Por: Thiago Leal

Se tem uma coisa que não se pode dizer a respeito da franquia New York Rangers é que ela é injusta para com seus ídolos. Tudo bem que ainda não aposentaram oficialmente o #99 (a NHL já aposentou o número de toda liga, então nenhum Ranger pode vesti-la... mas a camisa não está no topo do Madison Square Garden, não houve cerimônia, nada do tipo), e bem que deveriam, uma vez que, mesmo por curto período de tempo, Wayne Gretzky vestiu a camisa azul. E ter Gretzky no seu time é uma honra por si só. Mas os Rangers têm, sim, um cuidado especial com seus ídolos, sejam eles antigos ou recentes.

E se o #99 ainda não está pendurado, o #9, que merecia muito mais, diga-se de passagem, agora está. Não que Gretzky não seja o maior jogador da história (controvérsias à parte...), o que lhe coloca automaticamente à frente de qualquer um. Mas a importância de Adam Graves na história recente do New York Rangers consegue ser maior que as quatro copas conquistadas pelo Great One em Edmonton. Exagero?

Então pense na maior cidade do mundo. Pense na sua imensidão, a sua quantidade de pontos turísticos, entretenimentos, ídolos... Nova Iorque tem de tudo. A Estátua da Liberdade, a Broadway, o Central Park, cenário para filmes famosos, como, por exemplo, as obras de Woody Allen, uma cena musical diversificada e mundialmente reconhecida, o Empire State Building, as Torres Gêmeas do World Trade Center (que em 1994 ainda existiam)... e, esportivamente falando, times populares. É fácil você ser uma franquia em Edmonton ou em Calgary, onde não tem que dividir atenção com nenhuma outra franquia de grande liga profissional. Complicado é quando a franquia está em Toronto, Boston, Chicago ou Detroit, que tem times espalhados nos principais esportes da América do Norte. Mas em Nova Iorque a coisa é superpotencializada. Você tem apenas o time de beisebol mais vencedor da história, o New York Yankees. O New York Mets, mais um time de beisebol. Futebol americano, esporte mais popular dos EUA? Mais dois times. New York Giants e New York Jets. E tem também uma franquia grande daquela outra liga. Pra piorar, no seu próprio esporte você tem um concorrente: o New York Islanders. E esse concorrente, na década anterior, conquistou quatro Copas, enquanto sua franquia não vê nenhuma há 54 anos. Isso era o New York Rangers em 1994.

Em 1991 Graves chegou como agente livre em Nova Iorque. Assinou com os camisas azuis após não renovar contrato com o Edmonton Oilers, que defendeu por duas temporadas e teve uma bela participação na pós-temporada de 1990, quando os Oilers conquistaram sua quinta Copa. Mas, com números poucos animadores em temporadas regulares, os termos não foram renovados, o que ocasionou a ponte aérea Edmonton—Nova Iorque.

Graves era conhecido das ligas menores por ser um cara durão, desses que chegam a ser um esteriótipo de jogador de hóquei. Com o Windsor Spitfires, da OHL, chegou às semi-finais da Liga em 1986 e 1987. Com o Adirondack Red Wings, antiga franquia dos Wings na NHL que também revelou Darren McCarty, venceu a Copa Calder em 1989. Quem sentiu na pele (e nos ossos) a fúria de Graves foi Mario Lemieux, que chegou a ter a mão quebrada por uma agressão do ponta esquerda durante a pós-temporada de 1992. Fora do rinque, no entanto, Graves era surpreendentemente outra pessoa, calmo e comedido com as palavras, e mesmo sem rancor dos Oilers, chegando a destacar que cumpria um papel pequeno e que para ele valia à pena ser um coadjuvante de um time tão bom.

Talvez fosse exatamente dessas características... de alguém agressivo no rinque, mas centralizador e companheiro fora dele, que os Rangers precisassem para realizar o seu sonho de sair da fila na busca pela Copa Stanley. Esse tipo de jogador é justamente aquele que fica à sombra da estrela principal, que, nesse caso, também veio de Edmonton: Mark Messier, formando uma parceria que mudou a forma de Graves jogar e o transformou num goleador perigoso, reforçado pelas assistências sensacionais de Messier. Tanto que, em 1994, bateu o recorde de gols da franquia em temporada regular: 52 gols. O resultado da parceria qualquer torcedor do New York Rangers lembra: com o reforço de um defensor que subia como ninguém ao ataque (Brian Leetch) e um goleiro que fechou o gol (Mike Richter), como qualquer guarda-redes de time campeão, os Rangers conquistaram, finalmente, sua quarta Copa Stanley, levando as ruas de Manhattan à festa. Como capitão alternativo, Graves marcou um dos três gols do sétimo jogo da Copa, a vitória por 3-2 que garantiu o título aos camisas azuis. Os outros pontuadores? Leetch e Messier. No mesmo ano, Graves conquistou seu terceiro Prêmio Steven McDonald consecutivo, troféu oferecido ao Ranger que "faz ainda mais do que aquilo que lhe é devido", e também seu segundo prêmio de Jogador Mais Valioso do New York Rangers, oferecido pela mídia nova-iorquina.

