Por: Eduardo Costa

Tenho quase certeza que o nobre leitor já leu quilômetros de linhas sobre a aventura além mar da NHL. Se não, não precisa flagelar-se devido a tamanho lapso. TheSlot.com.br não esteve em Londres, mas escutou, assistiu, baixou, leu e analisou os dois prélios e a atmosfera que antecedeu a abertura da temporada 2007-08 da liga, e compartilha agora suas impressões e sentimentos (?) sobre o recomeço da maior competição de hóquei da galáxia.

Gary Bettman acerta uma!
Bettman pode estar bem longe de ser uma figura bem quista entre os que seguem o esporte, mas sua intenção de abrir as fronteiras da NHL, repetindo as viagens a Tóquio há algumas temporadas, constitui um raro momento de lucidez em sua infame presença no cargo de comissário da liga. A cosmopolita Londres foi realmente uma boa escolha. E nunca é ruim ver a Copa Stanley retornar à sua primeira morada. Lord Stanley of Preston deve ter se revirado na tumba de tanto excitamento.

Há meses os 35.000 ingressos para as duas partidas entre Anaheim Ducks e Los Angeles Kings já estavam vendidos. Resultado de uma grande campanha de marketing por parte dos organizadores do evento? Produto do um suposto tenro amor dos britânicos, pelo esporte mais rápido do gelo? Apenas curiosidade?

Muito pouco disso. Grande parte dos que correram para garantir seus assentos na moderna 02 Arena já estavam mais do que familiarizados com o esporte. Durante a transmissão de ambos os jogos, as lentes localizaram inúmeras células hoqueísticas. Uma bem numerosa de eslovacos; vários escandinavos, uma surpreendente dúzia de alemães vestidos com a camisa do clube Adler Mannheim (atual campeão tedesco), além de muitos canadenses — ou pelo menos pessoas que usavam camisas de clubes ou da seleção desse país.

Claro que haviam os bretões, que tradicionalmente sofrem com o baixo nível da liga local, que estavam ali para ver hóquei de qualidade, assistir as novas caras de ambos os times ... ei, pra que mentir?! Os ingleses estavam ali para ver algum barbarismo, brigas e coisas do gênero....

Por quê Kings e Ducks?
Muitos questionaram o por quê das duas equipes californianas na abertura londrina, e não um confronto que reunisse dois dos Seis Originais. A resposta é fácil: o Anschutz Entertainment Group (AEG), proprietário da 02 Arena, também é dono dos Los Angeles Kings e do Staples Center. Philip Anschutz, o Todo-Poderoso, queria que seu novo empreendimento imobiliário hospedasse o primeiro jogo da NHL no velho continente. Bastou abrir uma Forbes Magazine, onde seu nome aparece em 41.º na lista dos homens mais ricos dos Estados Unidos, para convencer Bettman que seu desejo, um clássico entre Kings e Ducks, era a melhor pedida.

Rei Kopitar!
Os Kings teoricamente deveriam prevalecer no primeiro confronto. A equipe chegou bem antes que os Ducks na Europa, se ajustando mais rapidamente ao fuso, e ainda teve dois bons testes antes de encarar os comandados de Randy Carlyle.

O time disputou um torneio em Salzburg, Áustria, patrocinado pela gigante austríaca do ramo de bebidas energéticas e entretenimento, Red Bull. Foi uma ótima oportunidade para Marc Crawford decidir qual goleiro estava em melhor forma para a abertura da NHL. Contra o time da casa, Jason LaBarbera foi o escolhido e ele não foi nada bem. Apresentou-se lento em seus movimentos laterais, equivocado em suas saídas da área, transmitindo pouca confiança aos seus companheiros.

Esse mesmíssimo jogo, porém, serviu para mostrar que juntar Anze Kopitar, Michael Cammalleri e Dustin Brown pode ser uma boa opção. Foram infernais. Kopitar atuou praticamente em casa. Uma legião de eslovenos peregrinou para testemunhar mais uma mostra da inesgotável magnanimidade do maior jogador de toda a história do hóquei nos Bálcãs. Anze colocou o time na final do torneio, contra os suecos do Färjestads com um hat trick.

E na final ele novamente decidiu. E como a TheSlot.com.br foi a primeira revista do hemisfério sul a fazer uma coluna sobre Kopitar, nos emocionamos quando o camisa 11 marcou o gol do título nos minutos finais. Nas arquibancadas algumas dezenas de bandeiras eslovenas ressoavam ao som do clássico Kdo hoce plesati z menoj, do Zablujena generacija! Gol de Kopitar e punk rock balcânico? Não tem como ficar melhor que isso!

