Por: Humberto Fernandes

E não é que eles conseguiram? O Detroit Red Wings está nas finais da Conferência Oeste!

Anos de fracasso nos playoffs apagados diante da memorável campanha atual, com vitórias sobre Calgary Flames e San Jose Sharks. Os Red Wings superaram o trauma da primeira rodada e se impuseram na seguinte diante de um time visivelmente melhor. Mas no hóquei no gelo não basta ser o melhor, para vencer é preciso dar o seu melhor. É aí que os Red Wings têm surpreendido, demonstrando a determinação dos vencedores. Ao som de "Heroes".

"Heroes", de David Bowie, é a trilha sonora de hoje e de sempre, é o tema da motivação, da superação. É a música para os dias de jogos decisivos dos Red Wings. Veio à tona em 2002, na manhã do jogo 6 entre Red Wings e Colorado Avalanche, lançada por Marcelo Constantino. Os Avs venciam a série por 3-2 e estavam a uma vitória, em Denver, de eliminar o rival. Pensando e fazendo, o Detroit venceu aquele jogo e também o seguinte. E o resto está na história.

Desta vez "Heroes" tocou no jogo 4 contra os Sharks. E os Red Wings protagonizaram uma virada inesquecível para nunca mais olhar para trás e fechar a série em seis jogos.

Eu, eu gostaria de poder nadar
Como os golfinhos, como os golfinhos nadam

Os Sharks acusaram um grave problema na série: eles não sabem se comportar durante uma partida inteira. Os tubarões não nadam como golfinhos. Por três vezes na série os Red Wings viraram jogos, sendo dois quando perdiam por 2-0.

Alguns especialistas disseram que os Sharks eram tão bons que abriam vantagem no placar e então relaxavam propositalmente, definindo o ritmo do jogo. Na verdade eu não vejo desta forma. Mesmo no jogo 4, enquanto venciam, ou no jogo 6, quando buscavam a reação, os Sharks nunca dominaram as ações. Os tubarões foram aprisionados pelo polvo.

Embora nada, nada nos manterá juntos
Nós podemos vencê-los, para todo o sempre
Oh, nós podemos ser heróis, ao menos por um dia

Ron Wilson, o treinador dos Sharks, deixou claro que odeia os Red Wings, seu algoz em três séries de playoffs, sempre dirigindo times diferentes. O San Jose sobrou na primeira rodada contra o Nashville Predators, que por pouco não roubou do Detroit o cativo título da Divisão Central durante a temporada regular. Wilson tinha certeza de que a sua hora havia chegado, a vingança com que sempre sonhou.

Mas os Wings batalharam jogo a jogo para se manter na série, que esteve sob liderança dos Sharks por duas vezes, com 1-0 e 2-1. No jogo 4, faltando 34 segundos para a terceira e derradeira derrota, o mais criticado atleta da cidade de Detroit, do estado de Michigan, dos Estados Unidos e de Fortaleza, Ceará, marcou o gol salvador, empatando a partida. Robert Lang foi o herói, ao menos por um dia.

O gol de empate foi na verdade o gol da virada. Não no placar, mas nos rumos da série. Na prorrogação os Red Wings venceriam o jogo, comprovando que podem vencer para todo o sempre Wilson e o seu time da vez.

Eu, eu serei rei
E você, você será rainha
Embora nada os afastará de nós

Em outubro ninguém acreditava nele. Hoje não há um torcedor em Detroit que questione o seu reinado. Pode parecer estranho confiar no goleiro de 42 anos, mas Dominik Hasek não tem dado brechas para que alguém se lembre de sua idade. Basta vê-lo em ação, acompanhar suas defesas (muitas em momentos decisivos), para entender que um grande goleiro faz toda a diferença. Ele ainda é o Dominador.

Hasek disputou seis séries de playoffs com a camisa dos Red Wings e venceu todas. Na atual campanha registra média de 1,51 gol sofrido por jogo e 93,0% de defesas. Parece slogan de plano de saúde: conforto, tranquilidade e segurança. Com Hasek o Detroit tem tudo isso.