Quem não acompanhava hóquei em 1994, faça um paralelo entre o papel de Graves nos Rangers com McCarty em 1997 e Johan Franzen no ano passado pelos Wings, para entender a importância que o rapaz tinha no gelo, na franquia, entre jogadores e torcedores. As palavras de Fabiano Pereira resumem perfeitamente: Nunca foi o mais talentoso. Foi um jogador físico, esforçado e que complementou perfeitamente a liderança ativa de Mark Messier. E essas características superavam até mesmo o tamanho de Graves ("apenas" 1,83m) que, comparado a intimidadores e jogadores físicos em geral ficam abaixo da média.

Sua história com os Rangers se prolongou por mais sete anos após a conquista da Copa Stanley. Já com um rendimento baixo, o jogador foi enviado ao San Jose Sharks em troca de preferência em negociação por Mikael Samuelsson. Sua saída da franquia nova-iorquina aconteceu no período crítico onde os craques iam se acumulando — Gretzky, Eric Lindros, Pavel Bure, mais para frente Jaromir Jagr... — mas os resultados não vinham. Obviamente, os Rangers sentiram falta daquele jogador mais físico e envolvido com o time. Um hóquei onde apenas habilidade não resolve. Do contrário Pavel Datsyuk não teria precisado de um Franzen a seu lado para conquistar outra Copa. Depois da dispensa de Graves, bem que os Rangers procuraram alguém com as mesmas características (Sean Avery? Nunca!)

Graves é aquele jogador que todo time adoraria ter. E que poucos tem parecido. Aquele que Bard May ou Claude Lemieux bem que tentaram, mas não conseguiram ser igual. Uns não foram tão Adam Graves. Outros, foram Adam Graves demais, e só o verdadeiro Graves tinham a medida certa para ser um Adam Graves. Talvez você entenda quando eu explicar que Messier era talentoso. Leetch era forte. Mas Graves, bem... ele era hóquei. Há uma diferença entre o jogador que visualiza a jogada, o jogador que visualiza a vitória e o jogador que visualiza o time. Talvez este último exemplo nem esteja preocupado em vencer. Mas se preocupa com o time e isso significa... vencer. Mas aqui a vitória é só uma consequência. Assim era Graves.

E numa era de teto salarial, de superexposições de atletas, de estrangeiros tomando conta da NHL, um jogador como Graves acaba sendo cada vez mais raro. Esta é uma espécie em extinção no hóquei no gelo, enquanto nosso esporte preferido vem se firmando como: a) Um jogo duro, mas de bons-moços. b) Um esporte de intimidadores violentos, mas que não necessariamente jogam duro por identificação com o time.

Em reconhecimento a todo esse trabalho, os Spitfires foram os primeiros a aposentar o #9 em homenagem a Graves. Em seguida veio a merecida homenagem do New York Rangers — que já havia sido concedida a Messier, Richter e Leetch. Naturalmente, depois deles, os principais responsáveis pela conquista, o próximo nome seria o de Graves. E talvez o último, por um bom tempo, a ter uma camisa azul aposentada. Aliás, foi o próprio Leetch quem anunciou a aposentadoria do número do colega.

Adam Graves não poderia estar mais feliz e emocionado por ter, mais uma vez, seu talento reconhecido no Madison Square Garden, sua casa por dez anos, de 1991 a 2001. Em cerimônia oficial, a franquia nova-iorquina aposentou a camisa do maior ponta esquerda de sua história, levando o veterano às lágrimas.

Glen Sather resume: "Adam Graves é simplesmente um dos jogadores mais apaixonados que já vestiram a camisa do New York Rangers". Em uma linha disse tudo o que não consegui na coluna inteira.

Thiago Leal lamenta a dor da família Krug e, como sempre, nessas horas, prefere o silêncio.
Chris McGrath/Getty Images
Belíssima imagem de Adam Graves, em família, assistindo à camisa #9 ser colocada no topo do Madison Square Garden.
(03/02/2009)

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Richter, Messier e Graves comemoram a Copa Stanley nas ruas de Manhattan.

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Página publicada em 04 de fevereiro de 2009.