Para a comissão técnica dos Kings tinha. Eles presenciaram uma sólida apresentação do novato goleiro Jonathan Bernier contra o melhor time da última temporada regular da Elitserien, o que fez com que a cotação do jovem aumentasse muito. Como se não bastasse a surpreendente separação entre Marc Crawford e Dan Cloutier — motivo de festa entre os torcedores dos Kings — na pré-temporada, Bernier vem correspondendo às expectativas. Dias felizes no reino. Os Kings têm um dos melhores grupos de jovens atletas do hóquei. Faltava apenas um goleiro para a tropa. Aparentemente, não falta mais.

Os Ducks e a Copa em Londres
Enquanto os Kings jogavam hóquei na terra de Reinhard Divis, a Copa Stanley passeava em sua cidade de origem, acompanhada de seu último campeão. Muito melhor cotizado agora, do que quando deixou Londres, há mais de um século, rumo ao Canadá, o mais belo e disputado troféu do mundo dos esportes até tem chances de continuar em Anaheim. O time também tem uma bela quantidade de bons jovens atletas. Mas vai depender ainda do que Teemu Selanne e Scott Niedermayer decidirem de suas vidas. Poderia falar mais sobre isso, mas você pode conferir nosso guia, onde a situação está esmiuçada.

Ao contrário dos Kings, a delegação chegou na Europa com pouco tempo disponível para recuperar-se do Jet lag. Além do já mencionado passeio, alguns atletas foram ver uma partida de futebol entre Fulham e Derby County... Fulham? Derby County? Eu disse futebol?

O face-off inicial da temporada 2007-08: a monarquia festeja!
Nas imortais palavras de Mel Brooks: "It's good to be a King"! A corte se curvou perante Jonathan Bernier. O jogador de 19 anos fez uma estréia quase perfeita — o shutout escapou aos 13:09 no período final. Bernier não precisou dar piruetas e duplos carpados (?) na vitória de 4-1. Ele se mostrou sempre bem posicionado, controlou bem os rebotes e quando o time mais precisou — um chute de Corey Perry nos minutos finais do cortejo —, ele foi preciso. Ainda é muito cedo, mas para uma torcida que sofreu com Cloutier, Mathieu Garon e Sean Burke na última temporada, a chance de ter um guardião de nível em um futuro muito, muito próximo, é de se festejar.

Eu realmente esperava que Alexander Frolov se tornasse a principal arma ofensiva dos Kings. Mas Michael Cammalleri ocupa esse posto. Arisco e dono de um chute mortal, Cammalleri vem de uma temporada de 80 pontos, e já começa essa com o taco na forma, como atesta bem seus dois tentos. Ele foi o outro grande nome do jogo.

Eu não sou um grande fã de Marc Crawford, de fato, eu tenho um boneco de voodoo (?) com a sua face, e fico espetando sempre que o tédio me domina, mas reconheço que é uma boa ação usar Cammalleri e Lubomir Visnovsky na linha azul durante as vantagens numéricas dos Kings. Deixando Frolov e Kopitar encarregados dos passes e Kyle Calder no papel de "Tomas Holmstrom". Uma equipe de VN que vai dar trabalho.

A equipe de desvantagem numérica dos Kings, tão bisonha na última temporada, soube proteger bem a meta de Bernier nessa estréia. Patrick O'Sullivan foi um dos grandes destaques do jogo. Seu trabalho matando penalidades lhe rendeu elogios de toda a comissão técnica. Como diria Borat Sagdiyev: "Niiiiiiiiice!"

Do lado dos Ducks vale destacar a estréia de Bobby Ryan, outro bom nome da tenra safra da NHL. Ryan incomodou bastante o setor defensivo dos Kings. Aproveitou bem seu tamanho e demonstrou habilidade e frieza no único gol marcado pelo time de Anaheim na partida.

Até o periódico 'The Guardian' reservou uma nota para Todd Bertuzzi em sua edição online de s ábado, mas quem, unicamente, queria ver algum tranco, ou algum momento de brilhantismo por parte do ex-Red Wings, perdeu a viagem. Deprimente, ultrajante e insuficiente. A partir de hoje, chamarei meu contracheque de Big Bert, as semelhanças são inúmeras.

