Valtteri Filppula. Na hora de bater de frente, não teve cotovelo na cara.
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Página publicada em 21 de janeiro de 2008.