Por: Humberto Fernandes

Pense naquele filme de luta, mais precisamente na cena em que o mocinho é espancado sem dó pelo vilão até que, de repente, como por milagre, ele respira fundo, se põe de pé e passa a desferir golpes e a dominar a briga como se nada tivesse lhe acontecido segundos antes. No fim, e é sempre assim nos filmes, mesmo machucado, exausto e sem forças, o mocinho é o vencedor.

Essa é a história da temporada do Detroit Red Wings, marcada pela reviravolta de um time que passou a maior parte da campanha fora da zona de classificação para os playoffs e que, repentinamente, com os Jogos Olímpicos no papel de "momento milagroso", se levantou e passou a jogar como campeão.

Entre dezembro e fevereiro, os Red Wings disputaram 35 jogos, quase metade de toda a temporada. Nesse período, venceram 15 jogos e perderam 20 (sendo oito na prorrogação ou pênaltis), conquistando 38 dos 70 pontos possíveis, o que significa um aproveitamento de 54%, bom o bastante para uma campanha de 89 pontos ao fim de 82 jogos. Desde o locaute, nenhum time se classificou com menos de 91 pontos e a projeção do ponto de corte para esta temporada é de 94 pontos.

Ao fim de fevereiro, os Red Wings apareciam na tabela com 68 pontos em 61 jogos, a pelo menos 26 pontos (62% do restante) de distância dos playoffs, um longo caminho para quem se acostumou a jogar terrivelmente mal, tanto ofensiva quanto defensivamente, carecendo de força de vontade em vários momentos de quase todos os jogos. A torcida acostumou-se a ver o time se esforçando por um ou dois períodos, nunca pelos 60 minutos de cada noite. Tantas foram as vezes em que o Detroit, com um, dois ou até três gols de diferença, saiu do gelo derrotado.

Vieram as Olimpíadas e o Detroit foi um dos times que mais se beneficiou da paralisação da liga. Aquelas duas semanas serviram para recuperar os jogadores contundidos e para descansar os demais, até mesmo os que foram para Vancouver defender suas respectivas seleções.

A vitória logo no primeiro jogo do retorno, contra o Colorado Avalanche, não valeu apenas pelo triunfo sobre o ex-rival. Era a primeira prova concreta de que o time poderia reagir e ser mais competitivo. Esse sentimento foi momentaneamente anulado pela derrota no jogo seguinte, contra o Vancouver Canucks.

Depois da vitória sobre o Nashville Predators, os Wings foram a Chicago enfrentar os Blackhawks, um dos líderes da Conferência Oeste e entre os favoritos a ganhar a Copa Stanley. Com cinco gols no segundo período, o Detroit virou o jogo para 5-2 e conquistou uma vitória inesperada.

A torcida ficou eufórica pelo resultado diante do Chicago e o nível de confiança chegou ao mais alto grau desde outubro. Talvez por isso o momento seguinte tenha sido o mais baixo de toda a campanha. Contra o Calgary Flames, em Detroit, os Wings perderam um daqueles jogos de quatro pontos, contra um adversário direto na luta pela classificação. O time foi tão bipolar quanto nos piores momentos de janeiro. Naquela noite, os torcedores dormiram de cabeça inchada e xingando todo mundo, de Ken Holland (gerente geral) a Mike Babcock (treinador), de Nicklas Lidstrom (capitão) a Jason Williams (atacante da quarta linha).

Contra o Minnesota Wild, a vitória era obrigação. Contra o Buffalo Sabres, não, mas era preciso recuperar os pontos perdidos.

A segunda metade do mês de março colocou os Red Wings na estrada, no oeste canadense, naquele que deveria ser o maior obstáculo até os playoffs.

