Enquanto a luta pelo mando
de gelo e pelas últimas vagas
para a grande dança estão ganhando
forma e ocupando sua
merecida parcela de protagonismo, olhos atentos também estão
direcionados para a outra extremidade. Nos porões da tabela
também há muito o que acompanhar, ainda mais quando está
em jogo o que muitos analistas consideram ser as duas mais
novas joias da coroa. John Tavares e Victor Hedman são peças
perfeitas para qualquer equipe que se encontra em processo
de renovação. O canadense parece ter um pacto com o disco.
Um pacote completo que ilusiona e vem correspondendo em
todos os níveis, mesmo com os holofotes sobre si. Já o sueco é um raro exemplar. Geralmente defensores demoram a mostrar
todas suas virtudes, mas aos 18 anos ele já é um fator na
Elitserien e já fez sua estreia na seleção adulta.
Com isso, quem terminar na fossa
(?) absoluta da NHL poderá escolher
entre o artilheiro luso-canadense ou
o gigante de 1,98 m e 103 kg. Mesmo
que os 48,2% de chances de obter a primeira
escolha geral sejam derrubados
pelo "azar", os 51,8% para a segunda
chamada do dia — nenhuma equipe
pode perder mais do que uma posição
nessa jogatina — garantirão um sorriso
em faces antes tristonhas. Para a
alegria das outras equipes menos piores,
também existe recompensa. Nem
só o último da fila será "agraciado".
Até mesmo o 26.º colocado tem suas
chances (8,1%) de levar o novo messias
para casa. O New York Islanders foi a
equipe que mais escalou os degraus
desse sistema. Em 2000 era a quinta
equipe na tabela de probabilidades e
acabou ficando com a primeira colocação
geral. O sábio e sagaz gerente
geral Mike Milbury recrutou Dany
Heatley. O quê? Ele selecionou o goleiro
Rick DiPietro com aquela escolha?
Mas ele já não tinha na organização
um certo Roberto Luongo? Ah, sim,
ao escolher DiPietro, Milbury poderia
usar Luongo como moeda de troca e
abocanhar um craque como —
neste momento, finja escutar as
primeiras notas de Concerto para
Piano e Orquestra Número 1, de
Tchaikovsky — Oleg Kvasha. Senhoras
e senhores, um gênio esse
Milbury!
Mas nem todos os gerentes
gerais são ingênuos e gostam de
dar presentes aos seus colegas de
profissão. Alguns adotam até mesmo
uma tática que muitos consideram
asquerosa, mas que uma
parcela considerável da torcida
e até mesmo imprensa aceitam e
validam como estratégia "coerente":
quando avistam aquele prospecto
imperdível, eles enfraquecem o
máximo que podem seu elenco, sobem
prospectos antes da hora e mandam o
pouco talento que têm para pastagens
mais verdes. É quando perder é melhor
que vencer.
Pegue como exemplo o Washington
Capitals. Quando viu que o time não
iria a lugar algum na temporada de
2003-04, que perderia ainda mais dinheiro
com isso e que havia dois russos
de nível faraônico elegíveis no
recrutamento seguinte, o GG George
McPhee, com aval irrestrito do dono
do time, Ted Leonsis, fez de tudo para
afundar o máximo possível na tabela.
Se era para renovar, que fosse algo
radical. Na queima de estoque em
busca da "renovação" vimos McPhee
despachar Jaromír Jágr para os Rangers,
Robert Lang para os Red Wings
e Sergei Gonchar para os Bruins. Na
mesma liquidação, Peter Bondra, Michael
Nylander, Mike Grier e Steve
Konowalchuk também foram negociados.
Um desmanche para nenhum
galpão escondido na periferia do Rio
de Janeiro colocar defeito. Mesmo
tendo ficado em penúltimo lugar no
apagar das luzes, os Capitals deram
sorte na loteria e adicionaram o inflamável
russo Alexander Ovechkin com
a primeira escolha geral, o que mudou
radicalmente o rumo da franquia. O
lanterna naquela oportunidade,
Pittsburgh Penguins, levou o melhor
prêmio de consolação da história do
hóquei: Evgeni Malkin foi recrutado
logo após El Ocho.
