Por: Eduardo Costa

O feito que será destacado neste espaço foi há tanto tempo que tivemos que aplicar uma dosagem extra de calcitonina para combater a osteoporose desta missiva. Membros da redação jogaram cal sobre o teclado ao mesmo tempo que a coluna ganhava forma. Até o título da mesma já enfrenta os primeiros sintomas da menopausa. Mas não poderíamos simplesmente ignorar o maior feito individual da temporada até o presente momento: no último dia 20 de dezembro, Marian Gaborik marcou cinco gols contra o New York Rangers. Brutal!

Tivéssemos uma edição na última semana de 2007, certamente ela teria Gaborik na capa, e uma dúzia de infográficos mirabolantes sobre cada movimento do eslovaco em sua noite de gala, além de sorteios de várias camisas número 10 do Minnesota Wild para nossos leitores. Mas, como esta publicação estava em pleno processo de embriagamento natalino, apenas agora colocamos em nossas incorruptíveis páginas uma singela coluna sobre a façanha.

A noite irrefreável (?) de Marian Gaborik!

Os Rangers chutaram mais, rondaram sempre com perigo a meta de Josh Harding e até foram usurpados em algumas decisões arbitrais, mas sempre que Marian Gaborik tocava no disco algo superlativo acontecia e, diante disso, qualquer esforço contrário seria mesmo inútil. O eslovaco chutou dez vezes, e a metade desses disparos acabou nas redes de Henrik Lundqvist. E, como se fosse pouco ter anotado tantas vezes contra um dos melhores goleiros da nova safra da NHL, Gaborik o fez em frente à sua torcida, no sempre cheio e participativo Xcel Energy Center.

E ele já vinha quente. Antes de encarar os Rangers, a estrela do Wild vinha de cinco partidas pontuando e três em que anotara ao menos um gol. Muitos se perguntam o que seria capaz de fazer se se mantivesse saudável — ele nunca conseguiu atuar em todos os jogos de uma temporada —, e talvez só agora estejamos tendo a resposta.

Havia 11 anos um artilheiro não tinha uma noite tão prolífera: o último tinha sido Sergei Fedorov (ver extras abaixo).

Ato 1
Com os Rangers liderando após um tento em vantagem numérica de Michal Rozsival, Jaromir Jagr resolveu colaborar para o início do show de Gaborik. Ele não conseguiu rifar o disco três vezes em dez segundos perto de sua meta. Pavol Demitra não teve dificuldades em desarmar o tcheco e dar o passe para Aaron Voros. O surpreendente terceiro membro da primeira linha do Wild deu um lindo passe de costas e entre as pernas de volta para Demitra, que serviu na medida para Gaborik empatar. Belíssimo gol. E elogios para a participação de Voros na jogada.

Ato 2
Já dentro do segundo período e com sua equipe em vantagem numérica, Gaborik pegou o próprio rebote para colocar o Wild na frente pela primeira vez no jogo. Lundqvist mais uma vez não teve chances, ainda mais com Martin Straka apenas deixando o carrasco eslovaco livre frente ao goleiro sueco. O belo detalhe do gol foi ver Gaborik acertar o disco ainda no ar. Barry Bonds faz isso com maestria na MLB, mas Gaborik não precisa de esteróides para fazê-lo na NHL.

Ato 3
Poucos minutos depois, St. Paul veria um hat trick natural. Voros, mesmo sem tocar no disco, abriu o gelo para Gaborik, que, paciente, esperou pela decisão de Lundqvist para mandar o disco por cima do sueco. Coisa de quem sabe. Assim como o anterior, este tento também veio em uma vantagem numérica e em um momento em que os Rangers dominavam o embate. Nono hat trick da carreira de Gaborik, mas a orgia goleadora estava apenas começando.

Martin Straka chegou a diminuir a diferença após soberba jogada de Jagr — como nas últimas partidas, o tcheco de Kladno mostra seu melhor e seu pior em intervalos bem curtos de tempo —, mas um chute longo de Pierre-Marc Bouchard voltaria a dar a vantagem de dois gols ao Minnesota. O gol teve como assistente Marian Gaborik. Os Rangers continuaram insistindo em driblar sua sorte, e o gol de Nigel Dawes deu uma dose de dramaticidade à partida. Pena que a dose desceu rápido demais...

