Por: Bruno Sader

No dia 4 de dezembro de 1909 foi fundado na província do Quebec, no extremo leste canadense, o Le Club de Hockey Canadien, que viria a se tornar o maior clube de hóquei no gelo de todos os tempos. Obviamente, seu fundador, J. Ambrose O'Brien, não tinha noção (e nem a intenção) de que isso acontecesse. O clube foi criado para ser o time da comunidade franco-canadense de Montreal, composto de jogadores de ascendência francesa, e, tão breve quanto o possível, sob administração de descendentes de franceses.

Os Canadiens brevemente se filiaram à antiga National Hockey Association (NHA), liga de hóquei da época. A primeira temporada, 1909-10, não foi um sucesso e o time terminou no último lugar da tabela. Após o primeiro ano de existência, a presidência foi transferida para George Kennedy, e a sorte do clube aumentou nas temporadas seguintes.

Na temporada de 1915-16 aconteceu, pela primeira vez, o que viria a se repetir mais 23 vezes ao longo dos 78 anos seguintes. Les Canadiens de Montréal, após sete temporadas na NHA, finalmente conquistaram a Copa Stanley, que ainda era uma pequena taça de prata. No ano seguinte, juntamente com mais quatro equipes, o clube fundou a Ligue Nationale de Hockey. E, após sete anos de disputa na mesma, o time liderado curiosamente por um canadense anglo-saxão, Howie Morenz, e por um goleiro que um dia viria a ser nome de alguma coisa, Georges Vezina, conquistou pela segunda vez a taça mais cobiçada do hóquei até hoje. Morenz foi o capitão e líder do time nas décadas de 1920 e 1930.

Na temporada de 1926, os Canadiens mudaram-se para o Fórum de Montreal. Eu poderia escrever alguns capítulos apenas sobre histórias e lendas que envolvem o Fórum, mas por hora resta saber que foi nessa arena que o Montreal conquistou todas as suas outras 22 Copas. Morenz voltaria a erguer duas taças com os Habs no bicampeonato de 1930-31. Também foi na década de 1930 que o principal rival dos Canadiens na cidade, o Montreal Maroons, fechou as portas. O clube voltado ao quebecois anglófonos não resistiu à grande depressão que começou com a quebra da bolsa de Nova York, em 1929.

A década de 1940 foi uma das mais marcantes para os Canadiens. Já havia mais de uma década desde o último título, quando um jovem chamado Maurice Richard passou pela "peneira" do time — naquela época ainda não existia o recrutamento — e foi incluído no elenco principal. A história desse jogador merece, no mínimo, um especial de cinco partes. Por enquanto, me limito a aconselhar a todos o filme "The Rocket", que conta a história do jogador, do time tricolor e da NHL na década de 40. Maurice, ala-direito, jogando na linha composta por Elmer Lach e "Toe" Blake — que ficou conhecida como "Punch Line" —, comandou os Canadiens na reconquista da Coupe, em 1943-44. 

Nessa época primórdica da NHL, a liga era muito protecionista tanto aos times canadenses anglo-saxões quanto aos estadunidenses. No gelo, o jogo era muito sujo. Juntando isso, um episódio ficou muito famoso. Em 1946, Richard, sempre vitima de trancos desleais, foi golpeado na cabeça pelo taco de Hal Laycoe, no penúltimo jogo da temporada. Revoltado, o jogador do Montreal quebrou seu taco nas costas do jogador do Boston Bruins. Um juiz o tentou segurar e também acabou agredido por Richard, que acabou sendo suspenso pelo resto da temporada, enquanto Laycoe ficou impune. Revoltados, os torcedores do tricolor, no jogo seguinte no Quebec, promoveram um quebra-quebra generalizado, agredindo membros da diretoria da NHL presentes na arena, num episódio que ficou conhecido como "Richard Riot". O time, porém, não se abalou e conquistou a taça no mesmo ano.

