Por: Thiago Leal

Tem uma máxima no esporte que diz que o "segundo é o primeiro dos últimos". Outra, "você não ganha o segundo lugar, você perde o primeiro". Há quem diga que é como "beijar a própria irmã" e tem gente que fala que "ninguém lembra do número dois". Pois bem... lembraremos. E não é de uma forma nada animadora — principalmente se você é torcedor do Anaheim Ducks ou do New Jersey Devils. Estamos falando da maldição do segundo lugar!

Desde a temporada 1993-94, quando acabaram-se os playoffs de divisão e a conferência passou a ser decidida diretamente nos playoffs de conferência, com vantagem de mando de gelo para os campeões de divisões, em cada uma das 12 edições de pós-temporada, com exceção da temporada 1995-96, um sétimo lugar eliminou surpreendentemente um segundo colocado — sempre favorito na ocasião. O mais assustador é o efeito que isso tem sobre o vencedor...

Em 1993-94, o Calgary Flames venceu a Divisão do Pacífico com sobras — 12 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, que era justamente o Vancouver Canucks. Longe de ser favorito num ano onde os Wings, os Pens e os Rangers voavam, se esperava que, no mínimo, os Flames passassem por cima dos Canucks, sétimo lugar na Conferência Oeste. O problema é que os Nucks tinham a seu favor um ponto de desequilíbrio: Pavel Bure, autor de 60 gols na temporada. No jogo um, em Calgary, os Canucks já se impuseram, vencendo os Flames por 5-0. A franquia de Alberta não se abalou e se recuperou, vencendo os três jogos seguintes e abrindo 3-1 na série. Teria mais dois jogos em casa. Um momento para torcedor nenhum dos Canucks se esquecer: o Vancouver virou novamente a série em três prorrogações — a última delas, Jogo 7, em dois períodos em Calgary por 4x3, com gol decisivo de Pavel Bure (que você pode visualizar aqui). Com a vitória, os Canucks atropelaram o Stars (4-1) e os Leafs (4-1) na seqüência dos playoffs e só caíram na Copa Stanley, em sete jogos numa série memorável contra os New York Rangers.

Na mesma temporada, pela Conferência Leste, os Capitals foram ainda mais surpreendentes. Venceram o favorito Pittsburgh Penguins de Mario Lemieux em seis jogos, fechando a série em 4-2. Os Caps foram eliminados pelos Rangers na rodada seguinte por 4-1.

Já na temporada seguinte foi a vez dos mesmos Flames amarelalem na primeira rodada. Novamente segundo colocado, o Calgary enfrentou o San Jose. Iniciou a série perdendo por dois jogos. Virou a série para 3-2, mas sucumbiu aos Sharks que devolveram a virada e com 4-3 (5-4 no último jogo, mais uma vez com dois períodos de prorrogação) venceram a série. Não foram longe demais. Levaram varrida de 4-0 nas semifinais de conferência contra os Wings.

O fenômeno se repetiu na temporada 1996-97. Os Stars já ensaiavam o título que viria duas temporadas depois e terminaram em segundo lugar na Conferência Oeste. Tinham pela frente os Oilers, que há muito tempo já não era o grande time que abriu dinastia na NHL. Ainda assim, se saíram melhor e superaram o Dallas em sete jogos, com três de suas quatro vitórias na prorrogação. Duas dessas prorrogações, incluindo o Jogo 7, foram vencidas em Dallas — os Oilers venceram um outro jogo em Dallas, mas no tempo normal, por 4-0. Também não foram longe e caíram na semifinal para o Colorado Avalanche.