Exemplo recente a ser copiado?
O colunista do jornal Denver Post
Adrian Dater acha que sim e cita
aquela temporada como um exemplo
de "entrega" a ser seguido pelo
Avalanche, outrora integrante da
elite da NHL e que hoje vive seu pior
momento desde que chegou às Montanhas
Rochosas, em 1995. Não há
duvidas de que a mediocridade foi
bem recompensada cinco anos atrás.
Infelizmente, nosso nobre colega Dater
comparou a atitude dos Capitals à
dos Coyotes, que, segundo ele, teriam
vencido naquela mesma temporada
14 de seus últimos 21 jogos. Você
pode comprovar que ele está errado
neste link. Ou neste. Ou ainda neste aqui. Na verdade, o time do
Arizona seguiu a corrente dos Caps
e perdeu jogos em escala industrial
naquele final de temporada.Apenas
não conseguiu ser pior que os Caps,
o que aumentou as chances de o time
de DC levar Ovechkin para a capital
ianque na loteria.
Mas o ponto principal aqui é um
jornalista que segue bem de perto o
time da cidade deixar bem claro que
prefere ver a equipe perder partidas
em profusão, em busca de um futuro
mais promissor, embora por meios
poucos nobres. A opinião de Dater
coincide com a de boa parte da torcida
do time de Denver, embora esteja longe
de ser uma unanimidade. Há quem
não aceite a prática, mesmo que isso
signifique a aquisição de um talento
inferior no recrutamento. Para alguns
seguidores dos Avs, essa atitude poderá
até mesmo ser castigada pelos
deuses do hóquei.
A imensa legião de torcedores do
Toronto Maple Leafs e boa parte da
imprensa da maior cidade canadense
vivem o mesmo dilema há várias
temporadas. Imagine a orgia midiática
que significaria ter Sidney Crosby
vestindo a camisa azul e branca. Até
mesmo um Jonathan Toews já seria
uma adição monstruosa. Mas quase
todo ano é a
mesma coisa: os
Maple Leafs resolvem
vencer jogos
na segunda metade
do ano, o que
não tem sido bom
o bastante para ir
aos playoffs, mas também deixa a organização
longe dos mais valiosos prospectos.
Na temporada de 2005-06, eles
desataram a ganhar jogos em março.
Acabaram na nona colocação. Na campanha seguinte, adivinhe quem foi o
nono colocado no Leste? Sim, os Leafs,
mais uma vez. Na última temporada,
venceram 13 de seus últimos 22 jogos,
o que foi fundamental para terem saído
do grupos dos
cinco que disputariam
o direito de
escolher Steven
Stamkos — que,
se não teve um
início de carreira
na NHL dos mais
brilhantes, vem,
nos últimos meses, mostrando que é
realmente um jogador especial. O Toronto,
porém, obteve o ótimo defensor
Luke Schenn, mas teve que negociar
uma subida nos degraus do recrutamento
com os Islanders, o que poderia
ter sido evitado caso tivesse perdido
alguns jogos a mais.
No ritmo atual, só algo extremamente
descarado poderia colocar os
Leafs em rota de colisão com Tavares.
Playoffs? Só pela televisão. Mais
do mesmo. Hoje a esperança da maioria
dos seguidores azuis é ver o time
ser ruim o bastante para que alguém
talentoso como Matt Duchesne faça
parte da organização em breve.
Quem está "na frente"
A corrida por Tavares tem um favorito
claro: após uma sequência de vitórias
que assombrou duplamente sua
torcida, a alta cúpula dos Islanders
resolveu agir. Como seus atletas estavam
se dedicando muito, fato normal,
pois estão brigando por um lugar ao
gelo na liga, era preciso desacelerar
o crescimento inesperado do time.