A Grécia que me perdoe, por chamar este seu filho nascido nos Estados Unidos de rainha — embora Atenas tivesse práticas um tanto suspeitas na antiguidade. Chris Chelios é a rainha de Detroit, porque não se pode ter dois reis. E talvez a longevidade da rainha da Inglaterra, que deve beirar o bicentenário, sirva como comparativo.

Quando você chegar aos 45 anos, provavelmente se lembrará de como era bom ser mais jovem e ter disposição de sobra. A menos que você seja Chelios. O quarentão-a-caminho-do-cinquentão tem visto cada vez mais tempo de gelo nos playoffs, principalmente porque dois dos principais defensores da equipe estão afastados por contusão. Mas quando o grego está no gelo, os fãs dos Red Wings sequer se lembram de quem está fora. Se um desconhecido vir Chelios em ação e lhe perguntar qual a idade do jogador, responda com segurança: "27". Ele vai acreditar. O jogador tem sobrado no gelo e com sua experiência ensina aos mais jovens como se comportarem neste momento da temporada.

Nós podemos ser heróis, ao menos por um dia
Nós podemos ser nós mesmos, ao menos por um dia

Quando o eterno capitão Steve Yzerman se aposentou, os Red Wings perderam o seu líder e maior referência dentro do gelo. Mas o sábio Yzerman já dizia que era hora de abrir espaço para os jogadores mais jovens. Quando Brendan Shanahan deixou Detroit para assinar com o New York Rangers, os Red Wings perderam o seu goleador. Mas o experiente Shanahan sabia que o futuro do time pertencia a outros jogadores.

Pavel Datsyuk e Henrik Zetterberg assumiram os papéis principais no elenco, tomando a responsabilidade de decidir jogos. Em Detroit a dupla está seguindo a ordem natural da vida, substituindo os ídolos do passado.

Há anos sabe-se que Datsyuk e Zetterberg seriam o futuro do time. No médio prazo neste futuro também estarão outros jogadores do elenco atual, mas resumindo a questão aos atacantes, os "Gêmeos Europeus" (como são chamados pela mídia) podem finalmente ser eles mesmos, porque não há ninguém com maior importância e que carregue maior fardo no time. São responsáveis diretos pelo sucesso ou fracasso da equipe e é mais fácil lidar com isso sem a sombra de monstros consagrados.

Eu, eu me lembro
De estar parado, encostado na parede

Mike Babcock foi contratado como o treinador mais próximo possível do gênio de Scotty Bowman. Claro que aqui o termo "mais próximo" significa o mesmo que o fim do seriado LOST (cuja última temporada irá ao ar no longínquo ano de 2010). Nunca, jamais e em esporte algum existiu ou existirá outro treinador como Bowman.

Babcock é apenas o segundo treinador pós-Bowman em Detroit e sua contratação foi amplamente aceita por ter o perfil desejado pela gerência, ser do tipo linha dura, que nunca se satisfaz com os resultados alcançados e quer sempre motivar os jogadores a ir além. No entanto, outra eliminação precoce lhe custaria o emprego. Babcock estava no paredão dos Wings, mas os resultados da equipe nestes playoffs certamente lhe garantirão outro bom contrato.

Seguindo sua filosofia, o treinador não se importa com nomes: Todd Bertuzzi e Lang amargaram poucos minutos por partida em várias ocasiões e Hasek levou esporro em público. O time não sofreu com isso, pelo contrário. A atitude de Babcock reforça o sentimento de que não importa quem é, desde que se vença o jogo.

As armas atiravam sobre nossas cabeças
E nós beijávamos, como se nada pudesse cair

Como todo rei, Hasek tem suas excentricidades. A maior delas é sair do gol para recolocar o disco em jogo.

No jogo 6, com os Red Wings vencendo por 1-0 e em vantagem numérica, Hasek se equivocou novamente, dando passe perfeito para Mike Grier atrás do gol. O atacante mais perigoso dos Sharks fez a viradinha e chutou na rede vazia, mas Nicklas Lidstrom, que está para os Red Wings assim como a vodka está para a Rússia, mergulhou e defendeu, impedindo o gol.

