"Crepusculo de maio, doirando em pinceladas largas o azul do poente. Hora indecisa, não si sabe si ainda é dia ou si já é noite, tal a confusão que erra pelo ar."
- Saul Maia, "Tarde", 1912
De nada adiantou a melhor campanha na primeira fase. De nada adiantou o mando do gelo ao longo dos playoffs (que, para eles durou apenas seis jogos). De nada adian-tou o capitão do time — aos 41 anos, ainda por cima — tentar liderar dando o exemplo. De nada adiantaram se-quer os dois gols que deixaram o time com uma vantagem de 2-0 no segundo intervalo.
No fim, o estigma permanece. O mesmo estigma que marcou os times dos Red Wings em 2003 e 2004, quando, favoritos, foram mais cedo para casa. O carrasco de 2003 foi o Anaheim, logo na primeira fase. Em 2004, foi a vez de o Calgary, na segunda fase, dar beijinho-beijinho-tchau-tchau para os Wings. E agora os donos do Troféu dos Presiden-tes têm um novo time para o seu folclore: o Edmonton Oilers.
O que mais espanta nessas três zebras consecutivas para cima do Detroit é que o time se deixa abater quando percebe que a situação está difícil. Não luta. E, conseqüentemente, não marca gols. Sem gols, a esperança é ter alguém lá atrás para parar tudo, mas quem estava vestindo a máscara era Manny Legace. Poucas vezes aquele velho di-tado esteve tão certo: Deus dá asas para quem não sabe voar.
Para aumentar a agonia dos torcedores de Detroit, o jogo da elimi-nação pode também ter sido o último da carreira de Steve Yzerman, o mito Red Wing, que certamente não merecia que seus três últimos playoffs terminassem com tantas lágrimas. Que não merecia que seu esforço para jogar, apesar de uma séria contusão em um músculo ab-dominal, fosse em vão.
Como explicar esse debacle que acomete as asas vermelhas (as de Detroit, bem entendido, porque as do Rio de Janeiro não costumam so-frer desse mal)? Michael Farber, jornalista da revista Sports Illustrated, aponta um suposto mal súbito, relativo à idade: segundo ele, quando os Red Wings envelhecem, isso acontece da noite para o dia.
"Talvez tenha sido o descanso e o relaxamento de jogar contra Blues, Blue Jackets e Blackhawks um milhão de vezes durante a temporada regular, enquanto os Oilers foram forçados a lutar com foices pela sua vaga nas guerras noturnas da diabólica Divisão Noroeste", arrisca Farber. "Mas os elegantes Wings que tanto mantêm a posse do disco não tiveram pernas quando precisaram delas. O Detroit era um time velho que parecia jovem durante a temporada regular. Agora é um time velho que pareceu velho."
Já Mitch Albom, do jornal Detroit Free Press, lembra que os Wings fo-ram eliminados na primeira fase em 2001, 2003 e 2006, e na segunda fase em 2004. E que, apesar de nas últimas três temporadas regulares o time ter conseguido pelo menos o dobro de vitórias em relação às derrotas, sua campanha nos respectivos playoffs é de míseros 8-14.
"Sim, eles ganharam a Copa em 2002", lembra Albom. "Sim, outros ti-mes deponta são eliminados cedo. Sim, os Wings incharam sua campa-nha nesta temporada com várias vitórias sobre times horríveis. E? Isso lá é argumento para manter a discussão?"
O fato é que, por mais duro que seja acreditar, os Oilers jogaram mais e mereceram a classificação. É claro que os Wings fizeram a sua parte para perder a série, vestindo o salto alto, perdendo gols incríveis e sentindo falta de um goleiro decisivo.
Com o ataque que têm, não têm o direito de desperdiçar tantas
opor-tunidades como no jogo 6, quando a vantagem de 2-0 no terceiro pe-ríodo poderia ter sido ainda maior. Com a defesa que têm, não podem deixar tantos adversários chegar cara a cara contra o goleiro. E, cita-dos os pontos supostamente fortes do time, com o goleiro que (não) têm, ficava cada vez mais óbvio que eram os demais jogadores que te-riam de fazer a diferença.
DECEPÇÃO Uma palavra descreve a foto acima (Jeff Vinnick/Getty Images - 01/05/2006)
Não que Manny Legace (mais sobre ele abaixo) tenha sido um desas-tre; não foi. Mas tampouco foi ele brilhante. Ao contrário do rival Dwayne Roloson, ele não ganhou um jogo para o seu time. Apesar de ter um ataque e uma defesa de alto calibre, em certos jogos um dos dois setores — ou os dois — pode não funcionar, e é aí que entra o goleiro decisivo: para ajudar a recompor o moral do(s) setor(es) afeta-dos.
Sem alguém para garantir lá atrás, os problemas do ataque e da defesa foram mais expostos do que nunca, e, conseqüentemente, não havia chance de restabelecer a ordem, porque os erros estavam sempre ex-postos. Se Legace tivesse salvado sozinho um jogo que fosse, ninguém falaria dos erros, preferindo deixar em primeiro plano a boa atuação do goleiro. "Livrar a cara", como se diz por aí.
Ninguém "livrou a cara" do ataque. Ninguém "livrou a cara" da defesa. Com isso, ninguém "livrou a cara" dos Wings. Ninguém sabe que mu-danças isso suscitará.
Será um longo verão em Detroit.
De acordo com uma fonte anônima ligada à NHL, o gerente geral do Detroit, Ken Holland, fez um pequeno jogo de "assina-ou-não-assi-na" com o goleiro Manny Legace durante a temporada regular. Tal qual um apresentador de game show na televisão, Holland ofereceu a Legace uma extensão de seu contrato, a US$ 2,5 milhões.
Legace, que ganhou US$ 1,162 milhão em 2005-06, escolheu o "não-assina". Aparentemente, ele estava procurando algo em torno de US$ 4 milhões.
E o que aconteceu depois? Bem, na noite de segunda-feira, em Edmonton, a oferta expirou sem aviso prévio. Depois da zebra que foi a derrota para os Oilers, é fácil prever que os Wings terão de apostar em novos goleiros para a próxima temporada. Legace e Chris Osgood, ambos no último ano de seus respectivos contratos, serão liberados.
Holland provavelmente irá procurar um novo goleiro em uma troca ou assinando com um agente livre. Esse goleiro (o envelhecido Ed Belfour, do Toronto, Martin Gerber, do Carolina, e Cristobal Huet e David Aebischer, ambos do Montreal, também estão no ano final de seus contratos) brigará pelo posto de titular com o prospecto Jimmy Howard, que atualmente é um dos melhores jogadores do Grand Rapids Griffins, time afiliado dos Wings. Howard, de 22 anos, foi uma escolha de segunda rodada em 2003. (A.G.)
Alexandre Giesbrecht, 30 anos, lamenta o fim da seqüência de três fins de semana com três dias.