O Avangard Omsk foi do
inferno ao paraíso inúmeras
vezes nesta que é
a primeira temporada da
KHL. Óbvio que o ponto mais marcante,
e lamentável, foi a morte de Alexei Cherepanov logo no início da competição.
O trágico falecimento do talentoso
jovem foi uma cruz pesada demais para
o elenco. Meses depois o Avangard voltaria às manchetes quando o treinador
canadense Wayne Fleming foi demitido
no meio de uma partida contra o Vityaz
Chekhov — mesma equipe que enfrentara
o time de Omsk na noite em que
Cherepanov faleceu. Fleming foi recontratado
(!) horas depois. Jaromír Jágr, o
dono do time dentro do gelo, convenceu
a alta cúpula da Sibneft, companhia petrolífera
que banca boa parte dos gastos
do time, que Fleming ainda era o homem
certo para o trabalho. Semanas
depois Fleming foi
novamente demitido,
desta vez para
valer. Pouco antes
disso o arqueiro
importado John
Grahame teve seu
contrato rescindido
por motivos etílicos. Você sabe do
que estou falando. Grahame exagerou,
literalmente, na dose.
Considerado um dos times mais
fortes do país, o Avangard só obteve
a classificação aos playoffs no último
dia da temporada regular, quando
contou com a colaboração de um rival
histórico: o já classificado Metallurg
Magnitogorsk tinha que vencer o
Severstal Cherepovets, que estava
a um ponto do Avangard, para que
Jágr, Alexander Svitov e cia. cravassem
a 16.ª posição. Aos 59:04 de jogo
Denis Khlystov deu a vitória ao Metallurg,
dando também a última vaga
ao Avangard. Para o time de Omsk,
isso significaria um confronto com o
melhor time da temporada regular.
Salavat Yulayev Ufa sofre com
a zebra: a decepção é verde
Atual campeão russo, o Salavat foi a
equipe que mais se reforçara nas férias.
O atleta mais famoso a ser incorporado
foi o ex-atacante dos Predators
Alexander Radulov, que seria companheiro
de linha do ex-Hab Alexander
Perezhogin e de Alexei Tereschenko,
esse último campeão nacional quatro
vezes, continental em duas e mundial
com a seleção russa em 2008. Na
meta havia a segurança do selecionável
arqueiro Aleksander Eremenko.
Apesar de ter caído nas semifinais da
liga dos campeões da Europa frente ao
Metallurg, o time de Ufa correspondeu
durante a temporada regular da KHL:
em apenas oito dos 56 jogos disputados
ele saiu do gelo sem pontuar.
A diferença na tabela entre Salavat
e Avangard foi de napoleônicos 51
pontos, mas quando a série começou,
Jágr, apenas o oitavo na tabela de artilheiros,
resolveu mostrar seu arsenal.
Perdendo por 2-1 na melhor de cinco,
o Salavat foi a Ufa em busca de uma
sobrevida. Nada feito. Um começo
arrasador dos rubro-negros decretou
uma das maiores zebras já vistas em
solo russo. Alviverdes na lona. Ao
combalido Avangard, o triunfo.
CSKA humilhado no
clássico moscovita
O clube mais laureado do continente
não foi páreo para o Dynamo Moscou.
Enquanto seu rival citadino varria o
Dinamo Riga, clube de Marcel Hossa,
com facilidade retumbante nas oitavas-
de-final, o CSKA teve que ir até
uma caudalosa quinta partida contra
o bom time do Lada Togliatti. Treinado
por Vyacheslav Bykov, que também
é o capo da seleção russa, o CSKA foi
varrido com tanta violência que deixaria
Suzane von Richthofen transbordando
de inveja. O jogo 2 da série
foi o mais vergonhoso: o time da classe
policial sapecou 7-0 nos representantes
das forças armadas. Para fechar a
série, outros 5-1, com gols até mesmo
do veterano Alexei Zhitnik. Poucas vezes
em sua épica existência o CSKA foi
tão achincalhado após uma série.
