Por: Thiago Leal

Há algumas semanas, quando ainda era convidado especial da revista, escrevi uma matéria sobre os jovens Paul e Yan Stastny, filho do grande Peter Stastny. Introduzindo o artigo, levantei a suposição que todos estavam cientes da estrela Peter Stastny e seus feitos na NHL. E foi aí que falaram... "Ei... tem muita gente que nem sabe quem foi o Stastny." Mas como isso é possível?

Peter Stastny nasceu em Bratislava, antiga Tchecoslováquia, atual capital da Eslováquia — cidade que, de forma fictícia, serviu de cenário para o terror "O Albergue" (na verdade filmado na República Tcheca, mas com roteiro ambientado em Bratislava). À época, a Tchecoslováquia estava para assumir o posto de segunda maior potência do hóquei internacional, atrás apenas da União Soviética.

Aos 17 anos de idade, antes de se tornar o segundo maior nome da NHL nos anos 80, Peter Stastny estreava sua carreira profissional pelo Slovan Bratislava, clube da cidade onde nasceu. Lá, Peter jogou profissionalmente por sete temporadas e teve companhia de seus irmãos, Marian, o mais velho, e Anton, o caçula. Juntos, os três conquistaram o primeiro título da história da equipe em 58 anos de existência: a Extraliga Tchecoslovaca de 1978/79.

Terminado o Campeonato — o Sloan Bratislava só voltaria a ganhar um título 19 anos depois, a Extraliga Eslovaca de 1998 — surgiu a notícia de que Peter e Anton estariam de mudança para o Canadá. Seriam dois dos primeiros jogadores a deixar a Cortina de Ferro rumo às ligas capitalistas do Ocidente. Estávamos chegando nos anos 80 e o Regime Socialista não mais resistia. A Guerra Fria estava chegando ao fim e, pouco a pouco as mentes comunistas abandonavam o velho pensamento vermelho. O fato é que os irmãos passaram apenas mais uma temporada em Bratislava, e em seguida deixaram seu país e partiram para o glamour da NHL. Peter e Anton eram os novos reforços do Quebec Nordiques e Marian os seguiria uma temporada depois.

Como a coluna tem o objetivo de enaltecer Peter Stastny, deixemos a trajetória de Anton e Marian de lado e nos concentremos no mais talentoso da família — quem sabe seus irmãos rendam assunto para artigo futuro.

Em sua primeira temporada na NHL, 1980-81, Peter Stastny disputou 77 partidas e marcou 109 pontos, além de cinco jogos de pós-temporada e dez pontos assinalados. Não é necessário dizer que o Tcheco Maravilha conquistou o Troféu Calder e participou do Jogo das Estrelas naquele ano também. Era só uma demonstração do estrago que o rapaz faria na NHL.

Um ano depois, Stastny jogava 80 partidas de temporada regular e marcava 139 pontos. Os Nordiques avançaram novamente aos playoffs, onde em 12 jogos, o Tcheco Maravilha foi responsável por 18 pontos, e a franquia só parou diante da máquina de Denis Potvin, o New York Islanders, que ganharia a Copa Stanley naquela temporada, feito que já tinha concretizado duas temporadas antes e ainda repetiria na seguinte.

Nas temporadas de 1982-83 e 1983-84, Stastny voltou a quebrar a barreira dos cem pontos, marcando respectivamente 124 e 119 pontos. Seu esforço ao lado de seus irmãos não foram suficientes para levar os Nods mais uma vez à final de Conferência, mas a prova que Stastny já era patrimônio tombado canadense foi sua naturalização como cidadão do país e participação na seleção nacional que disputou — e venceu — a Copa Canadá de 1984 (vide box).

Não demoraria, no entanto, para que Stastny e os Nordiques voltassem a uma final de Conferência Wales. Na temporada 1984-85, o Tcheco Maravilha e sua trupe perderam a final para o Philadelphia Flyers — os vice-campeões da Copa Stanley naquele ano, parando diante do Edmonton Oilers e sua dinastia movida a Gretzy, Messier e Kurri. Stastny encerrou aquela temporada com cem pontos e mais 23 na pós-temporada.

Infelizmente os Nordiques não voltariam às finais de Conferência em sua existência. O desempenho de Peter Stastny, naturalmente, começou a cair. O Tcheco Maravilha se segurou na casa dos cem pontos por mais duas temporadas alternadas, 1985-86 e 1987-88, fazendo "apenas" 77 na temporada interina, 1986-87. Os 111 pontos de Stastny em 1987-88 não foram suficientes para levar o Quebec aos playoffs. Peter ficou na cidade por praticamente mais duas temporadas, e, no final da temporada 1989-90, partiu para New Jersey para defender os Devils.

