Quem vê o Philadelphia Flyers nos últimos anos, já deve ter se acostumado com o eterno problema da equipe com a falta de um goleiro confiável, que pudesse chamar para si a responsabilidade de levar o time à Copa Stanley, fato que não ocorre há 30 anos. Nomes como Nittymaki, Biron, Esche, Boucher, Cechmanek, isso para ficarmos nos mais recentes, embora sejam até bons goleiros (do contrário nem teriam chegado à NHL), não conseguem (ou conseguiram) ganhar a confiança da exigente torcida laranja. Torcida essa que teve nos áureos anos de títulos o lendário Bernie Parent (que apenas este ano, graças às facilidades de prorrogações e disputas de pênaltis teve seu recorde de vitórias em uma temporada quebrado) sob suas traves, e na década seguinte, aquele que fora seu fã, e que se não fosse o destino lhe reservar um momento tão trágico, poderia até ter conseguido repetir suas façanhas. Falamos de Per-Erik Lindbergh, ou apenas "Pelle", um goleiro que, apesar de uma carreira tão curta, se tornou herói na Philadelphia, e um verdadeiro deus na sua Estocolmo.

Nascido nos arredores de Estocolmo em maio de 1959, Lindbergh descobriu cedo sua paixão pelo hóquei, que começou a jogar aos 4 anos, e em especial pela posição de goleiro, em que se concentrou um ano mais tarde. Curiosamente, um goleiro canadense, Seth Martin (longe de ser um grande ídolo), acabou sendo sua inspiração para se tornar um goleiro, aliada à baixa estatura do garoto, que sabia que ser um jogador de linha de sucesso seria ainda mais difícil. Aos 10 anos, começou a jogar em seu primeiro time, o time infantil do Hammarby (um celeiro formador de talentos na Suécia), onde conheceu Curt Lindström, ex-treinador da seleção sueca, que mesmo diante de um garoto, via em Pelle potencial para ser um dos grandes do esporte. Foi Lindström quem mostrou a Lindbergh aquele que viria a ser seu modelo de jogador: Bernie Parent, que acabara de conquistar a Copa Stanley do outro lado do Atlântico pelos Flyers. E a idolatria de Lindbergh por Parent era tanta que Pelle passou a usar uma máscara igual a de Parent, passou a imitar seu estilo de jogo, e obviamente, passou a perseguir o sonho de jogar na NHL, e pelos Flyers por quem ele se apaixonou (mesmo em uma era onde goleiros europeus raramente faziam sucesso na América, muito menos na NHL). Prova dessa paixão pode ser vista quando Pelle, em uma excursão com o time infantil do Hammarby ao Canadá, comprou uma camisa do time, mesmo tendo a oportunidade de jogar no templo chamado Maple Leaf Gardens.

Após vencer o Campeonato Europeu Junior em 1977, Lindbergh se tornou profissional 2 anos depois, passando a defender o famoso AIK de Estocolmo, que atravessava momentos difíceis, com a perda de alguns jogadores importantes que seguiram o rumo da América. Mas Lindbergh não se importou, e apesar de uma campanha mediana da equipe, que ficou em 5.º lugar na Elitserien de 1979, seus 31 jogos e dois shutouts já indicavam que se tratava de um jogador especial. E quando defendeu sua seleção no Mundial Junior daquele ano, não decepcionou, levando as "Três Coroas" ao vice-campeonato e faturando o prêmio de melhor jogador do torneio. A NHL já começava a parecer um sonho possível, e no recrutamento daquele ano, o seu Philadelphia Flyers, cujo logo Lindbergh estampava em seu capacete, o selecionou na segunda rodada (até porque não era segredo para ninguém o desejo de Lindbergh em ser um Flyer), com a 35.ª escolha daquele ano. Após mais exibições de gala com a seleção sueca, faturando medalhas de bronze no Mundial adulto de 1979 (com apenas 19 anos) e nas Olimpíadas de Inverno de 1980, Lindbergh estava pronto para realizar seu sonho: jogar na NHL. Ao final da temporada 1979-80, os Flyers assinaram com Lindbergh e seu colega Thomas Eriksson (também selecionado no recrutamento de 1979), e em julho de 1980, Lindbergh aterrisava em Philadelphia, onde pode conhecer Parent, que se tornara treinador de goleiros do time.