Ray Emery sucumbe à força
dos tchecos do Metallurg
Interessante o confronto entre o time
da cidade do aço e o Atlant Mytishchi,
do ex-arqueiro dos Senators Ray
Emery. Ambos os times chegaram aos
duelo com boas reservas de energia. O
Atlant havia varrido o Traktor Chelyabinsk,
time treinado pelo ex-casca
grossa da NHL Andrei Nazarov, em
um duelo em que Emery foi vazado
apenas duas vezes, uma delas pelo
inominável Pierre Dagenais. O Torpedo
Nizhny Novgorod também não
foi páreo para o Metallurg, que chegou
à série contra o time da região
metropolitana de Moscou como zebra.
Além de Emery, o Atlant contava
com o artilheiro da temporada, Sergei
Mozyakin, um habilidoso ponta de 28
anos que contabilizou 76 pontos em 56
cortejos na campanha.
Mas logo atrás de Mozyakin na
tabela dos maiores pontuadores vinha
Jan Marek, o tcheco ceifador de
goleiros, principal arma ofensiva do
"Magnitka". Mostrando que aquela
série seria mesmo equilibrada, o
primeiro jogo foi decido na prorrogação.
Andrei Zubarev deu a vitória ao
Atlant. O Metallurg clamou por sua
linha tcheca. Só ela poderia reverter
a desvantagem. Jaroslav Kudrna,
Tomáš Rolinek e Marek não falharam.
Três vitórias consecutivas mandaram
Emery e
seus comparsas
para suas respectivas
atividades
recreativas.
Nessa série até
mesmo Vladimir Malenkikh, a garça
das estepes, fez um bom papel para os
vencedores.
Spartak comete uma heresia
e paga o preço. Maldito seja!
A terceira força histórica do hóquei
moscovita teve nervo suficiente para
eliminar o SKA de São Petersburgo, o
time de ninguém mais, ninguém menos
que Darius Kasparaitis — ora, em
uma edição em PDF ele não poderia
faltar. Barry Smith, treinador da esquadra
litorânea, tinham em mãos
um elenco para brigar com o Spartak,
mas Branko Radivojevic — sim, aquele
mesmo — esteve intragável, sendo
um pesadelo constante para Robert
Esche. Nem mesmo o poder vulcânico
de Kasparaitis e a experiência de
Andrei Zyuzin, Sergei Brylin e Maxim
Sushinsky evitou a varrida.
Mas as mãos que varrem sem remorsos
são as mesmas que vão vergonhosamente
ao rosto. O Spartak
foi facilmente varrido pelo Lokomotiv
Yaroslavl, atual vice-campeão nacional,
na sequência dos playoffs. Os
maquinistas têm como principal articulador
o bipolar Alexei Yashin, que
pelo menos na Rússia honra parte da
grana que recebe. Centrando a linha
do ex-campeão da Copa Stanley Josef
Vašícek e do internacional tcheco
Zbynek Irgl, Yashin passeou entre a
defensiva rubra.
Ak Bars derruba a
zebra rubro-negra
Voltamos ao Avangard para podermos
encerrar essa missiva sobre as
duas primeiras fases dos playoffs em
grande estilo. O Avangard Omsk e a
representação de Kazan já chegaram
a duelar em uma finalíssima de Superliga
(2005-06). Na oportunidade o Ak
Bars levou a melhor utilizando algumas
armas que ainda estão em sua posse.
Zinetula Bilyaletdinov, o treinador
quebra-línguas, já não conta mais com
Sergei Zinoviev — transferido para o
Dynamo Moscou —, mas dois terços da
linha mais famosa da Europa nos últimos
anos continuavam com a equipe do
Tartaristão: Danis Zaripov e o indefectível
ex-Penguin Aleksei Morozov.
