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Por: Thiago Leal

Toda grande história precisa de antagonistas. Alguém que se oponha ao protagonista. Que tenha o objetivo de atrapalhar seus interesses, de vencê-lo. Isso acontece desde a vida real (os britânicos não se opunham à Independência dos Estados Unidos da América?) até a ficção, passando pelos quadrinhos (o que seria do Batman sem o Coringa?), pelo video game (você jogaria Counter Strike contra si mesmo?) e pelo cinema (a graça de Star Wars é o megavilão Darth Vader). Encarando a história da maior franquia de hóquei da história, o Montreal Canadiens, de um ponto de vista passional, este artigo identifica os maiores antagonistas que se opuseram e se opõem ao domínio tricolor, explicando o motivo das rivalidades.

O esporte e a rivalidade
O Real Madrid tem o Barcelona. E vice-versa. Essa mesma relação recíproca também acontece com New York Yankees e Boston Red Sox; com as Seleções de críquete da Índia e do Paquistão; e com as equipes esportivas da Universidade de Michigan e da Universidade Estadual de Ohio. No esporte, o antagonismo é visto como algo, até certo ponto, benéfico. Em alguns casos chega a se declarar que a coexistência mantém os rivais instigados a estarem sempre em boa forma, de modo a não dar ao seu adversário o gosto de derrotá-lo.

O formato da NHL, de recrutamento, teto salarial, renovação de contratos e etc. acaba gerando um giro de atletas muito maior, o que praticamente impede que esse fator onde o sucesso de um time é combustível para seu rival exista. Mas não é por isso que a rivalidade vai deixar de existir. E ao longo de seus 100 anos de história, o Montreal Canadiens acumulou rivais, tanto por razões políticas quanto por motivos meramente esportivos. O acúmulo de séries de pós-temporadas, as repetidas finais de Copa Stanley, a proximidade geográfica e as diferenças linguísticas deram aos Canadiens mais que troféus, mas também o ódio por parte de alguns times na NHL.

Montreal Crystals, Montreal Shamrocks, Montreal Wanderers e Montreal Maroons
A bandeira da cidade de Montreal possui quatro emblemas: a flor-de-lis que representa a França; a rosa vermelha de Lancaster representando a Inglaterra; o trifólio representando a Irlanda; e o cardo representando a Escócia. Até 1909, Montreal só havia sido contemplada por grandes clubes de hóquei que representasse as colônia inglesa (Crystals e Wanderers) e irlandesa (Shamrocks).

Quando os Canadiens surgiram, em 1909, foi um alento para a torcida francofônica de Montreal. Há seis anos a força dominante na cidade eram os Wanderers, que representavam a torcida da região, independentemente de se falar inglês ou francês. Os Shamrocks vinham em decadência, tanto que acabaram em 1910. Os Canadiens foram um divisor de águas na cidade, com a torcida francofônica passando a apoiá-lo, deixando os Wanderers para os ingleses. Na prática, então, o Montreal Wanderers foi o primeiro rival dos Canadiens. Essa rivalidade, no entanto, só durou na National Hockey Association, já que os Wanderers encerraram atividades na primeira temporada da NHL, no começo de 1918.

A chama da rivalidade entre moradores francofônicos e anglofônicos de Montreal voltou a se acender quando, em 1924, foi criado o Montreal Marrons. O princípio da rivalidade entre Canadiens e Maroons era exatamente baseado no princípio hereditário como aconteceu com Canadiens e Wanderers. Mas desta vez o inverso, já que os Canadiens passaram a concentrar a torcida da cidade, que voltou a se dividir quando os anglofônicos passaram a torcer pela nova franquia.

Canadiens e Maroons só se enfrentaram em duas ocasiões durante playoffs: em 1927 os Canadiens levaram a melhor nas quartas-de-final; e em 1928 foi a vez dos Maroons eliminarem os rivais nas semi-finais.

A rivalidade só acabou em 1938 quando os Marrons deixaram de existir.

