Duas
edições atrás escrevi aqui sobre a supremacia do Detroit Red Wings
nas mais recentes temporadas regulares da NHL. Hoje, com mais
uma eliminação precoce nos playoffs, isso soa patético, sem dúvida.
Mas nem tanto: os Wings são assim mesmo. Sobram na temporada apenas
para amarelarem nos playoffs. Uma supremacia absolutamente inútil.
Tem sido assim desde a última conquista da Copa Stanley. Em 2003
foram arrasados por um surpreendente Anaheim Mighty Ducks. No
ano seguinte ainda conseguiram passar, aos trancos, pelo Nashville
Predators, apenas para serem eliminados pelo também surpreendente
Calgary Flames. E agora, mais do mesmo.
Mas foi assim em 2001 também. Foi assim em 1993 e 1994. Outras
vezes o time até começava bem, apenas para levar uma sova em algum
momento mais adiante. Como em 1995, 1996 e 1999.
É assim mesmo: os Red Wings amarelam nos playoffs. E, como visto,
é um fenômeno que vem de mais de uma década.
As exceções ficam para o ano de 2000, quando realmente foram até
onde deveriam, e os anos de conquista da Copa Stanley.
E olha que mesmo na conquista mais recente, em 2002, o panorama
inicial era semelhante. Para quem não se lembra, na primeira fase
o Vancouver Canucks vinha jogando muito melhor, Dan Cloutier (!)
parecia uma barreira, Hasek vazava e o então time cheio de estrelas
do Detroit não conseguia superar os rápidos e surpreendentes Canucks.
Até que o um gol do meio da rua de Nicklas Lidstrom mudou a história
daqueles playoffs.
Caça às bruxas
No momento há uma chuva de debates sobre quem é o culpado da vez.
É o técnico, é o goleiro, é a defesa, é a NHL, são os juizes,
é o Bettman, é a lua, é o calor, é isso, é aquele ou é aquilo.
Pouco importa, é certo que (quase) todos têm sua cota de responsabilidade
diante de mais um desastre. O problema não é esse ou aquele, é
o time como um todo. Os Red Wings amarelam nos playoffs, esse
é o problema.
O time não venceria se tivesse outro goleiro, não venceria se
tivesse outro técnico, não venceria se tivesse (ainda mais?!)
atacantes goleadores. Não é um ou outro jogador que mudaria o
panorama. Porque esse é um time que amarela nos playoffs.
A crítica que se faz hoje a Pavel Datsyuk depois de mais um fracasso
é a mesma que se fazia a Sergei Fedorov, depois de mais um fracasso
em 1996: ele não marca gols em playoffs. A crítica procede, sem
dúvida alguma. Mas veja o que se tornou Fedorov depois. Foi um
dos mais importantes jogadores do time nas conquistas das Copas
Stanley nos anos seguintes. Em outras palavras, a questão não
é livrar-se de Datsyuk de imediato, é identificar o que faz com
que ele, e o time, amarelem nos playoffs.
O que fazer?
A gerência dos Red Wings não é de baixar a cabeça e empurrar o
time para uma reconstrução de longo prazo. Não, eles provavelmente
irão buscar novos meios de manter o time como um dos candidatos
ao título. Será difícil, porque toda a liga já percebeu que esse
time broxa quando as coisas realmente importam. Seja com ou sem
os medonhos Columbus, St. Louis e Chicago na divisão, eles normalmente
farão uma bela temporada apenas para chegar aos playoffs e fracassar.
Esse é o filme a que já estamos acostumados e que os demais times
já perceberam. Ou seja, o foco é mudar o que está fazendo o time
amarelar nos playoffs.
Daqui de longe eu evocaria exatamente a mesma mudança de filosofia
ocorrida após a eliminação dos playoffs de 1996. Lembro da gerência
e da comissão técnica chegando a um consenso: os Wings precisavam
crescer fisicamente, precisavam de jogadores fisicamente mais
fortes. De nada adiantava uma temporada espetacular com os russos
sobrando se chegavam aos playoffs e fracassavam.
Na temporada seguinte aumentaram o tempo de jogo de jogadores
menos cotados — porém que se impunham fisicamente —,
como Martin Lapointe e Darren McCarty. Contrataram um típico power
forward, Brendan Shanahan, que jogava e batia. Subiram defensores
de estilo mais duro, como Aaron Ward. Lembro que na época metade
dos defensores dos Wings tinha características predominantemente
físicas. Até mesmo um porradeiro puro, Joey Kocur, foi contratado.
A mudança de filosofia deu certo, e o time não amarelou nos playoffs
por dois anos seguidos.
De lá para cá o time foi perdendo cada vez mais nesse aspecto,
cada vez menos se impondo fiscamente nos playoffs. Playoffs
da NHL são assim — uma disputa essencialmente física
que traduz a gana de cada um de vencer. Depois de três vezes consecutivas
perdendo para times que sobretudo mostraram mais vontade no gelo,
já é hora de aprender a relevar esse aspecto.
Há pontos que devem necessariamente ser revistos. É bom para todas
as partes que Steve Yzerman se aposente após mais uma bela temporada.
Está na hora. Talvez Chelios ainda seja útil. É absolutamente
necessário esquecer um pouco o que aconteceu na temporada e enxergar
a NHL sob a ótica dos playoffs. Dessa forma, urge que seja revista
a utilidade de alguns jogadores para o time, como, por exemplo,
Brendan Shanahan.
Desilusão
A temporada do time foi tão boa que todos nós praticamente esquecemos
do histórico recente. Ou seja, esquecemos que os Wings amarelam
em playoffs. Lá no fundo, todos tínhamos aquela ponta de dúvida
sobre a possibilidade de o pesadelo acontecer novamente, mas a temporada
foi tão boa, a "nova" NHL parecia favorecer tanto os times mais
talentosos, que lá fomos nós ignorar o histórico e cravar Wings
sobre Oilers em quatro, cinco, seis ou sete jogos. Fica, portanto, a lição: os
Wings amarelam em playoffs.
Vale a pena reproduzir aqui um parágrafo escrito
por mim quando da eliminação dos Wings frente aos Flames, em 2004:
"A história se repete, mas não como farsa. A frase dita no ano
passado pelo técnico dos Mighty Ducks, Mike Babcock, deve (ao
menos deveria) permear as mentes de torcedores e jogadores dos
Red Wings no momento: 'Os deuses do hóquei recompensam os mais
batalhadores' (uma livre tradução de 'The hockey gods reward the
hardest workers'). Porque a verdade é que o Detroit não foi um
time batalhador nestes playoffs. Mais uma vez. Ao menos não no
patamar que um time deve estar quando se trata de playoffs da
NHL. Não no patamar que um time deve estar quando quer ser campeão."
QUEM DIRIA!
Chris Pronger, depois de anos e anos sendo eliminado
pelos Wings quando jogava pelos Blues, foi o grande nome da
série. Atacava, defendia, bloqueava discos como poucos.
Liderava, transbordava vontade de vencer. Perto dele até
mesmo Nicklas Lidstrom ficou pequeno (Hans Deryk/Reuters - 23/04/2006)
O FIM Ales
Hemsky enterra os Wings ao marcar o gol da vitória, o
seu segundo da noite, e selar a virada espetacular dos Oilers
no jogo 6 (John Ulan/AP - 01/05/2006)
UM ABRAÇO
Steve Yzerman e os Wings se vão e os Oilers
de Dwayne Roloson ficam (David Guralnick/The Detroit News -
01/05/2006)