O maior axioma dos playoffs da Copa Stanley é aquele que diz que você tem de aproveitar as suas chances. Se você parar para pensar, foi justamente isso que o central Tim Taylor, do Tampa Bay, fez.
Ao final da primeira partida entre o seu Lightning e os Senators, em Ottawa, na sexta-feira, ele pegou o disco e fugiu para o vestiário, estragando os planos do ponta Vaclav Varada, do time canadense, de presentear o goleiro Ray Emery com o mesmo, em honra da primeira vitória nos playoffs da carreira do jovem arqueiro. Uma vez dentro do vestiário, Taylor jogou o disco numa lata de lixo — e recusou-se a dizer o que tinha feito com o objeto, mas deixando claro que não estava em um lugar onde poderia ser achado.
Emery não ficou muito feliz, é claro.
"Eu não vou perder o sono por isso, mas ele não teve muita classe [ao fazer aquilo]", desdenhou o goleiro.
É, nas emoções que os playoffs despertam, você pode vencer o jogo (como os Senators, que bateram o Lightning por 4-1) e o outro time meio que sair por cima.
"Você tem de fazer tudo ao seu alcance para atrapalhar o outro time", é a visão de Taylor da chamada ética dos playoffs. "Se fosse na tem-porada regular, eu não o teria feito. Mas agora são os playoffs. É tentar ganhar alguma vantagem sobre o outro time, é tentar tirá-los do sério."
Hum, o velho "jeitinho brasileiro" adaptado à NHL, talvez?
Depois do hiato forçado pelo locaute — uma pena que uma disputa sobre como repartir as rebarbas de um negócio de US$ 2,1 bilhões tenha arruinado aquela época do ano em que o jogo vira uma cruzada por um troféu de 16 kg —, os playoffs estão de volta com tudo, e essa volta é ainda mais bem-vinda do que os mais otimistas poderiam esperar.
"Eu realmente senti falta", revela o central
Vincent Lecavalier, do Lightning. "A intensidade. O barulho. Você pisa no gelo, e a torcida enlouquece. Dá uma sensação..."
E completa a descrição simulando com a mão as batidas do coração.
Um dos companheiros de Lecavalier, Brad Richards, também dá a sua opinião: "Esse ano fora tornou [os playoffs] ainda mais significativos. Pelo menos para mim. Eles parecem até maiores." Kirk Maltby, do Detroit, concorda. "Já era hora", comemora. "Depois daquele intervalo, mesmo com a nossa experiência, todo mundo no vestiário parece uma criança empolgada com tudo o que está acontecendo."
Os primeiros face-offs ocorreram em Ottawa e em Detroit, às 20h12, horário de Brasília, da quinta-feira, embora o começo não-oficial dos playoffs tenha se dado dois minutos antes, quando um polvo espati-fou-se no gelo da Joe Louis Arena durante a execução do hino nacional norte-americano.
Poucas coisas têm mais cara de playoffs do que um cefalópode. (Parêntese: eu sei que essa história já deve ter sido contada inúmeras vezes aqui na TheSlot.com.br, mas não custa contar mais uma. Essa tradição dos Red Wings começou em 1952, quando dois peixeiros locais perceberam que o número de tentáculos de um polvo coincidia com o número de vitórias então necessárias para conquistar a Copa Stanley.) Oficialmente, o "lançamento de polvos" está proibido, mas o superin-tendente do estádio, Al Sobotka, discretamente o incentiva, girando os polvos sobre sua cabeça ao deixar o gelo depois de limpar a meleca. Alguns torcedores dos Oilers tentaram responder com enormes pedaços de carne da província de Alberta.
Dois polvos caíram no gelo naquela primeira noite, tantos quanto houve brigas nos primeiros 12 jogos destes playoffs. A atuação de intimidado-res como Colton Orr, dos Rangers (e eu me contorço ao descrever como intimidador alguém com o sobrenome Orr), e Brian McGrattan, dos Senators, jogando em vez de brigando, mostrou mais uma vez que os playoffs são importantes demais para deixar as emoções à flor da pele.
Isso deixa os playoffs nas mãos de jogadores com mãos muito mais macias. E talentosas. Depois do aviso do comissário Gary Bettman de que qualquer árbitro que não combata a obstrução durante os playoffs (uma época em que tradicionalmente muitas infrações são ignoradas) ganharia férias antecipadas, houve uma média de 15,4 penalidades por jogo até domingo. Nos playoffs de 2004, houve uma média de 4,4 penalidades a menos por jogo.
Os árbitros marcaram as penalidades com freqüência. E marcaram também depois do segundo intervalo, reclamação recorrente nos últimos anos. O Philadelphia que o diga: teve de enfrentar três desvan-tagens numéricas na primeira prorrogação de sua derrota por 3-2 no jogo 1 da série contra o Buffalo.
E as penalidades
foram marcadas em massa: houve 12 situações de cinco-contra-três nas primeiras 12 partidas. Esse acúmulo de penalidades de ao New Jersey 13 oportunidades de vantagem numérica nos 6-1 do jogo de abertura contra os Rangers, um recorde na história do time. Nessa partida, cinco gols dos Devils vieram nessas situações. No jogo 1 entre Predators e Sharks, foram cinco gols em vantagem numérica contra apenas dois em igualdade de condições.
Em Ottawa, a vigilância dos juízes ajudou os favoritos Senators a mar-car três gols — dois em vantagem numérica — em menos de três minu-tos e meio para virar um jogo que perdiam por 1-0. Mas no jogo 2 o incansável Lightning conseguiu empatar a série. E o fantasma de uma zebra, mais uma das marcas da pós-temporada da NHL, passou a rondar essa série.
E tantas outras, como você pode ver em outras matérias desta edição.
Aparentemente, há um segundo axioma nos playoffs da Copa Stanley. Quer dizer, ao menos neste ano, dentro da necessidade de se comunicar com um público ainda traumatizado pelo locaute. Esse axioma seria algo como "não se vence sem um slogan".
Os Devils ofereceran um banner onde se lia "time disciplina intensi-dade tradição", um lema tão inteligível como certas pérolas de mentes publicitárias. Já o atual campeão Lightning tentou usar um lema mais otimista: "Biconfiantes" (isso apesar de o técnico John Tortorella ter sugerido que o Tampa Bay ganhou a última Copa na "Era do Gelo").
O
Ottawa, por sua vez, bolou uma campanha incentivando o uso do vermelho por parte dos torcedores, já uma tradição em Calgary e em Detroit. Os Red Wings preferiram um slogan mais direto, "tragam o troféu!". Por "troféu", garanto que eles não queriam dizer o já conquistado Troféu dos Presidentes. (A.G.)
Alexandre Giesbrecht, publicitário, escreveu esta coluna enquanto assistia ao jogo entre São Paulo e Palmeiras, pela Libertadores.