Por: Alexandre Giesbrecht

Do atual elenco dos Flyers, apenas Ian Leperrière, Chris Pronger e Kimmo Timonen eram nascidos, embora nenhum deles tivesse sequer um ano e meio de idade. Mas os Flyers como time já estiveram numa situação igual. Só que do outro lado. Muita gente não sabe, mas aqueles Islanders que viraram uma série que perdiam por 3-0 contra os Penguins em 1975 quase repetiram o feito já na fase seguinte, contra os mesmos Flyers que acabam de colocar seu nome nos anais da NHL.

O time da Filadélfia abriu 3-0, com direito a dois shutouts e uma vitória na prorrogação, mas perderam o jogo 4 no tempo extra e foram goleados no jogo 5 por 5-1. Em seguida, um duelo vencido pelos nova-iorquinos por 2-1 levou a série para o sétime e decisivo jogo, com os Isles podendo repetir o que só havia acontecido duas vezes na história da NHL, uma delas apenas duas semanas antes. Mas os Flyers nunca chegaram a correr riscos nessa partida e despacharam a surpresa daquele ano com uma vitória por 4-1.

Nesta última quinta-feira eram os Flyers que estavam na pele dos Islanders. Depois de perder os três primeiros jogos da série para os Bruins, sendo o terceiro por 4-1, mesmo o mais otimista dos torcedores teria dificuldades em apostar numa virada do seu time. Faltava apenas o tiro de misericórdia dos bostonianos, que, se não viesse logo no jogo 4, fatalmente viria no jogo 5, pois é raríssimo uma série dessas chegar ao jogo 6.

Pois bem, veio o jogo 4, e uma difícil vitória por 5-4 forçou o quinto jogo. "Acontece", devem ter pensado os torcedores dos Bruins. "Nem todo time que abre 3-0 na série termina por varrê-la." Verdade. Mas nem todo time que não varre toma uma surra de 4-0 no jogo 5. Nem todo?! Nenhum! Com isso, teríamos um jogo 6, e o fator psicológico começava a se aninhar do lado da maior cidade da Pensilvânia.

O pessoal de Boston também tinha um experiência similar, embora favorável, e bem recente na memória: os Red Sox, time de beisebol da cidade, perdiam por 3-0 as finais da Liga Americana em 2004, justamente para os arquirrivais Yankees, e conseguiram virar numa sequência de quatro jogos praticamente mágicos. E agora viviam o papel justamente dos Yankees. Supostamente com a lição aprendida, talvez.

Não.

No jogo 6 mais uma vez os Bruins pararam numa muralha no gol adversário. Mas não a mesma muralha do jogo 5: o goleiro Brian Boucher tinha se contundido naquela partida e foi substituído por Michael Leighton, que fazia seu primeiro jogo como titular em quase dois meses, também por conta de uma contusão. Por falar em contusão, os Flyers iniciaram a série com dois de seus principais jogadores, Jeff Carter e Simon Gagné, na enfermaria.

Gagné voltou para o jogo 4. Situação de emergência. Poderia ser o último jogo do time. Mas, ao menos até agora, ele não perdeu mais. Ajudou o time a forçar o jogo 7, algo que não acontecia no hóquei justamente desde aquela série entre Islanders e Flyers em 1975. E ajudou o time a conquistar — acho este verbo o mais apropriado para descrever a situação — a virada na série.

E o jogo que consolidou a virada não poderia ter vindo com maiores requintes de crueldade para a torcida laranja. O jogo 7 foi como uma sinopse da série inteira. Os Bruins abriram 3-0 ainda no primeiro período. E tiraram o pé do acelerador. Se já não tinham aprendido com os erros dos Yankees de seis anos atrás, mostraram que não aprenderam sequer com os erros da semana anterior.

O colapso do jogo 7 veio até mais rápido que o da série. Antes mesmo da metade da partida, o placar já estava empatado em 3-3. Até os tijolos do TD Banknorth Garden sabiam que o gol seguinte não seria marcado pelo time da casa. O moral dos Bruins podia ser medido em ângstrons. Demorou um pouco, a espera durou até pouco além da metade do terceiro período. Mas Gagné selou a vitória com um gol em vantagem numérica e colocou os Bruins por um bom tempo na resposta da pergunta "Qual foi o último time a desperdiçar uma vantagem de 3-0 numa série de playoffs?", tirando a duvidosa honra que antes pertenceu aos Penguins por 35 anos e, antes deles, aos Red Wings por 33.

Agora teremos uma inédita (acho, mas precisaria pesquisar para ter certeza) série entre o sétimo e o oitavo colocados de uma conferência. O simples fato de essa série ser um fato já mostra quão imprevisíveis são os playoffs da NHL. Mas uma coisa pode-se prever, sem correr um grande risco de errar: serão necessários no mínimo outros trinta e poucos anos até um time conseguir repetir o feito que vimos os Flyers realizar nesta semana.

Alexandre Giesbrecht, 34 anos, precisa de umas cem figurinhas para completar seu álbum da Copa do Mundo.
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Página publicada em 14 de maio de 2010.