Maurice, que ficou conhecido por "The Rocket" por sua explosão no gelo, levou os Canadiens a mais seis Copas na década de 1950, incluindo cinco conquistas consecutivas no final da década. Ele ainda viria a se tornar o maior goleador dos Habs de todos os tempos (544 gols), o primeiro jogador a marcar 50 gols na temporada de 50 jogos e um símbolo da comunidade franco-canadense.

Nos anos 1960 o sucesso só continuou. O já veterano Richard viu chegarem craques ao clube como Jean Bealiveau, segundo maior pontuador da história do time, Bernie "Boom Boom" Geoffrion, Dickie Moore e Doug Harvey. Também viu seu irmão mais novo, Henri, entrar para o elenco e em duas décadas tornar-se o jogador com o nome mais vezes inscrito na Copa (11 no total, nove como jogador e duas como técnico), além de ser o recordista de jogos pelos Canadiens (1256), com mais de 1000 pontos anotados. Richard também viu um inovador nascer para o hóquei, o goleiro Jacques Plante. Além de ser um excelente goleiro, Plante tornou-se famoso por ter sido o primeiro goleiro a usar uma máscara e também o primeiro a sinalizar o icing, levantando o braço. A década rendeu mais quatro títulos aos Canadiens, que já somavam incríveis 16 conquistas.

Nada fazia o mundo do hóquei crer que algo iria mudar. A década de 1970 começou com mais duas conquistas do elenco oriundo dos anos 1960. Novos talentos não paravam de brotar do gelo do Fórum. A próxima geração de estrelas incluia Guy Lafleur, maior pontuador da história do time, Yvan Cournoyer, Pete Mahovlich, Steve Shutt, Bob Gainey, hoje gerente geral da franquia, Serge Savard, Guy Lapointe e Larry Robinson, garantindo muitas glórias ao tricolor quebecois. Todos esses futuros membros do Hall da Fama levaram o time a mais quatro conquistas da Coupe Stanley. Não perca a conta, já são 22.

Scotty Bowman, que mais tarde estabeleceria o recorde de maior número de vitórias de um técnico na NHL, foi o treinador à frente das últimas cinco Copas ganhas pelos Habs nos anos 1970, década que também marcou muito a franquia. Marcou pelo aparecimento do goleiro Ken Dryden, que surgiu nos playoffs como um anônimo garoto de 20 anos e viria a se tornar um dos maiores da história. Marcou pelo duelo no ano novo de 1975, com o Soviet Red Army — ou CSKA Moscow para os russos —, time que dominava a liga soviética há muitos anos, no jogo que não só foi encarado como o duelo entre os dois melhores times da história, como também o duelo entre o capitalismo e o comunismo, no auge da Guerra-Fria. A partida terminou empatada com o placar em 3-3. Marcou também pela temporada 1976-77, em que os Canadiens perderam apenas oito vezes no tempo normal em 80 jogos, número inigualado até hoje. Marcou pela crise na província do Quebec, que tentava se separar do resto do país e viu tanques e soldados invadirem as ruas. Mas o time de hóquei não estava nem aí para isso e continuava a atropelar todos os concorrentes.

A primeira metade da década de 1980 — pela primeira vez nas últimas três décadas — os Canadiens de Montreal passaram sem levantar uma única Copa. O time do Quebec não era mais o mesmo. Agora, com um rival no estado, o Quebec Nordiques, o time, que se via sem a renovação de estrelas que foi peculiar nos últimos 30 anos, não conseguia bater de frente com os Islanders de Mike Bossy ou os Oilers de Wayne Gretzky. A Copa só voltou para seu destino preferido por causa de um jovem calouro, que repetira o que fez Ken Dryden na década de 1970, e entrara nos playoffs para levar o time ao título. Esse tal de Patrick Roy não só fez o time conquistar títulos, como revolucionou a posição de goleiro, mudando o estilo "em pé" de atuar para uma pose mais agachada, com a técnica apelidada de "borboleta". Isso aconteceu em 1986. 