Seis Originais
De 1942 a 1967 a NHL contou apenas com seis times: Canadiens, Toronto Maple Leafs, New York Rangers, Boston Bruins, Detroit Red Wings e Chicago Black Hawks. A princípio essas rivalidades eram maiores dentro dos limites geográficos. Canadiens e Leafs; Rangers e Bruins; Wings e Hawks. Mas como a frequência de jogos entre os seis times era grande, a rivalidade foi desenvolvendo entre todos. O fator é até hoje conhecido como Rivalidade dos Seis Originais. Ted Montgomery, jornalista do USA Today, disse em seu artigo traduzido por Marcelo Constantino na edição de número 40 que consegue imaginar os seis jogando entre si e se odiando com paixão, fazendo referência a este tempo em que cada uma das franquias enfrentava a outra 14 vezes por temporada. Não há como não fomentar uma rivalidade assim.

O epicentro de toda esta rivalidade era justamente o Montreal Canadiens, que neste período de 25 temporadas conquistou dez Copas Stanley. O Toronto Maple Leafs não ficava atrás, tendo conquistado nove Copas Stanley dentro da era dos Seis Originais. Então vamos saber um pouco mais desta que é minha rivalidade preferida nos esportes — ao lado de Boston Red Sox vs. New York Yankees, Newell's Old Boys vs. Rosario Central, Fenerbahçe vs. Galatasaray e Celtic vs. Rangers.

Canadiens-Maple Leafs
Uma rivalidade por princípio. O Montreal Canadiens representa o Canadá Francês. É o time da maior cidade da província do Quebec. O Toronto Maple Leafs representa o Canadá Inglês. É o time da maior cidade canadense, daquela que é considerada o grande centro cultural do país, mesmo não sendo sua capital nacional, assim como acontece com Nova York nos Estados Unidos da América ou com São Paulo no Brasil. A rivalidade, aliás, chega a ser independente de Canadiens e Leafs. É uma rivalidade entre as duas cidades, Toronto e Montreal, que também se estende a outros meios. Canadiens estão representando Montreal e Leafs Toronto. Se fosse uma partida de beisebol entre Toronto Blue Jays e o extinto Montreal Expos teria o mesmo valor. Mas como estamos falando de hóquei no gelo, o esporte nacional do Canadá, a rivalidade ganha mais importância dentro dos valores já explicados.

Os Canadiens foram fundados em 1909. Os Maple Leafs em 1917 com o nome Toronto Blueshirts — só veio a se chamar "Maple Leafs" dez anos depois. Ambas são equipes fundadoras da NHL. Portanto, desde que existe a NHL, existe o confronto entre Toronto e Montreal, fazendo desta a rivalidade mais antiga da história da liga.

Além dos fatores geopolíticos, uma rivalidade de hóquei precisa envolver fatores puramente esportivos — ou seja, o jogo em si. Até hoje, Toronto e Montreal se encontraram em playoffs da NHL 15 vezes, sendo 12 delas de 1944 a 1978, o último confronto de pós-temporada entre os dois. A primeira edição da NHL teve como finalistas essas duas equipes, com vitória do Toronto. Foi a primeira das seis vezes que a Copa Stanley foi decidida entre os dois clubes, com o Toronto levando a melhor em quatro ocasiões. Mas em análise geral de playoffs, os Canadiens levam vantagem, com oito vitórias contra sete dos Leafs.

Mas como toda boa rivalidade, esta não fica restrita ao confronto entre os dois times. Os Canadiens terem 24 Copas Stanley contra "apenas" 13 dos Leafs é motivo para contar vantagem. E o que dizer então do fato de que a última Copa do Toronto ter sido em 1967, na última temporada antes da expansão, enquanto os Canadiens levantaram a Copa dez vezes depois, tendo a última sido em 1993?

Canadiens-Bruins
Os maiores arqui-rivais da NHL de facto. Diferentemente dos Leafs, onde há um princípio para a rivalidade existir, uma rivalidade contra os Bruins só aconteceria por motivos totalmente desportivos. O principal combustível desta rivalidade não poderia ser outro senão os playoffs. Nenhuma série se repetiu tanto em pós-temporada quanto Canadiens e Bruins. E nenhuma tem uma diferença tão grande de resultados: em 32 encontros foram 24 vitórias dos Canadiens contra apenas oito dos Bruins. 18 dessas séries aconteceram entre 1946 e 1987, com vitória dos Canadiens em todas elas.

