Como  se já não bastassem os 42 anos sem títulos, os Leafs deram um jeito de  fazer sua imensa torcida sofrer ainda mais neste começo de temporada.  Jogo após jogo o time terminava atrás no placar, e a cada vez a  desesperança aumentava e assim foi construído o pior início de ano da  história da franquia, que já não vencia desde 11 de abril. Os mais  pessimistas já imaginavam se seria possível vencer uma só partida nesta  temporada. Sim, seria, só que demoraria nove jogos. E ela teria  ingredientes curiosos.
              
              Em  primeiro lugar, foi fora de casa, em Anaheim, contra um time dos Ducks  que ainda não se encontrou. Em segundo lugar, foi a primeira visita do  gerente geral dos Leafs, Brian Burke, ao Honda Center, onde conquistou  a Copa Stanley como GG dos mesmos Ducks dois anos e meio atrás. Em  terceiro lugar, contou com nada menos que cinco gols em vantagem  numérica, fruto da quase benevolência dos californianos, que acumularam  47 minutos de penalidades ao longo dos 60 minutos, uma tendência que  faz do time o líder da liga em quantidade de desvantagens numéricas,  estatística acentuada pelo terceiro menor número de chances em vantagem  numérica. Em quarto lugar, Niklas Hagman marcou um hat trick, o segundo  de sua carreira, com um gol em vantagem numérica em cada período. Em  quinto lugar, o goleiro sueco Jonas Gustavsson, se não conseguiu baixar  sua média de gols sofridos em mais de 0,01 ponto percentual, ao menos  conseguiu sua primeira vitória na NHL e também fez uma das defesas mais  espetaculares do ano, ao impedir que Erik Christensen marcasse no que  parecia ser uma rede completamente vazia... por algumas frações de  segundo.
              
              O  goleiro, conhecido como "Monstro", tinha dado uma declaração quase  premonitória antes da partida. "No fim das contas, só se vence como um  time", dissera, naquela manhã. "Mas é claro que às vezes você tem de  chamar para si a responsabilidade e fazer as grandes defesas." Ele não  foi o principal responsável pela vitória, mas teve um papel importante,  com a melhor atuação de um goleiro com a folha de bordo no uniforme  este ano. É óbvio que, com três gols sofridos, ainda há espaço para  melhorar, mas, se isso acontecer, pode ser que o campeonato ainda não  tenha descido pelo esgoto.
              
              O  sexto ingrediente na verdade pouco deve ter tido a ver com a vitória,  mas eu não escolhi o adjetivo "curioso" para finalizar o primeiro  parágrafo por acaso. O jogo ainda estava 0-0 e não tinham sido  decorridos nem três minutos quando Colton Orr, dos Leafs, se estranhou  com George Parros. O embate seguia equilibrado quando os árbitros  tentaram interferir. Orr, no melhor estilo "briga de rua", simplesmente  deu um chega-pra-lá em um deles, empurrando-o no peito como se dizendo "Sai fora!" e  derrubando-o ao chão. Os mais supersticiosos vão querer usar o momento  como uma metáfora para livrar-se da zica.
              
              Se  de fato a troca de gentilezas teve essa conotação quase espiritual, não  deu certo, ao menos não logo de cara: assim como em todos os jogos  anteriores, os Leafs saíram atrás. A virada veio pouco mais de um  minuto depois do gol de empate e colocou os canadenses em vantagem pela  primeira vez em 444 minutos e 47 segundos, ou desde o terceiro período  do primeiro jogo da temporada. Já deve ter sido um grande alívio, mas o  terceiro gol certamente foi mais comemorado, até por outro ingrediente  curioso: durante uma vantagem numérica Lee Stempniak deu um tranco  esquisito — mas legal — em Todd Marchant, que fez com que Scott  Niedermayer tentasse "vingar" o ocorrido, o que só lhe valeu uma  penalidade por agressão, deixando os Ducks com dois homens a menos no  gelo. Exatos trinta segundos depois Hagman comemorava o segundo de seus  três gols.
              
              No  rol de curiosidades que envolveram este duelo ainda houve um  ingrediente que passou quase que despercebido, mas que os místicos  poderão facilmente associar à primeira vitória do "Monstro" na NHL:  Justin Pogge estava no banco dos Ducks. Quem?! Justin Pogge, aquele  goleiro que até o ano passado era o goleiro do futuro dos Leafs, que  venceu sua primeira partida pelos azuis mas não venceu mais em suas  seis partidas seguintes, com uma média de 4,36 gols sofridos. Aquele  que ficou sem espaço m Toronto justamente por causa da chegada do sueco  e foi mandado para Anaheim em troca de uma escolha de recrutamento que  sequer foi definida. Atrás de Jonas Hiller e Jean-Sébastien Giguère na  hierarquia, ele só foi convocado para a reserva nesta partida porque  Giguère contundiu-se sem gravidade na virilha. Foi a deixa para sair do  anonimato em que vivia em Bakersfield, onde defende os Condors da ECHL,  e ser cercado pela imprensa canadense, atraindo mais atenção da mídia  visitante do que Ryan Getzlaf, astro dos Ducks, recebe da mídia local.
              
            Vencido  o obstáculo da primeira vitória, ainda falta um tabu a ser quebrado  pelos Leafs: tornar-se o último time a vencer uma partida em casa.  Depois de mais três jogos fora, a primeira chance será na terça-feira  que vem, contra o Lightning. Toronto inteira espera que não sejam  necessários outros cinco gols em vantagem numérica para quebrar essa  escrita.