Os tártaros varreram o único representante
cazaque da KHL, para a
infelicidade geral do meu amigo Igor
Vasconcelos, o único anormal a torcer
pelo Barys Astana por estas distantes
bandas. A equipe de Astana contava
com o maior número de fracassados
já visto no hóquei. Figuras conhecidas
de quem acompanha hóquei
norte-americano há algum tempo,
como Marc Lamothe, Tomáš Kloucek,
Kevin Dallman, Trevor Letowski
e Dan LaCouture. Fora fácil contra o
Barys, mas na sequência, diante do
Avangard, a chapa esquentou. Jágr e
cia. chegaram a abrir 2-1 na melhor
de cinco. Eles teriam a chance de fechar
a urna do Ak Bars em casa, na
bela Arena Omsk. Mas, amigos, algo
de proporções catastróficas aconteceu
naquele encontro.
Oleg Petrov, aquele mesmo que jogou
nos Canadiens no século passado,
arrombou a porteira e a boiada passou.
Passou boi bandido, passou boi
bumbá. Passou até meu ex-cunhado.
Quando o primeiro período chegou ao
final, o Ak Bars vencia por 6-0. Nos 40
minutos restantes o Avangard abriu
a caixa de ferramentas. Morozov e
o arisco finlandês Jukka Hentunen
agradeceram. Quando o placar mostrava
9-0, Jágr deu a assistência para
o gol de honra de Anton Malyshev. A
orgia ofensiva dos tártaros não parou
por aí: a sacanagem terminou em
11-1, placar para os anais da história
do hóquei europeu. Em algum lugar
do mundo Grahame gargalhava, certamente
acompanhado de uma jarra
de Velho Barreiro.
Muitos esperavam que o Avangard
não teria força moral para reagir
depois daquela chacina, na decisiva
quinta partida. Mas o time mostrou
brios naquela batalha. Em uma TatNeft
Arena pintada de verde e vermelho,
o Avangard esteve perto da
façanha. Estavam tocando o céu com
as mãos. Até que os deuses do hóquei
serraram os pés da cadeira.
Jágr fez bonito no que pode ter sido
seu último jogo pelo Avangard — a
crise também chegou forte à KHL.
Ele comandou uma virada que parecia
definitiva. Por tudo que aconteceu
com aquele time, por ter-se refeito
após a humilhação de dias antes,
e até mesmo pela memória de Cherepanov,
reconheço que torci por eles.
Mas o destino bateu forte no Avangard.
Com 15 segundos restando, o
linha azul Ilya Nikulin soltou uma
bomba sem chance de resistência
para Alexander Fomichev. O drama
do banco do Avangard e a explosão
da torcida em Kazan; tudo pode ser
visto no YouTube. Seja indiferente
se for capaz.
Agora, sim, moralmente destruído,
o Avangard durou apenas dois minutos
na prorrogação. O veterano Petrov
selou a classificação do Ak Bars, encerrando
ali a temporada de dramas
e superação do time Omsk.
Quatro gigantes
continuam na luta
As semifinais nos agraciam com
duas séries entre presos pesados. Na
primeira, Ak Bars e Dynamo Moscou
voltam a medir forças. Habituais rivais
em estâncias decisivas, fica complicado
não dar favoritismo ao time
de Kazan, mas é bom lembrar da invencibilidade
e do grande momento
vivido pelo artilheiro Matthias Weinhandl.
Na outra chave, Metallurg e
Lokomotiv reeditam a semifinal da
temporada passada, quando Yashin
e seus asseclas passaram sem problemas
pelo time dos Urais. Hoje a coisa
parece mais parelha. Eu jogaria uma
moeda para decidir quem levará a melhor
nesse confronto, mas estou duro.
O resultado desse emparelhamento, e
mais algumas facetas da segunda liga
mais importante do mundo, estarão
neste espaço em edições futuras. Isso
é uma promessa. E, quando eu prometo,
eu cumpro. Desde que eu me
lembre, é claro.
![]() |
![]() Jaromir Jagr comandou a temporada de altos e baixos do Avangard Omsk na KHL. |
![]() |
![]() AФото с матча Ак Барс - Авангард (Омская обл.) Источник галереи: Сайт КХЛ |