A origem do ódio entre Bruins e Canadiens vem da década de 1950, quando os canadenses derrotaram os bostonianos em três finais de Copa Stanley. Ao longo desses anos foram muitas brigas, boa parte delas entre os anos 1950 e 1970. Uma briga famosa é a do sétimo jogo das semi-finais de 1952 que quase tirou Maurice Richard da partida. The Rocket retornou ao rinque para marcar o gol vencedor que levou os Canadiens às finais, que o Montreal acabou perdendo para o Detroit Red Wings.

A soma geral de resultados dá 694 jogos de temporada regular com 333 vitórias dos Canadiens e 256 dos Bruins, além de 105 empates. Os dois times já decidiram a Copa Stanley sete vezes, com vitória dos Canadiens em todas.

Para quem achava que é Vasco ou Botafogo os times que deveriam ter fama de vice...

Batalha de Quebec
Diferentemente da Batalha de Alberta entre Edmonton Oilers e Calgary Flames e da Batalha de Ontário entre Toronto Maple Leafs e Ottawa Senators, a de Quebec está extinta, o que é uma pena.

Esta rivalidade se iniciou em 1979, quando o Quebec Nordiques mudou da extinta World Hockey Association para a NHL. Desde o fim dos Maroons em 1938 a província de Quebec não tinha mais de uma equipe na NHL. Os Quebec Bulldogs que tiveram sua chance em 1919 só duraram uma temporada. Os Nordiques chegaram para oferecer aos Canadiens um rival que também falasse francês.

Em 1982 os Canadiens lideraram a Divisão Adams enquanto os Nordiques classificaram-se em último lugar. As duas equipes se enfrentariam na primeira rodada dos playoffs. E os Nords venceram por 3 jogos a 2, derrotando na sequência justamente o Boston Bruins. Essa série entre Canadiens e Nordiques esquentou uma rivalidade surgida por princípio geopolítico — a capital de Quebec contra a maior cidade de Quebec. Os contornos mais dramáticos foram ganhos durante a série de final de divisão de 1984 numa briga que tirou 12 jogadores do jogo.

E as torcidas eram um espetáculo à parte. Apaixonadas, gritavam e cantavam o jogo inteiro. Mesmo sendo consideravelmente menor, a torcida dos Nordiques era tão barulhenta quanto a dos Canadiens, e às vezes mais. Me pergunto se hoje em dia ela canta para os Canadiens ou segue órfã de alguma franquia maior.

Canadiens-Senators?
A primeira partida do Ottawa Senators na NHL foi uma vitória por 5-2 sobre os Canadiens, numa temporada em que o Montreal acabou ficando com sua primeira Copa Stanley.

A verdade é que não existe uma rivalidade em si entre Senators e Canadiens. Se o Ottawa Senators fosse a antiga franquia que ajudou a fundar a NHL, sem dúvida existiria rivalidade. Como são outros Sens, surgidos já numa época diferente, onde a franquia já ultrapassou o clube, e é uma franquia ainda muito nova, com "apenas" 17 anos de atividade, ainda não houve história o suficiente para que uma rivalidade venha a se formar. Levemos em conta ainda que nunca houve uma série de playoffs entre Canadiens e Senators — e se tem uma coisa que forma rivalidades chama-se pós-temporada.

Existe, sim, um princípio para a rivalidade, que é, novamente, a questão de Montreal contra uma equipe de Ontario — ainda mais a equipe da capital canadense. Mas para que ela exista, é necessário que haja confrontos mais intensos.

Thiago Leal indica Umbigo Sem Fundo, de Dash Shaw.
Roger St. Jean
Trégua? O goleiro do Boston, Jim Henry, com um olho roxo, cumprimenta o lendário Maurice Richard, com o supercílio aberto, na histórica série de 1952: Canadiens-Bruins é isso aí.
(08/04/1952)

AP/Chris Young
Abertura da temporada 2009/10: a rivalidade não muda com o tempo. Não é apenas um Canadiens vs. Maple Leafs. É um Montréal vs. Toronto.
(01/10/2009)

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Página publicada em 10 de janeiro de 2010.