Por: Eduardo Costa

No último 11 de dezembro, Andy Murray, um dos mais competentes treinadores da NHL, recebeu um presente de gosto duvidoso. Nessa data, ele assumia o comando técnico do St. Louis Blues no lugar do mediano Mike Kitchen.

E o que o sucessor de Kitchen vem conseguindo tirar de um elenco nível AHL desde então, é digno de aplausos. O reconhecimento dos torcedores veio na última apresentação do time no Scottrade Center nessa temporada, contra os Ducks. Já a chamada mídia especializada parece ainda ignorar o trabalho que Murray vem realizando em St. Louis. Mas a TheSlot.com.br é diferente, aqui a justiça é sempre feita — óbvio que desde que isso não dê muito trabalho.

Murray aceitou um desafio, está indo bem e é por isso mesmo rendemos agora tributo a esse profissional, com breve abordagem ao que ele fez em Los Angeles há alguns anos e de quebra outros tópicos pertinentes à grande legião de torcedores dos Blues no Brasil — alguém? Alguém? Bueller?

Desalento inicial
Quando o assunto dominante no início da temporada é se o peso de seu principal jogador está novamente acima do aceitável ou não, é porque há muito pouca coisa boa a ser discutida. Keith Tkachuk ocupava as manchetes novamente devido ao seu preparo físico desleixado após a entre safra da NHL. O grau de comprometimento de Bill Guerin com a franquia também estava em voga. Com isso, e tudo mais, todos acertaram em seus prognósticos: os Blues tiveram um início de temporada deprimente, de dar calos nos olhos. Sete míseras vitórias em 32 jogos.

E o termômetro de um mau momento dentro do gelo é o comportamento de sua torcida. Vendo que a causa era perdida, público abaixo de dez mil pessoas virou uma constante. Fato raro em uma franquia que em 40 anos de existência ficou fora da pós-temporada da NHL em apenas quatro oportunidades, com uma quinta a caminho. Até mesmo as visitas dos rivais Red Wings não convocavam a massa. O retorno de Doug Weight, após meteórica e vitoriosa passagem pelo Carolina Hurricanes, tampouco.

E se existe algo pior que perder, é perder em série. Após uma dessas seqüências de insucessos, Kitchen sucumbiu. John Davidson, ex-goleiro dos próprios Blues, e agora presidente do time, tomou a sábia decisão de eleger Murray para dar início a reconstrução da franquia.

Murray chegou a ser entrevistado pelo Columbus Blue Jackets nessa mesmíssima temporada, mas o time de Ohio acabou contratando o calórico Ken Hitchcock. Restou a ele um trabalho como consultor do Montreal Canadiens. Quando Davidson ligou para o gerente geral Habitant, Bob Gainey, perguntando se Murray poderia tomar um novo rumo, recebeu um sim. Sorte dos Blues.

O monarca
E essa missão de reconstruir um time não é um situação desconhecida na carreira do treinador. O torcedor dos Los Angeles Kings lembra bem de Murray. Ele substituiu Larry Robinson após os Kings penarem na temporada 1998-99. Dos 69 pontos somados no último respiro de Robinson no banco do time, para 94 pontos, o segundo lugar na Divisão do Pacífico e uma vaga na pós-temporada já no primeiro ano de Murray em LA.

No ano seguinte um desafio ainda maior: levar novamente o time à pós-temporada, sem poder contar com o jogador mais significativo da equipe nos anos anteriores, já que Rob Blake migrara para Denver. Mesmo sem o defensor, chegou a segunda viagem aos playoffs. E ela foi inesquecível. Primeira parada, os super favoritos Detroit Red Wings. Após perderem os primeiros dois jogos, Adam Deadmarsh, Zigmund Palffy e companhia assombraram o planeta hóquei ao vencer as quatro contendas seguintes. Foi a primeira série de pós-temporada vencida em oito anos pelo time californiano. Em seguida quase aprontaram para cima do Colorado Avalanche. Foi preciso uma sétima partida para que o Avalanche pudesse seguir sua marcha rumo ao título.

Alguns bons momentos, alternados com outros nem tanto depois, Murray viraria estatística. Demitido, deixou a franquia como treinador mais vitorioso da história do clube e com um uma respeitável marca de 53,7 % de aproveitamento.

Já em St. Louis...
Sua segunda oportunidade de mostrar seu potencial na mais competitiva das ligas está deixando claro que o bom trabalho na Califórnia não foi obra do acaso.

Sua campanha no comando dos Blues até agora (26-16-9) é assustadora se dermos uma olhada no material humano que ele tem à sua disposição. E no meio disso tudo o time conseguiu igualar a marca de 12 jogos consecutivos sem levar gol em períodos iniciais das partidas, na era moderna da NHL.