Com a franquia de Nova Jérsei, não voltou a ser a máquina de pontos que o colocou como o número dois da NHL nos anos 80, mas ajudou a equipe a chegar nos playoffs durante as quatro temporadas em que jogou. O ocaso estava chegando para um dos semi-deuses da década passada. A NHL já vivia a era de Mario Lemieux, Pavel Bure, Brian Leetch e um outro rapaz nascido na antiga Tchecoslováquia que viria a roubar seu apelido de Tcheco Maravilha: Jaromir Jagr. Peter Stastny estava vendo seus anos dourados chegarem ao fim. Em 1993-94, foi para St. Louis, onde jogou pouco e chegou a disputar os playoffs. Ainda teve tempo de ir ao seu país natal defender mais uma vez o Slovan Bratislava e marcar quatro pontos em quatro jogos.

Em 1994-95, Stastny jogou mais seis partidas com os Blues e marcou dois pontos. Decidiu que era hora de parar, cuidar dos filhos e ver os novos jovens jogadores tchecos darem curso à história que ajudou a começar. Uma temporada depois, a nova franquia que representava o time onde Stastny fez história, o Colorado Avalanche, venceria a Copa Stanley em sua primeira temporada. Definitivamente, a NHL não era mais a mesma.

Dentre os recordes pessoais de Stastny está o fato de ter sido o primeiro calouro a passar os cem pontos numa temporada, em 1980-81, com 109 pontos marcados — Wayne Gretzky não conta, já que, quando estreou na NHL em 1979-80, já havia disputado uma grande liga profissional, a WHA, da qual os dados estatísticos são considerados oficiais.

Stastny também foi o segundo jogador a marcar mais de mil pontos em uma década (1.119 nos anos 80) e um dos sete jogadores a marcar cem pontos ou mais por seis temporadas consecutivas.

Os números falam pelo homem que foi o número dois na última década da NHL onde o bicho pegou pra valer!


A participação de Peter Stastny defendendo as cores de seu país merecem um capítulo paralelo.

O central jogou pela equipe nacional desde 1976, pelo Campeonato Mundial da IIHF, que jogaria também em 1977, 78, 79 e 80, antes de partir para a NHL e se tornar um atleta profissional, proibido de disputar competições da IIHF. Dos Mundiais que disputou, Stastny ajudou seu país a vencer dois: 1976, sobre a poderosa União Soviética de Kharlamov e Mikhailov, e 1977, sobre a Suécia.

Foi pela Seleção Nacional, aliás, que o Tcheco Maravilha começou a virar lenda no Canadá. Peter Stastny estava no time da Tchecoslováquia que chegou à final da primeira Copa Canadá, em 1976, e perdeu para o Canadá de Phil Esposito, Bobby Orr e Denis Potvin.

Durante sua tragetória com os Nordiques, o carinho que Stastny recebeu do povo canadense e sua identificação com a cidade onde morava foram tamanhas que o Tcheco Maravilha traiu sua pátria — adquiriu cidadania canadense e, em 1984, defenderia o país na Copa Canadá. Num time que tinha Steve Yzerman, Mark Messier, Michel Goulet, Ray Bourque e Wayne Gretzky, é necessário dizer que Stastny conquistou o título da competição, sobre a Suécia.

Um ano antes de encerrar sua brava carreira no esporte, o Tcheco Maravilha se redimiu com seu povo. Com a Tchecoslováquia já dividida entre República Tcheca e Eslováquia, Stastny ficou do lado que nasceu e defendeu a Seleção Eslovaca nos Jogos Olímpicos de Lillehammer em 1994 e no Mundial de 1995, terminando ambas as competições sem medalhas.

Esta foi a valente e brilhante carreira de um ídolo tri-nacional que, durante cada minuto que esteve no gelo, deu seu melhor. E, na maioria desses minutos, seu melhor foi simplesmente o melhor absoluto, em todos os sentidos.

Agora, que seus filhos possam derramar o bom sangue da família Stastny nos gelos da NHL e, se possível, fazer alguma história.

Em tempo: em 2004 Peter Stastny engrenou na carreira política, ao se filiar ao partido eslovaco SDKU e se tornar um de seus três representantes no Parlamento Europeu.

Thiago Leal é fã incondicional de todos os grandes jogadores dos anos 1980 e lamenta que as dinastias de Islanders e Oilers tenham atrapalhado o caminho de Stastny rumo a uma Copa Stanley.
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Foto autografada — boas imagens de Peter Stastny são raridade mesmo na internet.
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O memorial dos saudosos Nordiques, com destaque para o maior jogador da história da franquia. Seria bom ver a NHL de volta a Quebec.
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A batalha dos deuses: Stastny (de vermelho) contra Bobby Orr na Copa Canadá de 1976.
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Stastny atendendo a um pedido de foto de jovens fãs na Eslováquia.
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Onde estão o taco e os patins? Stastny (o último, da esquerda para a direita) em sua faceta política representando a Eslováquia no Parlamento Europeu.
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Página publicada em 4 de abril de 2007.