Por: Thiago Leal

O Boston Bruins, jogando em casa, consegue a proeza de tomar 4-2 do Toronto Maple Leafs. Logo os Bruins, um dos possíveis favoritos da temporada, tomar uma bela surra do patético Toronto em pleno TD Banknorth Garden. E o pior: de virada. Os Bruins saíram na frente com Patrice Bergeron e Blake Wheeler, e fecharam o primeiro período vencendo por 2-0. No segundo período Mike Van Ryn aproveitou vantagem numérica para diminuir o marcador, e coube a Nik Antropov empatar o placar. Anton Stralman marcou o gol da virada e nos segundos finais Niklas Hagman marcou o quarto gol.

Aparentemente, nada especial. Apenas mais uma vitória dos Leafs, ainda que contra um time atualmente mais forte. Por que esse jogo merece uma coluna então? Simples. Ele repercutiu no Brasil.

Por quê? Terá sido pela vitória do Toronto? E olhe que os Leafs não venceram por acaso: foram sempre superiores aos Bruins, mesmo no primeiro período, quando terminaram perdendo de 2-0. Levemos em conta que falamos de dois dos Seis Originais, duas das equipes mais tradicionais da NHL. Por mais uma bela apresentação de Antropov, que chutou cinco vezes a gol, convertendo uma?

Infelizmente, nada disso foi levado em consideração. Os nomes de Bergeron, Wheeler, Antropov, Stralman ou Hagman, autores dos gols, sequer foram mencionados. Não disseram que os Leafs atiraram 37 vezes contra "apenas" 28 chutes do Boston. Mas citaram Milan Lucic, uma das maiores promessas dos Bruins, e Van Ryn, o autor do primeiro gol do Toronto. Por quê? Pelo talento dos dois? Pelo gol que Van Ryn marcou? Não, mas sim porque os dois se chocaram, quebrando o acrílico de proteção das bordas, que acabou machucando alguns torcedores presentes e... ah, claro! Sangue! Torcedor ferido!

De que outra forma hóquei no gelo poderia repercutir no Brasil se não com a "violência" que envolve o esporte?

Com 20 segundos passados no segundo período, Lucic, cumprindo o papel de intimidador, acertou Van Ryn com um belo tranco, jogando o Leaf contra a parede de proteção de acrílico. O impacto do corpo de Van Ryn fez o vidro se partir, ferindo quatro torcedores com nada mais, nada menos que arranhões. O portal Globo.com fez questão de noticiar o acontecimento, enfatizando que torcedores acabaram feridos. O Sportcenter, da ESPN Brasil, também exibiu o lance, num raro momento de hóquei na emissora, já que nem resultado de Copa Stanley eles mostram.

E, claro, foi comentado apenas o fato do acrílico ter ferido quatro torcedores. E, rapidamente, mencionado o placar do jogo. Mais nada.

Eu me pergunto se hóquei no gelo seria meu punk rock. Porque quando adolescente, eu escutava Mukeka di Rato, entre outras bandas de hardcore que eram consideradas underground — aquele termo que se refere a "subsolo" e é utilizado para designar coisas que estão fora do circuito de fama, denominado mainstream. E, por serem underground, o Mukeka e as outras bandas do gênero eram, e são, vistas com preconceito. É música de louco, de maconheiro. E nunca, nunca é notícia. Quer dizer, eventualmente podemos ter notícias envolvendo alguma banda de hardcore. Basta acontecer algum problema em show para que o gênero musical seja amplamente "divulgado" pela mídia que forma o tal do mainstream.

Porque nunca tive problema com hardcore. Fui a shows, nunca apanhei. Nunca me envolvi em briga. Nada. A intensidade da música nunca significou violência para o público. Mas eu sempre soube que em shows de pagode, de axé, de samba, de pop, do que quer que seja, rola muita briga. Coisa que o mainstream não divulga, embora divulgue massivamente sua "música" — se é que aquela coisa de mal gosto merece ser chamada de música.

Assim é o hóquei no gelo. Um esporte intenso que não significa violência para a torcida. Alguém se lembra quando foi a última vez que a parede de acrílico quebrou e feriu torcedores? Porque se for para falar em torcedor ferido, basta pensar em qualquer — qualquer — jogo de futebol no Brasil. Não vou ser injusto de dizer que a violência do futebol é escondida pela mídia. De forma alguma. A mídia divulga sim a violência que o futebol gera.

E por acaso o hóquei no gelo é só violência? Ainda que o esporte chame a atenção sempre que algum evento sangrento aconteça... por que divulgar apenas o tal acontecimento? Por que não falar um pouco do jogo, mostrar os gols, dizer quem os marcou...?

Assim é a relação hóquei no gelo/Brasil. Nosso esporte é underground. E só aparece no mainstream quando causa algum problema.

Mas falando em Lucic...
A prova viva de que um intimidador pode jogar bem continua sendo sensação na NHL. Depois de quebrar a parede de acrílico, Lucic não foi um bom anfitrião e desmembrou o Passarinho Rápido (melhor tradução em português para "Thrasher"). Por quê? Lucic assinalou um hat trick, sendo o terceiro gol o vencedor da noite, a dois minutos do fim do jogo, na sensacional partida que terminou em 5-4 para os Bruins.

Lucic também foi responsável por uma assistência no gol de Krejci.

Thiago Leal prefere que, se for assim, o hóquei no gelo não seja divulgado no Brasil.
AP
Milan Lucic marca seu hat trick e chama a galera do Boston Bruins para comemorar!
(25/10/2008)
Reprodução
Mas a Globo.com acha mais interessante notícias como a proteção de acrílico se espatifando.
(24/10/2008)
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Página publicada em 29 de outubro de 2008.