No entanto, os Flyers, recém-vindos de um vice-campeonato na Copa Stanley, e com Pete Peeters se tornando o número 1 da equipe, não o consideraram pronto o suficiente para a NHL, e o mandaram para sua filial na AHL, em Maine. Um período normal de adaptação a um novo estilo de jogo, rinques menores, mas nada que abalasse o entusiasmado Lindbergh, que já era conhecido por ser um goleiro extremamente ágil e ótimo patinador. Desta forma, ele abocanhou com o Maine Mariners os prêmios de Calouro do Ano, Goleiro do Ano, e Jogador Mais Valioso da AHL, além do vice-campeonato da Copa Calder. E o que parecia uma rápida transição para o grande palco, acabou se tornando frustração, quando na pré-temporada de 1981, Lindbergh foi novamente enviado para o afiliado dos Flyers. Eriksson, que já havia jogado pelos Flyers, acabara por rescindir seu contrato para voltar à Suécia, e logo Pelle pediu para ser negociado, por achar que já era hora de jogar na NHL. Keith Allen, então Gerente Geral dos Flyers, sabendo que poderia perder seu "projeto", convenceu Lindbergh que aguardasse seu momento. E em 31 de outubro de 1981, Pelle Lindbergh fazia sua sonhada estréia com a camisa dos Flyers. Não foi a melhor das estréias, afinal uma derrota para Buffalo e uma desidratação não era o que ele tinha em mente. Aliás, desidratações eram um problema na carreira de Lindbergh, que o fez levar sempre uma garrafinha com líquidos para o gelo, deixando-a no topo do gol. Ele foi o primeiro goleiro da NHL a fazer isso, o que hoje é feito por goleiros no mundo todo.

Veio a temporada 1982-83, e o momento da verdade para Lindbergh. Pete Peeters acabara de ser negociado com o Boston Bruins, o que abriria uma vaga permanente para Pelle no elenco principal dos Flyers. E como calouro, ele não desapontou, sendo inclusive eleito para o Jogo das Estrelas. No entanto, seu espírito competitivo falou mais alto quando, mesmo em um jogo tradicionalmente altamente ofensivo, seus sete gols sofridos em 30 minutos (quatro de Wayne Gretzky), foram considerados por ele como "humilhantes". No ano seguinte, no entanto, o conto de fadas parecia destinado a um final infeliz. Uma temporada terrível, que o fez inclusive ser enviado de volta para a AHL, a fim de evitar o constrangimento das vaias dos ruidosos torcedores da Philadelphia. Em ambas, eliminações precoces nos playoffs o fizeram perder ainda mais sua confiança. Mas como o mundo dá voltas, a de Lindbergh durou uma temporada. Em 1984-85, o sueco voltaria com força total. Já com o antigo capitão Bobby Clarke no posto de Gerente Geral, e com um jovem e arrojado Mike Keenan como treinador, foi dado a Lindbergh um voto de confiança para voltar a ser o titular do gol nos Flyers. Com um novo e rejuvenescido elenco à sua frente, os Flyers se tornaram uma sensação novamente, e seu goleiro, relembrando os tempos de brilhantismo da seleção sueca e da própria AHL. E Lindbergh brilhou como nunca na sua curta carreira na NHL, com uma média de 3 gols sofridos por partida, e 90% de defesas. Números que carregaram os Flyers de volta às finais de Copa Stanley (onde perderam para o Edmonton Oilers), e que deram a Lindbergh a indicação ao primeiro time da NHL (o segundo sueco a recebr tal honraria, após Borje Salming nos anos 70), e o Troféu Vezina de melhor goleiro (em uma cerimônia onde recebeu o troféu de Parent). A virada na carreira de Gumper (como era chamado pelos companheiros de Flyers, por ser pequeno como um famoso goleiro do passado, Gump Worsley).

1985-86. Um temporada que começou brilhante para Pelle, que estaria por atingir o auge de sua carreira e os Flyers, que apareciam como primeiros favoritos ao título da Copa Stanley. Após um jogo contra Chicago no dia 6 de novembro, Mike Keenan descansou para seu goleiro no jogo do dia 9. Como os Flyers vinham em ótima campanha e teriam alguns dias de folga, os jogadores foram então comemorar em um bar próximo ao centro de treinamentos dos Flyers. Lindbergh, que já tinha ido para em sua casa, hospedando sua mãe e sua namorada, acabou aceitando o convite e se dirigiu para a festinha. Jogadores de hóquei naquele tempo já tinham uma reputação de exageros nas doses de bebidas. Aparentemente com Lindbergh não era diferente. Embora desde seus tempos de Suécia ele era tido como um homem responsável, que não dirigia mesmo com um mínimo de álcool, naquela noite ele parece ter esquecido de tudo aquilo. Não imaginava que seus reflexos, tão apurados no gelo, o trairiam na estrada, se julgava invencível, como nos rinques. Já passavam de 5 da manhã, quando ao dirigir de volta para sua casa, a bordo de seu Porsche (carro que ele, como admirador da velocidade, comprara sob medida), em uma velocidade estimada em 140 km/h, e com seus reflexos já prejudicados pelo álcool, chocou-se contra o muro de uma escola em New Jersey, ao não conseguir fazer uma curva fechada. Os relatos dizem que não houve tentativa de freada até praticamente o momento da colisão. O teto do carro fora inclusive arrancado com a batida, mostrando a agressividade do choque.

