Por: Alexandre Giesbrecht

Tudo bem que ainda estamos em novembro, e a classificação da liga ainda vai mudar bastante até abril, quando as vagas para os playoffs serão definidas. Pontos perdidos agora ainda podem ser recuperados ao longo dos cerca de sessenta jogos que faltam para cada time. Mas em abril quem ficar fora do palco principal do hóquei sem dúvida vai fazer as contas e se lembrar dos pontos bobos desperdiçados durante a longa caminhada, da mesma maneira que os times no topo do Campeonato Brasileiro deste ano seguem a lamentar as zebras que sofreram, que tornaram este um dos mais disputados de todos os tempos.

Os Bruins vêm capengando neste primeiro quarto de temporada, sofrendo para se manter em meros 50% de aproveitamento depois de largar entre os favoritos no Leste. A vitória que estavam conquistando no último sábado, sobre os Penguins, havia de ser um divisor de águas para o time, a segunda vitória sobre os atuais campeões em cinco dias, e desta vez fora de casa, depois de ficar atrás no placar quatro vezes. Se agora o time não engrenasse, não iria engrenar de jeito algum.

Já os Penguins começaram o campeonato de maneira avassaladora, mas uma série de contusões num ritmo quase ridículo brecaram a campanha. Primeiro caiu Sergei Gonchar, principal zagueiro do time e uma das peças fundamentais da equipe de vantagem numérica. Não por acaso, com ele fora o time chegou a desperdiçar trinta vantagens numéricas consecutivas — incluindo as três contra os Bruins no sábado —, sequência que só seria quebrada na terça-feira, contra os Ducks. Seguiram-se a ele os também zagueiros Alex Goligoski, Kris Letang e Brooks Orpik, sendo que Jay McKee contundiu-se nesta semana e até Mark Eaton chegou a ser dúvida para a partida de quinta-feira, contra os Senators, para completar os seis defensores que iniciaram a temporada como titulares. Isso sem falar nos atacantes Maxime Talbot, Tyler Kennedy e Evgeni Malkin, este retornando justamente contra os Bruins.

Se os Penguins não são os grandes rivais dos Bruins, também não são um adversário que deixe a torcida de Boston indiferente, e pode-se dizer que a recíproca é verdadeira, o que ajuda a explicar por que o Iglu estava mudo naqueles instantes finais de partida. O time da casa tinha aberto o placar, os visitantes empataram e essa toada seguiu até o 4-4, aos 14:13 do terceiro período. Os Bruins finalmente virariam o jogo a dois minutos e meio do fim, e essas últimas voltas do ponteiro não foram acompanhadas por lances que sugerissem uma nova mudança no placar.

Faltando dez segundos para o fim do jogo, o disco estava atrás da linha de gol dos Penguins, sendo disputado próximo às bordas mais como pro forma que para gerar um lance de perigo de qualquer dos times. Quando sobrou para Patrice Bergeron a meio caminho entre a linha azul e o círculo, a sete segundos e meio do fim, este preparou a bomba para selar a partida, o disco parando ou não no fundo da rede vazia dos Penguins.

Mas, ah, a preferência de alguns jogadores pelos tacos compostos! O taco de Bergeron quebrou-se, o que já seria azar o bastante como acontecimento isolado, embora um inofensivo incidente àquela altura da partida. Mas tão fortuita quanto a quebra do taco foi a trajetória do disco, que mal saiu do lugar, batendo em seguida em Malkin e indo para o lado que o russo queria. Os seis segundos que restavam seriam suficientes, em um esporte veloz como o hóquei no gelo, para se fazer um estrago que prolongaria a partida.

Malkin atravessou o gelo e, diante da impossibilidade do chute, virou o jogo para Bill Guerin, apesar dos insistentes gritos de "Chuta!" vindos da torcida. Quando o disco deixou seu taco o relógio marcava três segundos para o fim. Guerin recebeu exato um segundo depois e ele, sim, chutou. E empatou o jogo. A crônica esportiva registrará para sempre que foi a 0,4 segundo do fim, tempo congelado pelo cronômetro oficial, mas uma simples consulta ao You-Tube mostra que o disco já estufara a rede de Tim Thomas um segundo antes.

O jogo não estava perdido para os Bruins, que teriam a prorrogação e quiçá os pênaltis para garantir os dois pontos, mas o golpe estava dado, e o que aconteceria depois selaria o que o jornal Boston Globe definiu como um final "agoniante, bizarro e, por que não?, maquiavélico". A Mellon Arena ainda vibrava com a adrenalina gerada pelo gol de Guerin, vários minutos antes, quando o defensor Martin Skoula, que até Gonchar se contundir ainda não tinha entrado no gelo na temporada, despejou o disco no meio do gelo para atrás do gol de Thomas. O goleiro recolheu-o e lá deixou-o para que Dennis Wideman desse início a uma nova jogada.

Não se sabe se o cardápio de Wideman naquele dia incluiu feijoada completa, mas seu estado de sonolência no lance sugere que sim. Jordan Staal, que lá estava talvez sem grandes esperanças de conseguir alguma coisa, aproveitou o deixa-que-eu-deixo e nem dominou o disco antes de passá-lo para Pascal Dupuis, com o gol aberto à sua frente, fechar o placar em morte súbita e tornar-se, logo ele, o único ser humano no estádio a marcar dois gols naquela noite, apesar dos onze tentos marcados pelas duas equipes. O gol no tempo extra foi seu centésimo na NHL — e talvez o mais fácil de todos.

A derrota, ainda mais nessas condições, serviu ao menos para mostrar aos Bruins que seu ataque ainda sabe marcar gols. Nos oito jogos anteriores o time marcara apenas onze gols, tendo passado em branco em três deles. O técnico Claude Julien avisava logo depois da partida que a derrota tinha de ser superada, mas dois dias depois os Bruins perderam em casa para os Islanders por 4-1 e, apesar da vitória desta quinta-feira em Atlanta, ainda estão fora do G-8. Como ainda falta muita lenha para queimar, há tempo de sobra para o time tirar este revés da memória. Mas que não cheguem a abril precisando de um ponto, pois a ressaca desta noite certamente será revivida.

Alexandre Giesbrecht, 33 anos, sugere a leitura do livro Tricolor Celeste, de Luís Augusto Símon, mesmo aos não-são-paulinos.
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Página publicada em 20 de novembro de 2009.