Teoricamente a viagem
a Nova York não
poderia ter sido pior
para o Pittsburgh Penguins.
Violentados pelos
Islanders por 11-3,
conseguiram apenas
manter a coisa menos
indigna na partida seguinte contra os
Rangers, quando caíram por 6-1. No íntimo, tudo estava ocorrendo como
planejado. Foi quando um obscuro arqueiro
resolveu entrar no meio de um
sonho. Duas vitórias consecutivas? O
gerente geral dos Penguins, Eddie Johnston,
havia visto o bastante.
Roberto Romano cometeu a heresia
de levar seu time novamente ao caminho
das vitórias. Dois prélios onde ele
bravamente resistiu às ofensivas adversárias.
Um desses jogos justamente
contra o New Jersey Devils, uma
equipe que também estava bem longe
de ser considerada uma máquina naquela
temporada de 1983-84. Romano
não estava apenas vencendo jogos, ele
estava "tirando" Mario Lemieux de
Pittsburgh e jogando o mais valioso
atleta a ser recrutado na história da
liga nos braços dos Devils. Romano
estava sabotando os planos de sua
própria equipe.
Bem antes mesmo de aquela
temporada começar, o mundo do
hóquei olhava para Laval, cidade
da região metropolitana de Montreal,
onde Lemieux pulverizava recordes
na liga júnior da província de Quebec.
Dono de um talento de níveis estratosféricos,
Lemieux fez com equipes
buscassem formas de potencializar
suas chances de contar com ele anos
antes de sua elegibilidade para um recrutamento.
Até mesmo equipes que
faziam parte da bancada vencedora
agiram.
Claro que o Montreal Canadiens era
uma dessas equipes. Sem o antigo benefício
de poder recrutar um francocanadense
antes de qualquer outra
equipe e com um time forte o suficiente
para brigar por vitórias, restou rezar
para que a primeira escolha dos Whalers
(que custou aos Habs um pacotão
com Pierre Laroche e mais duas toneladas
de escolhas) fosse boa o bastante.
Essa troca entre Whalers e Canadiens
foi realizada três anos antes do recrutamento
de 1984, e até que as chances
do Montreal não eram pequenas de
conseguir o filho da terra. Os Whalers
foram deprimentes e medonhos
na campanha que definiria a sorte da
estrela em potencial. Mas, para infelicidade
habitant, havia time bem pior
que o de Hartford na parada.
Os Devils estavam em um patamar
tão depreciável que até mesmo Wayne
Gretzky detonou a franquia, que chamou
de "organização Mickey Mouse”
após seus Oilers sapecarem nababescos
13-4, em novembro de 1983. Junto
com os Devils segurando a lanterna
estavam os Penguins, mas aquelas
duas vitórias obtidas por Romano poderiam
custar caro para as pretensões
do time de Pittsburgh.
Então deu-se a mágica. Um movimento
que tirou qualquer dúvida de
que os Penguins — como organização, é claro — jogaram para perder naquela reta final foi executado pelo gerente
geral. Romano, após duas vitórias seguidas,
foi mandado para a AHL como
castigo. O treinador Lou Angotti, que
já contava com uma equipe digna da
AHL, receberia do afiliado Baltimore
Skipjacks o asquerosamente tenebroso
arqueiro Vincent Tremblay,
que chegou a ser reserva do próprio
Romano na mesmíssima AHL.
Tremblay atuou em quatro partidas
em janeiro. Correspondeu completamente às expectativas nele depositadas:
quatro derrotas, com média
de seis gols sofridos por jogo.
Aquele goleiro, que nunca mais
voltaria a atuar na NHL, recolocou
os Penguins no rumo errado,
como queria Johnston. Diante de
tanto descaramento, os Devils
colocaram a boca no trombone.