O saldo do acidente foi trágico. Pelle teve fratura nas pernas, costelas, mandíbula, e danos no cérebro que sua fizeram com que sua respiração e batimentos cardíacos foram interrompidos. Na chegada ao hospital, a pior das notícias. Pelle Lindbergh teve declarada morte cerebral, acabando com a vida de um dos mais promissores goleiros de sua geração, que teve uma carreira tão bruscamente abreviada. Seus dois acompanhantes no carro sofreram algumas contusões, mas sobreviveram ao acidente. Mas como prova do grande homem que era, reconhecido por todos que conviveram com ele, que dele diziam ser um excepcional companheiro (inclusive seu mentor Bernie Parent, de quem se tornou amigo íntimo), após a chegada de seu pai da Suécia, quando finalmente seus aparelhos de respiração artificial foram desligados, Lindbergh teve seus órgãos doados para transplante e acabaram por salvar a vida de outras pessoas. Nas palavras de Mike Keenan, "sua última, e maior, defesa".

Na Philadelphia e na Suécia, fãs ou não do hóquei ficaram estarrecidos com as notícias daquele dia 10. Os Flyers prestaram sua homenagem no jogo do dia 15 contra os Oilers, um memorial de mais de 20 minutos no gelo do Spectrum, seguidos de uma emotiva vitória sobre a temida equipe de Wayne Gretzky por 5 a 3, um dia após seu funeral (até hoje, no entanto, sua camisa 31 não foi imortalizada, embora milhares de fãs dos Flyers se mobilizem para que isso seja feito). Sigge, pai de Pelle, agradeceu a cada um pelo tributo. No vestiário, o armário vazio, apenas com uma bandeira da Suécia foi a forma de recordar o goleiro que partira (desde 1993, o Philadelphia Flyers oferece o Prêmio Memorial Pelle Lindbergh, ao jogador da equipe que mais evolui ao final de cada temporada). De volta a Suécia, um segundo funeral, e o enterro de Pelle se tornou outro momento de grande emoção para a família Lindbergh, a ex-namorada Kerstin (com quem Pelle se casaria no ano seguinte), e para membros dos Flyers que atenderam à cerimônia, entre eles Thomas Eriksson, com quem Lindbergh dividira seu sonho de se tornar um profissional da NHL. E que conseguira, mostrando ser possível conseguir aquilo em que se acredita, o que certamente incentivou muitas crianças a se tornarem jogadores de hóquei. Que vêem em Pelle Lindbergh o que este via em Bernie Parent, um ídolo, um modelo a ser seguido. E, se até hoje, quase 22 anos depois de sua morte, na Suécia e na Philadelphia, e agora na theSlot.com.br, homenagens lhe são rendidas, é por que Lindbergh foi mais que um goleiro, foi a prova de que sonhos existem para serem realizados.


Per-Erik "Pelle" Lindbergh
Goleiro, Nascido em 24/05/1959 em Estocolmo, Suécia.
Falecido em 10/11/1985 em Somerdale, New Jersey, Estados Unidos.
1,75 m e 80 kg.

Carreira na NHL — sempre pelos Philadelphia Flyers (1981 a 1985):
Temporada regular: 157 jogos, 87 vitórias, 49 derrotas, 15 empates, 9.151 minutos, 503 gols sofridos, sete shutouts, média de 3,30 gols por partida.
Playoffs: 23 jogos, 12 vitórias, dez derrotas, 1.214 minutos, 63 gols sofridos, três shutouts, média de 3,11 gols por partida.
Títulos e Premiações:
1.º time de Calouros da NHL - 1983
Troféu Vezina (melhor goleiro da NHL) - 1985
1.º time da NHL - 1985
Troféu Prince of Wales (Conferência Leste) - 1985

• Capa
• Editorial
• Umas poucas linhas
• A três passos do paraíso
• Foi por pouco
• Uma realidade breve, um sonho eterno
• Maldito segundo lugar!
• Descansem em paz, Habs (e Leafs)
• Um louco fim de temporada do passado
• Primeira fase no Leste: nossos pitacos
• Primeira fase no Oeste: nossos pitacos
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