Doce e tenra vingança: Ducks devolve o placar
Segundo Randy Carlyle, a derrota no sábado mais teve a ver com as falhas dos Ducks do que méritos dos Kings. Segundo os fãs, a única coisa que faltou no primeiro confronto foram as brigas. Ambas queixas foram, parcialmente, amenizadas, na aventura dominical da NHL.

Muitas penalidades por parte dos Kings. Metade do período inicial viu a equipe de DN do time de LA tentando proteger a meta de Jason LaBarbera — Bernier, herói da tarde anterior, dessa vez ficou no banco. A indisciplina monárquica custou tentos de Corey Perry e Chris Kunitz e a matreira equipe dos Ducks soube bem administrar a ampliar essa vantagem.

Na meta dos Ducks vimos o suíço de 25 anos, Jonas Hiller. De estilo ortodoxo, porém eficiente, seguro, ele não teve trabalho em seu primeiro jogo na NHL. Hiller falou após a partida com a AP, e, como sempre, nos apoderamos, clandestinamente, é claro, do conteúdo da entrevista:

"Estava realmente pensando na possibilidade de atuar, mas não foi nada que tirou meu sono. Essa não é a primeira grande partida em que participo". Nós acreditamos em Hiller. Nessa mesma revista fizemos a cobertura da última liga helvética. O HC Davos enfrentou o SC Bern na finalíssima. Davos prevaleceu no jogo sete, com um shutout de Hiller.

Se Hiller continuar bem, os Ducks buscarão, mais do que nunca, um comprador para Ilya Bryzgalov. Além de ser um reserva caro, ele vai se tornar agente livre ao final da temporada, podendo sair em troca de nada.

Chris Pronger, agora capitão dos Ducks, e Corey Perry não encontraram obstáculos na partida. Já os Kings mostraram muito pouco do que havia feito 24 horas antes. Veremos mais vezes isso na temporada. Grandes atuações, alternado com apresentações ruins. É um time jovem. Será necessário paciência. Pelo menos Cammalleri somou seu terceiro gol em apenas dois jogos, mostrando que suas intenções, para com os goleiros liga afora, não são nada boas.

Por falar em má intenção, os presentes na O2 Arena queria sua quota de sangue. George Parros e Scott Thornton proporcionaram um duelo longe de épico, mas que satisfez o anseio da platéia.

Balanço (?) final
Dois jogos apenas bons, mas já era de se esperar por se tratar de um começo de temporada. As distrações ainda são muitas para os Ducks, mas, mesmo se a dupla Niedermayer e Selanne não voltar, eles continuarão na lista de favoritos, sem a mesma força, é óbvio. Já os Kings têm o que comemorar. Após ver o rival conquistar a glória máxima em 2007, eles vêm construindo um time que poderá igualar esse feito em algum ano não muito distante.

Quanto a experiência de duas partidas na Europa, creio que foi benéfica. A imprensa britânica não falou muito sobre os jogos, mas a relação entre os fãs de hóquei do Reino Unido e do velho continente, com a NHL, estão mais estreitas. Já se fala na possibilidade de Praga, na República Tcheca, hospedar Pittsburgh Penguins e Tampa Bay Lightning, na abertura da temporada 2008-09.

E quem sabe outras cidades um dia possam ter esse mesmo privilégio. Imagina Varsóvia, Minsk ou Phoenix, sediando um jogo da NHL e... o quê? Phoenix tem um time na NHL?!

Eduardo Costa parabeniza a turma do Blog NHL Brasil pela atividade durante as férias da NHL e aproveita para mandar um abraço ao brilhante e sagaz colunista da Revista K, Ricardo Marini.
Daniel Berehulak/Getty Images
Corey Perry tenta, mas Jonathan Bernier está mais sólido do que o Palácio de Buckingham na jogada.
Daniel Berehulak/Getty Images
Casa cheia na O2 Arena. Apesar da imprensa local ter dado mais destaque ao amistoso das seleções de críquete do Sri Lanka e de Bangladesh, o saldo final foi positivo para a NHL.
Daniel Berehulak/Getty Images
O segundo jogo pertenceu aos atuais campeões. Aqui, Kunitz marca e sai pro abraço.
Daniel Berehulak/Getty Images
Michael Cammalleri atormenta Francois Beauchemin. Nem o IRA teria feito um estrago maior em Londres do que o arisco atacante dos Kings.
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-07 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 3 de outubro de 2007.