Mais sete anos foram necessários para que os quebecois sorrissem de novo. Em 1993, mais uma vez o inspirado Patrick Roy levou o time de Carboneau, Lemieux e Desjardins a finalmente bater Wayne Gretzky, dessa vez jogando pelos Kings, trazendo a Copa para Montreal. Esse ano ajudou a reforçar o famoso mito do "Fantasma do Fórum", pois a equipe venceu 10 disputas de prorrogação seguidas nos playoffs.

Em 1996, mais um momento marcante na história do time. Os Canadiens estavam de mudança. O último jogo no sagrado Fórum marcou a franquia. Antes da partida, jogadores históricos do time foram chamados ao gelo, e, ao anunciarem Maurice "The Rocket" Richard, o público aplaudiu por ininterruptos seis minutos o ídolo maior da franquia. A nova arena, o Centre Bell, suporta três mil pessoas a mais que o Fórum, totalizando mais de 22 mil espectadores, que esgotam todos os ingressos a cada jogo. 

Em anos escassos e sem títulos, mais alguns momentos marcaram os Habs. Após uma luta louvável contra um câncer em estágio avançado, Saku Koivu voltou ao time em 2002, contrariando todas as expectativas médicas e fazendo o ginásio o aplaudir por muitos minutos. Em 2003, o Montreal participou do Heritage Classic, primeiro jogo a céu aberto da história da NHL e que deu origem ao atual Clássico de Inverno, contra o Edmonton Oilers. Em 2008, duas marcas para o time. Durante a vitória de 5-2 sobre o Florida Panthers, a franquia se tornou a primeira da NHL a atingir o número de três mil vitórias.  E, em um jogo contra o New York Rangers, no Centre Bell, após sair perdendo por 5-0, os Canadiens viraram a partida, no que veio a ser a maior virada de sua história.

Os Canadiens não só se limitam a ter mais Copas Stanley (24) do que qualquer outro clube de hóquei no gelo, como também estão em primeiro em aproveitamento — se comparados a times das outras três grandes ligas norte-americanas —, com 36,3% no índice de "vitórias/campeonatos disputados" (o Boston Celtics tem 27,8% e o NY Yankees 25%). A franquia também tem 41 jogadores no Hall da Fama da NHL e 15 camisas aposentadas em homenagem a 18 jogadores, além dos recordes individuais de mais pontos, mais gols, mais vitórias, mais assistências, mais penalidades e mais shutouts em uma temporada.

Le Club de Hockey Canadien, o clube profissional mais vencedor de todos os tempos na história do esporte mundial.

Bruno Sader é colunista dos blogs NHL Brasil e Canadiens Brasil e tem muito orgulho de ter morado em Montreal. Também grava, sempre que pode, ao lado de Igor Veiga, a Rádio Habitant, podcast de uma hora de duração sobre hóquei no gelo e o Montreal Canadiens.
Alain Studio/classicauctions.net
Maurice Richard com o disco com o qual marcou o seu 500º gol, em 1957.

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Os irmãos Richard: o jovem Henri "Pocket Rocket" (à esq.) e seu irmão mais velho Maurice "The Rocket".

AP
O eterno capitão Jean Beliveau com a Copa de 1971.

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O jogaço de 1975 contra o CSKA. Da esq. para a dir.: Pete Mahovlich, Vladislav Tretiak e Yvan Cournoyer.

Steve Babineau/Getty Images
O craque Guy Lafleur, que em 14 temporadas em Montreal venceu cinco Copas Stanley.

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Maurice Richard emocionado antes da última partida no Fórum, em 1996.

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Montreal Canadiens e Edmonton Oilers no Heritage Classic, em 2003.

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Patrick Roy durante a cerimônia de aposentadoria de sua camisa 33.

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Página publicada em 10 de janeiro de 2010.