Muitos apostavam em marcas vexatórias, em recordes negativos, e o time entra pro livro dos recordes da era moderna da liga pela porta da frente? E antes que alguém fale que enfrentar Chicago e Columbus deve ter contribuído, lembro que Predators, Red Wings, Ducks, Canucks, Devils e Sharks também foram derrotados pelos Blues nessa curta era Murray.

O catalisador
Um dos maiores méritos do ex-treinador da seleção canadense é saber o que tem em mãos e extrair o que puder disso. Além de possuir um perfil de motivador de grupos, que caiu como uma luva na organização.

Pensei em enviar perguntas aos atletas através do site oficial dos Blues para ter testemunhos de como essa nova mentalidade vem ajudando a recuperar a imagem da franquia, mas como seríamos ignorados mesmo, me aproprio de declarações dadas aos jornais locais. Por favor, finja que foram testemunhos enviados para TheSlot.com.br. Não custa nada.

"Somos um time que realmente se uniu desde que Andy chegou aqui. Estamos orgulhosos do modo que estamos jogando. Mas temos que manter isso até o final." Declaração do hostil defensor Barret Jackman.

Agora palavras de sabedoria dele. Sim, dele mesmo. Dallas James Drake. Capitão e alma do time, que, com uma contusão no pulso — resultante de uma jogada camicaze, óbvio —, vem desfalcando o time nessa reta final de temporada. Todos de pé: "Mesmo que o hóquei seja um esporte coletivo, nem sempre ele é jogado dessa forma. Desde que Murray assumiu o time, passamos a ver apenas o que poderíamos obter jogando de uma forma coesa e voluntariosa. Vejo caras como Lee Stempniak ganhando destaque na NHL graças a essa mentalidade."

Perfeito, Drake. Que presença. Citar Lee Stempniak não poderia ter sido mais oportuno. Estava querendo arrumar um modo de incluir esse jogador nessa coluna, mas não sabia como, você mostrou o caminho. Obrigado, Drake!

Antes um completo desconhecido, Stempniak marcou duas vezes no último jogo do time, contra os Stars, chegando a 27 gols na temporada. Ágil e polivalente, vem sendo uma das boas surpresas dessa temporada 2006-07. Em seu segundo ano na NHL, o ponta-direita tem produção acima do esperado até mesmo pelo mais otimista membro de sua família. Assim como ele, outros atletas de pouca fama do time vem aparecendo bem, gerando aquele tradicional "quem?" quando vemos a lista dos pontuadores do dia.

O observador
Enquanto alguns treinadores ocupam seu tempo livre pesquisando as novas marcas de gel disponíveis no mercado — Marc Crawford, estou olhando em sua direção —, Murray assiste inúmeros DVDs com jogos dos prospectos do time espalhados pelo velho continente, prestando especial atenção em gente como o sueco Patrik Berglund. O afiliado do time na AHL e os times do hóquei colegial também recebem alta quota de atenção. Desse último fazem parte três valores que são as apostas mais fortes de um futuro promissor: o goleiro Ben Bishop, o arisco atacante T.J. Oshie — figurinha carimbada em nossas coberturas de competições de base — e o defensor Erik Johnson, que fez a famosa dupla Johnson & Johnson com Jack Johnson — atleta que recentemente estreou na liga pelos Los Angeles Kings — na seleção norte-americana júnior.

Enquanto alguns dos citados acima ainda estão verdes, é bem provável que Johnson se junte já na próxima temporada aos bons jovens já presentes no elenco, como David Backes, Brad Boyes, além do já citado Lee Stempniak. Com esses valores, com o inimitável Dallas Drake — se o capitão continuar a atuar — e com a mente sagaz de Andy Murray no comando, achar que jogar contra os Blues é certeza de vitória pode se tornar um grande erro de julgamento, que é o que já vem acontecendo.

Eduardo Costa parabeniza todos os integrantes da TheSlot.com.br pelos cinco anos de existência da publicação, em especial aos que mantiveram o projeto ativo — leia-se Alexandre Giesbrecht e Marcelo Constantino — no período em que a preguiça assolou boa parte da equipe. Agradece a Humberto Fernandes pela diagramação de suas colunas e aos nobres leitores, em especial aqueles que estão conosco desde a edição número um. Que o sentimento pelo hóquei, melhor esporte de que se tem notícia, cresça ainda mais no coração de todos. Amém!
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Andy Murray e seus comandados: para quando a canonização?
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Aqui Dallas James Drake leva a melhor sobre Martin Brodeur. Nessa reta final o capitão está machucado, mas sua áurea imaculada continua inspirando o time.
Cortesia da Delegacia de Memphis, Tennessee
Ozzy Osbourne pode ficar tranquilo. Com Murray e Dallas Drake na franquia, torcer pros Blues não é mais um crime inafiançável.
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Página publicada em 4 de abril de 2007.