Em 1997-98, lá estavam os Oilers de novo pregando peça no segundo colocado. O triunfo desta vez foi sobre os algozes da temporada anterior, o Colorado Avalanche, novamente em sete jogos. Os Oilers começaram na frente, vencendo os Avs em Denver por 3-2. Depois, viram a franquia rival virar a série em 3-1 e colocar as duas mãos na vaga. Surpreendentemente, o Edmonton subiu de produção, venceu os três jogos restantes, dois deles em Denver, inclusive o último por 4-0 e, provando que essas vitórias heróicas não lhe serviam de estímulo, caiu ante o Dallas Stars, de quem foi algoz na temporada anterior, por 4-1. Enquanto isso, no Leste, o segundo colocado Pittsburgh Penguins também via suas chances de genhar sua terceira Copa irem por água abaixo de cara: os Canadiens adiaram o sonho ao eliminar os Pens em seis jogos, 4-2, com jogo decisivo em Montreal vencido pelos donos da casa por incontestáveis 3-0. O Montreal foi varrido pelo Buffalo na série seguinte.

A primeira varrida por parte de um sétimo sobre um segundo lugar aconteceu em 1998-99, junto com o surgimento da fama de amarelão do Ottawa Senators. Os Sens sobraram naquela temporada, conquistaram a Divisão do Nordeste e ficaram em segundo lugar no Leste e terceiro na Liga. De nada adiantou. Nas quartas-de-final de conferência encarou o Buffalo Sabres e levou acachapantes 4x0. Daí em diante, passou por mais duas séries pouco complicadas (4-2 nos Bruins, 4-1 nos Leafs) até chegar à Copa Stanley. Mas ela já estava reservada para o Dallas Stars e seus magníficos 114 pontos na temporada regular.

Uma temporada depois e o Pittsburgh Penguins devolvia a eliminação que os Capitals impuseram em 1994. Da série, resolvida em cinco jogos, é memorável a abertura com os Pens vencendo os Caps na capital estadunidense por 7-0. O Pittsburgh esmagou o Washington com 17 gols marcados e apenas 8 gols sofridos. Abriu 3-0 e, depois de perder o Jogo 4, venceu o Jogo 5 fora de casa por 2-1. Nas semifinais, fez dois jogos a zero no rival Philadelphia Flyers, mas tomou virada na série e fora eliminado por 4-2.

Em 2000-01 mais uma varrida no Leste, mais uma vez sobre os Senators. E nada pior que levar essa varrida do seu maior rival, o Toronto Maple Leafs, que tinha tido 19 pontos de desvantagem para o mesmo Ottawa Senators na temporada regular. Não teve jeito. Com quatro vitórias, sendo duas delas na prorrogação, os Leafs resolveram a série. Mas emocionante mesmo foi o que aconteceu no Oeste. Os Kings iriam enfrentar os sempre favoritos Detroit Red Wings. Como de praxe, os Wings abriram a série vencendo, e repetiram o resultado no Jogo 2. Vantagem zerada com os jogos em Los Angeles, onde os Kings venceram e empataram a série. Ganharam fôlego, viraram a série em Detroit e, ao voltar para o último jogo em LA, derrotaram os favoritos Wings por 3-2, com gol decisivo marcado aos cinco minutos da prorrogação. Ambos, Leafs e Kings, foram eliminados nas semifinais de conferência por 4x3.

Os Sens puderam sentir o gostinho de ser o algoz de uma amarelada na temporada 2001-02. Em sétimo lugar na Conferência Leste, o Ottawa Senators teve pela frente o campeão do Atlântico Philadelphia Flyers. Como favoritos, os Flyers começaram a série vencendo, de forma muito pouco convincente: 1-0, em casa, na prorrogação com quase oito minutos. Frouxo, não deu outra para o Philadelphia. Perdeu os quatro jogos seguintes, dois deles em casa, sendo o jogo 5 na prorrogação, e deu adeus aos playoffs. Quanto aos Senators? Voltou a amarelar. Tomou dos Leafs em 4-3 na semifinal de Conferência. Ê, freguesia...