Chamaram um goleiro de nível ECHL,
que nossa gloriosa seção Prorrogação
chama faceiramente de "terceira divisão"
do hóquei profissional. Peter Mannino ainda cometeu o descaramento
de defender 40 chutes em sua
estreia. Mesmo com essa ousadia, os
Isles perderam três de seus últimos
quatro embates e novamente estão
relaxados na vanguarda do enxurro
(?). E ainda nos perguntamos por que
Garth Snow demitiu Ted Nolan nas últimas férias... É bem mais fácil convencer
um treinador novato na NHL,
como é Scott Gordon, do que o conflitante
Nolan, quando o assunto era
seguir à risca o plano de "queda" da
equipe para essa temporada. Também
não podemos culpar Gordon, que está
garantindo sua continuidade no cargo
agindo assim.
Ron Wilson, treinador dos Maple
Leafs, assim como Nolan, é outro que
abomina a simples ideia de entrar
em um rinque de hóquei com outro
objetivo que não seja vencer. Seu lado
indócil foi potencializado assim que
leu em um jornal da cidade que ele
deveria armar sua equipe de uma
forma que tornasse as derrotas uma
possibilidade infalível. Escalar um
goleiro desconhecido proveniente de
uma liga inferior na reta final de uma
temporada para despencar na tabela
não é uma invenção do time de Long
Island. De fato, o maior caso de derrotas
programadas das história da NHL
teve como fator decisivo um arqueiro
que foi chamado da AHL para a NHL
com a simples missão de fazer o que
sabia melhor: levar gols.
Vincent Tremblay era sinônimo
de luz vermelha, sirene ou
qualquer artefato que mostre ao
universo que um gol acabou se ser
anotado. Ele até mesmo se negava
a passar por sinaleiras, já que
elas sempre avermelhavam
diante
do árido guardametas.
Tremblay
foi a peça final
da engrenagem
enferrujada e
emperrada que
era o Pittsburgh Penguins na
temporada de 1983-84, para conquistar
um dos maiores mitos
do esporte intergaláctico. Com o
gênio Mario Lemieux disponível
para o recrutamento seguinte,
New Jersey Devils e Penguins jogaram,
literalmente, para perder.
Fizeram trocas e modificações táticas
justamente a fim de levar o
fenômeno para suas respectivas
fileiras. Quando viu que los diablos
não desistiriam facilmente,
Tremblay foi chamado, e Lemieux
acabou, como todos sabem, em
Pittsburgh. Os detalhes desse
conto são tão ricos que merecem
uma coluna à parte.
Mas nem sempre uma campanha
sórdida proposital foi premiada. E
outro exemplo também gera palavras
incultas para outra missiva, que falará
de Alexandre Daigle. Ele brilhava intensamente
nas ligas juniores, o que fez
dele um prospecto "imperdível" para os
Senators, que foram além da ruindade
na campanha de 1992-93. Quando os
Sharks se aproximaram de seu objeto
de desejo, o mandachuva do time de
Ottawa usou até mesmo o contrato de
quatro atletas para garantir que Daigle
iria mesmo para sua organização.
Todos sabemos que o que funcionou
perfeitamente para os Penguins falhou
miseravelmente com os Senators.
Glória e castigo. Um desses pode ser
esse o resultado final para as agremiações
que, pensando em um futuro melhor,
preferirem afundar sem muitas cerimônias.
Você pode torcer por derrotas
de seu time e acabar festejando os gols
de um Patrick Kane ou pode também
ter revirado seu estômago — porque
não deve ser fácil torcer contra — em
troca de um embuste como Daigle.
Vale a pena ou não? É desonroso ou
válido? Com a palavra você, o torcedor.
O certo é que algo deve ser mudado.
As grandes safras produzidas nos últimos anos vêm premiando as equipes
que passam por um bom período
de inércia e mediocridade. Isso pode
virar um círculo vicioso. Ao invés de
trabalhar, apenas definhar e colher os
prospectos do amanhã.
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![]() A campanha pró-entrega a todo vapor. Compre já seus ingressos para os Isles, versão 2009-10, pode ser que você veja Tavares de perto. |
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![]() Pens e Caps definharam no início da década, hoje colhem os frutos. Fórmula que atrai acada vez mais adeptos. |