Enquanto eles perdiam jogos
por ser genuinamente ridículos,
os Penguins jogavam sujo ao subir
atletas desqualificados. Segundo o
treinador Tom McVie, nem o GG Max
McNab nem o presidente Bob Butera,
e muito menos o dono John McMullen
impuseram, ou sequer mencionaram,
mudanças para que seu time afundasse
ainda mais na tabela.
O Pittsburgh não respondeu às
denúncias. Se o New Jersey estava
blefando ou não, se eles eram apenas
uma sub-equipe ou não, eles não pagariam
pra ver. Após Romano ser castigado
pela ousadia de obter vitórias,
os goleiros dos Penguins entenderam
o recado. Até o dia 19 de fevereiro os
times estavam empatados em último
lugar, com 31 pontos cada. Seguiu assim
até meados de março, quando o
Pittsburgh resolveu melhorar suas
chances ao despachar o linha azul
Randy Carlyle — esse mesmo que
hoje treina o Anaheim Ducks — para
o Winnipeg Jets em troca de uma escolha
de primeira rodada e mais um
atleta inominável. Carlyle vencera o
troféu Norris havia três temporadas
e era uma das poucas coisas que lembravam
NHL naquele elenco.
Já os Devils entraram em uma sequência
positiva que praticamente
decidiu o destino de Lemieux. A tabela
mostrava que dois dos três confrontos
seguintes dos Devils seriam
contra equipes que figuravam entre
as cinco últimas da NHL. Venceram
os Canucks — que acabaram indo aos
playoffs —, para depois repetirem a
dose contra o antepenúltimo colocado,
o Los Angeles Kings. Aí houve o
confronto direto: Devils e Penguins
duelando em Pittsburgh. Reza a lenda
que os atletas dos Penguins foram
agraciados com uma festa homérica
logo após uma derrota para os Capitals,
na noite anterior. Greg Hotham,
um dos jogadores que mais vestiram a
camisa dos Penguins naquela temporada,
limitou-se a afirmar que existiu,
sim, uma confraternização, mas não
deu detalhes do nível de "animalice"
da mesma. Sabe-se lá como, o jogo
teve "apenas" 11 gols, com os Devils
vencendo sua terceira partida consecutiva
por 6-5. O New Jersey só voltaria
a ter sucesso mais uma vez nas 13
partidas que restavam na temporada.
Mas não foi o bastante, já que os Penguins
saíram derrotados em 10 de seus últimos 12 jogos.
Missão cumprida. No dia 9 de junho
de 1984, em Montreal, Eddie Johnston
selecionou Mario Lemieux, mudando
a história da franquia e, de certa forma,
a NHL. No Iglu de Pittsburgh, 3
mil torcedores acompanharam o recrutamento
pela televisão, pouco menos
do que a quantidade de pessoas
que costumava a ir aos jogos do time
até então.
Já os Devils tiveram que se
contentar com Kirk Muller. Embora
o central tenha sido um ídolo
em East Rutherford,
ele acabou
indo parar em
Montreal, curiosamente
após os
Devils serem eliminados
pelos Penguins de Lemieux
nos playoffs de 1991.
Alguns anos depois, McNab
reconheceu que o futuro da franquia — e o seu — poderia ter sido ainda
melhor caso o time tivesse recrutado
Lemieux, mas disse também que não
se arrepende de não ter trazido um
goleiro reserva de uma liga menor
para "melhorar" as chances de um
fracasso. "Existiam princípios envolvidos,
revirar-me-ia o estômago só de
pensar em mandar meu time ao gelo
para perder."
Teriam os Devils adotado outra
postura, que não a defensiva, caso
tivessem levado a melhor naquela "corrida" e ficado com Super Mario? Teriam os Penguins sobrevivido sem
Lemieux? Estas são perguntas que,
graças à intrépida figura de Vincent
Tremblay, jamais serão respondidas.
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![]() Tão grande quanto Gretzky? Para muitos, sim. Para ter Mario Lemieux, os Penguins afundaram sem cerimônia em 1984. |