A temporada 2002-03 é memorável para qualquer torcedor do Anaheim Ducks, à época Mighty Ducks of Anaheim. Os patinhos, ainda sob as asas da Disney, foram responsáveis por uma das maiores varridas da histórias da NHL. Isso porque ela foi sacramentada sobre os então campeões Detroit Red Wings. A vitória inspirou o time comandado por Mike Babcock e liderado no gelo por Paul Kariya. Os Ducks não tiveram dificuldades em chegar à Copa Stanley, passando pelo líder da conferência Dallas Stars nas semifinais (4-2 na série) e varrendo o Minnesota Wild na final. Na decisão, contra os Devils, os Ducks bem que tentaram, mas não conseguiram e caíram em sete jogos. O grande responsável pela campanha heróica, o goleiro Jean-Sebastien, ainda beliscou o Troféu Conn Smythe.

Relembrando os tempos dos Seis Originais, o Montreal Canadiens, sétimo colocado no Leste em 2004, pegou o Boston Bruins nas quartas de final de conferência. Sem grandes glórias desde 1993, os Habs protagonizaram uma série heróica onde, depois de perder por 2-0 e 3-1, viraram a série em 4-3 com jogo final em Boston. Teria pela frente nas semifinais de conferência o líder Tampa Bay. Mas nada de trilhar o mesmo caminho que o Anaheim na temporada anterior. Os Habs amarelaram, como em diversos capítulos de sua história recente, e foram varridos pelos Bolts que viriam a ganhar a Copa duas séries depois. Nem deu pra ficar na memória...

Temporada passada tivemos o Dallas Stars liderando no Pacífico com sobra. Depois de não termos 2004-05 devido ao locaute, as coisas na NHL estavam diferentes. O Colorado não tinha mais Forsberg e Foote, e terminava a temporada regular se arrastando no sétimo lugar, à frente apenas do Edmonton. Mas na primeira rodada dos playoffs a franquia de Denver teve alegria em dose dupla. Primeiro, viu os Oilers surpreenderem os Wings na última temporada de Steve Yzerman e, com mais uma amarelada da turma de Detroit, caírem fora por 4-2. E, melhor ainda, viu uma amarelada bem em sua frente: os Stars não resistiram sequer cinco jogos. Os Avs venceram três vezes no Texas e mandaram o Dallas embora da pós-temporada com 3-2 na prorrogação do Jogo 5 e 4-1 na série. Que feio! E mais feio ainda foi o que os próprios Avs fariam depois: amarelaram e foram varridos pelos Ducks nas semifinais: 4-0.

O mais estranho de se constatar é que, das 14 vezes que isso aconteceu, em apenas três delas a grande zebra chegou à decisão da Copa Stanley: em 1994 com os Canucks, em 1999 com os Sabres e em 2003 com os Ducks. Nas outras 11, caiu logo nas semifinais de Conferência, sem nem chegar à decisão da mesma. Ou seja: zebra que é zebra não vai longe. Apronta uma surpresinha e só, impossível de ficar na memória.

Ainda assim, esses dados assustam mais quem se coloca em segundo lugar do que quem se arrasta em sétimo e entra como franco atirador. Quem será o amarelão da vez? Anaheim Ducks ou New Jersey Devils?

Thiago Leal fez hora extra no trabalho para terminar sua coluna em TheSlot.com.br.
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Bure, na final da Copa Stanley em 1994: vitória na primeira rodada dos playoffs deu gás aos Canucks.
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Os Senators marcam sobre os Sabres em 99: de nada adiantou. Série perdida em quatro jogos. Assim como o Corinthians e o Arsenal, o Ottawa nasceu para amarelar.
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Giguere fechou o gol em 2003 e os Ducks varreram os Wings.
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Depois de surpreender e passar pelos Bruins nas quartas-de-final, os Canadiens tropeçaram feio nos Bolts, futuros campeões, e não conseguiram reaver seus anos de glórias
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Sakic contra Modano. Um, dois, três, Dallas Stars é freguês?
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Ducks e Devils. A julgar pelo retrospecto, pelo menos um deles cai logo na primeira rodada.
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Página publicada em 11 de abril de 2007.