Quanto tempo falta até outro time aparecer e oferecer
uma bela quantia para
Alex Ovechkin trocar de
uniforme
e fazer o que é melhor
para ele?
Gritos desesperados foram ouvidos a
centenas de quilômetros de distância.
Algo surreal, que muito lembrou
clássicos do cinema B como Evil Dead e Fome
Animal. Eles vinham de Pittsburgh
no dia 6 de abril de 2004, assim que a primeira
informação vazou da caverna no Paquistão onde era
realizado o sorteio que definiu a ordem do recrutamento
daquele ano. Não era difícil imaginar por quê.
Depois de uma temporada miserável, os Penguins garantiram,
com um ponto de desvantagem, a última
colocação da NHL e, conseqüentemente, as maiores
probabilidades de ficar com a primeira escolha.
O consenso era de que o fenômeno russo Alexander
Ovechkin seria o primeiro escolhido. A torcida dos
Penguins já contava com Ovie no time, a pedra fundamental
de uma difícil reconstrução depois de três
anos entre os piores da liga. Mas as bolinhas saíram
em outra ordem, e quem sorriu naquele 6 de abril foram
todos os 37 torcedores dos Capitals. Ao pessoal do
Oeste da Pensilvânia, sobrou o prêmio de consolação: Evgeni Malkin, que se dizia ser "quase tão bom" quanto Ovechkin. Grande consolo para quem esperava
um salvador.
Três anos depois, os gritos que
emanam de Pittsburgh não são de
agonia. São gritos de gol, mesmo.
Ninguém na cidade pode reclamar
do destino de seu time, que
não só ficou com Malkin, como
tirou a sorte grande na loteria do
ano seguinte e ainda arrematou
Sidney Crosby, o prospecto mais
cobiçado desde Eric Lindros — e
que também aparenta ter uma
carreira muito mais produtiva
que a do homem das concussões.
Enquanto isso, na capital
norte-americana, o cenário de
esperança praticamente desapareceu.
Os Capitals continua
irrelevantes no cenário local, e
isso porque concorrem com um
desastre em forma de time de
beisebol, um eterno figurante na
liga de bola ao cesto e um time de
futebol americano com uma torcida
considerável que já foi uma
potência, mas há um bom tempo
não ganha nada (uma espécie de
Botafogo). Ovechkin agitou a liga
em suas duas primeiras temporadas, é bem verdade, mas, com um
elenco de AHL à sua volta, não
há muito que possa fazer. Mesmo
sempre em evidência, é ele, não o
time, que fica sob os holofotes.
A média de público dos Caps
em 2007-08 é de 74,2% da capacidade
de seu estádio, terceira
pior marca da liga, atrás dos
Panthers, outro time sobre gelo
fino, e Blackhawks, ainda se recuperando das décadas de administração
do falecido Bill Wirtz.
Para se ter uma idéia do que isso
significa, não mais que seis times
têm uma média abaixo dos 80%,
e mais da metade está acima dos
90%. Se com Ovechkin as coisas
estão assim, imagine sem ele.
As coisas também poderiam
estar um pouco diferentes se o
time conseguisse uma bela coleção
de vitórias. Glen Hanlon, por
exemplo, ainda teria seu emprego
de técnico, mas a guilhotina
cruelmente decepou sua cabeça
na quinta-feira. Essa metáfora
pode parecer exagerada, mas
não para quem assistiu ao coro
de "Demitam Hanlon!" que se
ouviu no Verizon Center no dia
anterior, durante a derrota para
os Thrashers por 5-1 — o mesmo
time que perderia de maneira bisonha
para os Penguins por 5-0
três dias depois. Foi a nona derrota
em dez partidas e a 15.ª nos
18 jogos desde as três vitórias que
abriram a temporada. E foi ainda
a gota d’água no pior início de
temporada do time em 26 anos.
O substituto interino, Bruce
Boudreau, assumiu no jogo seguinte,
não antes de se perder ao
chegar a Washington. O resultado
foi até clichê: vitória sob novo
comando, seguida de nova vitória
no jogo seguinte. Aquele mesmo
padrão que torcedor de futebol
brasileiro já conhece bem, mas
com um detalhe: as vitórias vieram
contra os líderes da Divisão
Atlântico e Sudeste, respectivamente
Flyers e Hurricanes. O problema é que, ainda que essas
duas partidas sejam um sopro de
esperança em um time moribundo,
o futuro da franquia no médio
prazo é aterrador.
No próximo dia 1.° de julho
expirará o contrato de Ovechkin.
Até aí, tudo bem, mas é cada vez
mais difícil imaginar uma razão
para ele topar renovar o compromisso.
Dinheiro? Com o teto
salarial, os Capitals não podem
oferecer mais que 20% do limite.
Não há dúvidas de que há muitos
times por aí que pagariam essa
quantia de muito bom grado. E
nesse bolo há times vencedores,
que podem dar ao russo a oportunidade
de jogar ao lado de jogadores
de verdade, em vez de
cones com patins. É claro que esses
times teriam de ceder ainda
escolhas de primeira rodada nos
quatro recrutamentos seguintes.
"Honestamente", comenta Larry
Brooks, jornalista do New York
Post, "se Kevin Lowe achou que
Tomas Vanek valia quatro escolhas
de primeira rodada no último
verão setentrional, qualquer
gerente geral com espaço sob o
teto para acomodar um salário
de até US$ 10 milhões por ano vai
pensar a mesma coisa do dinâmico
Ovechkin, de apenas 22 anos."
Por enquanto, no discurso do
russo ainda não se viu um só comentário
sobre uma possível saída
já nas próximas férias, mas eu
não colocaria minha mão sequer
em água morna — quanto mais
no fogo — que ele gostaria de ficar.
A situação é mais que propícia a algum time aparecer para
jogar água no chope dos Capitals.
Fala-se muito nos Flyers.
E Ovechkin não vai precisar
sequer ter o trabalho de bolar
uma boa desculpa para sua debandada
de uma cidade em que o
hóquei é menos importante que o
George W. Bush: a tarefa caberá à
sua assessoria de imprensa. E aos
37 torcedores dos Caps restará...
bem, neste instante sobraram apenas 36 deles. É melhor Alexander
Semin ser bem melhor do que
parece ser.
Esqueçam Kvartalnov!
Tudo bem que mal passamos da
marca de um quarto da temporada,
mas não deixa de ser ao
menos um pouco irônico que,
no instante em que escrevo esta
coluna, Evgeni Malkin esteja à
frente de Alexander Ovechkin na
tabela de artilharia. Eram só três
pontos a mais na segunda-feira,
com 59 partidas pela frente para
cada um, mas a comparação é
inevitável, especialmente depois
de Malkin ter quebrado o recorde
de pontos em jogos consecutivos
de um russo. A seqüência de 15 jogos
foi encerrada no sábado: apesar
da goleada dos Penguins por
5-0 sobre os Thrashers, Malkin
não apareceu na ficha técnica.
Essa nova marca corrigiu o que
só pode ser um grande engano do
destino. Você deve imaginar que
o antigo detentor do recorde fosse
Pavel Bure ou talvez Alex Kovalev.
Quem sabe Igor Larionov ou o próprio
Ovechkin. Não. Quis alguma
força maligna que ele ficasse por
anos nas mãos do esquecível Dmitri
Kvartalnov, que defendeu os
Bruins entre 1992 e 1994.