No primeiro jogo, em Calgary, um gol de Tomas Holmstrom a 79 segundos do fim representou o troco contra os Flames pelo confronto da semana anterior. Quatro dias depois, diante do Edmonton Oilers, o pior time da liga, liderado por um goleiro (Devan Dubnyk) que ainda não havia vencido o seu primeiro jogo na NHL (em dez tentativas), o Detroit conseguiu salvar um ponto não merecido com o gol de Brian Rafalski no último segundo, que levou o jogo para a prorrogação. Jogando pela segunda noite consecutiva e com apenas dez atacantes em vez dos 12 convencionais, os Wings, surpreendentemente, massacram o Vancouver com 54 chutes a gol, o mais importante deles de novo no último segundo, agora da prorrogação. O gol de Henrik Zetterberg garantiu a vitória inesperada.

De volta para casa, o próximo desafio seria o Pittsburgh Penguins, adversário das últimas duas finais da Copas Stanley. Zetterberg roubou o jogo, com dois gols, mas o jogador que mais empolgou a torcida foi o goleiro Jimmy Howard. No último lance do jogo, mesmo após o apito final, Sidney Crosby atingiu Zetterberg com empurrões. Howard, a que tudo assistia, intercedeu por seu companheiro, avançando até o capitão dos Penguins e enfiando-lhe a mão na cara. O goleiro ganhou a admiração irrestrita da minoria da torcida que ainda não gostava dele.

Depois da vitória, Zetterberg declarou que sabia, sem precisar se virar para conferir, que era Crosby naquele lance. Howard disse que Crosby sempre faz esse tipo de coisa e que estava na hora de pagar por isso.

A vitória sobre o St. Louis Blues, na quarta-feira, foi a confirmação da ótima fase do time, vencedor de seis dos últimos sete jogos. O jogo também mostrou que a sorte agora está do lado de Detroit, que marcou três gols em falhas do goleiro dos Blues.

Com 9-2-1 em 12 jogos depois das Olimpíadas, os Red Wings chegaram a 87 pontos na classificação, abrindo quatro de vantagem para o Calgary com o mesmo número de jogos disputados (73). A boa campanha deixou o time próximo de subir na tabela, ameaçando as posições de Nashville, Colorado e Los Angeles Kings.

O destino do Detroit mudou quando os melhores jogadores do time, na teoria, passaram a ser, também na prática, os melhores jogadores do time. Em março, Zetterberg marcou sete gols e 17 pontos e Datsyuk fez seis gols e 11 pontos. Quando os "gêmeos europeus" estão dominando, geralmente os Red Wings vencem.

Dois fatores contribuíram para resgatar a ofensividade até então perdida do time, que tinha um dos piores ataques da competição. Primeiro foi o retorno de Johan Franzen, dono de mãos ágeis e um chute poderoso, que teria mais de 30 gols na temporada se não tivesse perdido 55 jogos por contusão. Depois veio a decisão de Babcock de reunir Valtteri Filppula e Zetterberg na segunda linha, em vez de deixar o finlandês ao lado de companheiros inexpressivos nas unidades inferiores. O melhor técnico, na teoria, tem que ser, também na prática, o melhor técnico.

O time de hoje não se parece com aquele que perdeu dois jogos seguidos em casa sem marcar gols e que levou 6-0 do New York Islanders. Mudou a escalação, com a volta de jogadores fundamentais que passaram boa parte da temporada contundidos, e mudou a atitude, explicada pelo desespero.

Os Red Wings colocaram a perder a sequência de 18 anos seguidos de classificação aos playoffs, a maior de todos os esportes norte-americanos, mas acordaram em tempo de salvar a temporada.

É bastante provável que o time se classifique entre a sexta e a oitava posições, o que já causa temor nos líderes da Conferência Oeste. Ninguém quer enfrentar o mocinho.

Humberto Fernandes não se esquece do que aconteceu no dia 26 de março de 1997.

Gregory Shamus/Getty Images
Quem quer enfrentar o Detroit Red Wings na primeira fase dos playoffs?
(11/03/2010)

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Página publicada em 26 de março de 2010.