Ao salvar Hasek, Lidstrom garantiu o primeiro shutout do goleiro nestes playoffs. O defensor até merecia um beijo, tamanha a dificuldade da jogada que ele executara com perfeição, mas isso é problema deles.

O mesmo Lidstrom foi o responsável por marcar de perto a principal arma ofensiva dos Sharks, Joe Thornton, que passou em branco nas duas últimas partidas. Não só ele, aliás. Patrick Marleau, o capitão do time, foi comparado pela torcida ao folclórico Monstro do Lago Ness: você já ouviu falar sobre ele, mas nunca o viu. Marleau não marcou um ponto sequer na série.

O erro de Hasek poderia ser o novo ponto de ruptura do confronto, dessa vez a favor do San Jose. Mas ele não cometeu o mesmo pecado de seu adversário.

E a vergonha, estava do outro lado

Se o gol de Lang no jogo 4 virou o rumo da série, o gol de Datsyuk no jogo 5 confirmou que não havia mais volta no caminho trilhado pelas equipes. Os Red Wings definitivamente venceriam a série.

Com o jogo empatado em 1-1, o goleiro Evgeni Nabokov saiu do gol para rifar o disco, enquanto Datsyuk patinava em sua direção. Era uma jogada normal, dessas que o goleiro escolhe um lado e faz o passe. No entanto, Nabokov escolheu a direção errada e acertou o adversário, que cobria um dos lados. Datsyuk dominou o disco e marcou em rede vazia o gol da virada naquele jogo.

Os Sharks perderam a confiança em seu goleiro e abaixaram a guarda. Os Red Wings marcaram mais dois gols e estabeleceram a única goleada da série. Mais tarde Wilson diria em público que a falha de Nabokov havia causado a derrota, no que o cazaqui discordava. De fato o San Jose não perdeu por causa desse erro, que foi apenas mais um na lista do time. Mas o lance vergonhoso protagonizado pelo goleiro separou claramente os vencedores e perdedores.

Oh, nós podemos vencê-los, para todo o sempre
Então poderíamos ser heróis, ao menos por um dia

Por duas vezes em sua história os Red Wings derrotaram o Anaheim Ducks nos playoffs, em 1997 e 1999, com oito vitórias em oito jogos. Mas não foi sempre assim. No terceiro encontro entre as equipes, os Ducks devolveram na mesma moeda, varrendo o adversário em 2003.

Dessa vez o confronto vale mais do que os anteriores. O vencedor competirá pela sagrada Copa Stanley. Novamente os Red Wings são os azarões, assim como na rodada passada. Os Ducks, então, são os favoritos absolutos, porque eles são maiores, mais rápidos e mais fortes. E eu ainda nem pensei em Chris Pronger.

Se o Detroit derrotar o Anaheim, os jogadores serão heróis por muito mais que um dia. A dedicação e a competência de todos eles ficarão marcados para sempre na lembrança dos fãs. Um grupo de guerreiros.

Nós podemos ser heróis
Nós podemos ser heróis
Nós podemos ser heróis.

Humberto Fernandes apostou no Calgary Flames e no San Jose Sharks. Errou ambos. Agora aposta no Anaheim Ducks.
Jed Jacobsohn/Getty Images
Dia após dia, eles foram heróis. Um jogo após o outro. Sequência de vitórias. A classificação para as finais de conferência.
(07/05/2007)
Jed Jacobsohn/Getty Images
Dominik Hasek, com sua coroa e seu cetro, celebra a vitória dos Red Wings em jogo que não sofreu gol, com a ajuda de Nicklas Lidstrom.
(07/05/2007)
Jed Jacobsohn/Getty Images
Mike Babcock provou o seu valor na lapidação deste time, escapando do paredão e garantindo seu emprego.
(07/05/2007)
Jed Jacobsohn/Getty Images
O San Jose Sharks era mais forte, mais rápido e mais perigoso, no entanto ficou pelo caminho dos Red Wings.
(07/05/2007)
Jeff Vinnick/Getty Images
Os heróis dos Red Wings resistirão ao maior poder do Anaheim Ducks?
(03/05/2007)
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-07 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citados o autor e a fonte.
Página publicada em 9 de maio de 2007.