Ato 4
Segundos após os Rangers marcarem, o destino mostrou que a noite tinha um dono absoluto. O defensor Nick Schultz mandou a bomba da linha azul e, mesmo com quatro atletas da equipe nova-iorquina próximos a Lundqvist, o rebote foi parar justamente com Gaborik. Rápido e preciso, assim como no segundo tento, ele sequer esperou o disco tocar no gelo. Incrível: parecia uma ciranda formada por camisas brancas, e o objeto de desejo procurou pelo solitário homem de vermelho e verde entre eles.

Ato 5
Um jogador de cada lado no banco de penalidades significa sempre gelo extra para quem tem velocidade e boas mãos. Um gol de contra-ataque, uma das marcas registradas de Gaborik, era o que faltava para a coroação definitiva. O universo conspirou, Gaborik roubou o disco de Chris Drury na zona neutra e partiu como uma locomotiva sem freio. Ele já estava na quinta marcha quando seu perseguidor mais próximo, Fedor Tyutin, ainda engatava a terceira. Desta vez, Lundqvist nem teve tempo de decisão. Disco obviamente na rede. Quinto gol de Marian na noite, e ainda restavam dez minutos de partida.

A história poderia ser reescrita, afinal, com tempo e inspiração sobrando, alcançar o recorde absoluto de gols em uma única partida na nonagésima temporada da NHL não parecia algo impossível — Joe Malone marcara sete vezes pelo Quebec Bulldogs em 31 de janeiro de 1920, contra o Toronto.

Marian até teve duas chances bem claras para chegar lá, mas Stephen Valiquette, que substituiu Lundqvist após este sofrer seis gols em 18 chutes, evitou, com defesas de alto grau de dificuldade, que Malone ganhasse companhia no livro dos recordes da liga.

Apesar de não ter aprontado mais nenhuma traquinagem na segunda metade do período final, todos os olhares estiveram direcionados para o artilheiro. E quem melhor do que o próprio para descrever a sensação gerada após o histórico embate?

"Uma vez marquei cinco gols, mas foi pela liga eslovaca; isso que aconteceu hoje é completamente diferente. Marcar cinco gols na NHL é uma experiência única. E alcançar este feito aqui, com meus companheiros e na frente dos nossos torcedores, é inacreditável."

Até mesmo o sempre reservado em elogios Jacques Lemaire rendeu-se ao pupilo, comparando-o a ninguém mais, ninguém menos que um ex-companheiro que também entendia muito de colocar discos nas redes: "Quando a torcida entoava seu nome em seu último turno, quando todos estavam de pé aplaudindo-o, eu lembrei de quando Guy Lafleur ainda jogava e fazia essas coisas."

Já o goleiro titular dos Rangers e principal vítima do dia, quando indagado sobre sua atuação, não se rendeu à autoflagelação: "Nunca é divertido sofrer tantos gols, mas temos que dar uma olhada nos gols que sofremos. Culpa minha? Ou resultado de uma grande performance dos adversários?"

Lundqvist tem que ser absolvido: foi mesmo uma grande performance, dessas que ficam na retinas de quem a presenciou por anos a fio.

BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS! BÔNUS!
Todas as publicações e sites do ramo, devido ao feito de Gaborik, citaram que Mario Lemieux e Sergei Fedorov foram os dois últimos atletas a anotar cinco vezes em um jogo da liga. Verdade imutável. Mas só TheSlot.com.br mergulha em águas turvas nunca antes navegadas para trazer detalhes para seus magnânimos leitores. Então fazemos uso de nosso vasto arquivo e trazemos a você detalhes daquelas duas atuações ímpares e outras coisas que servem apenas para esta coluna chegar a 1 quilômetro.

Fedorov foi o último atleta antes de Gaborik a anotar cinco vezes na NHL, mas ele precisou de 2:39 a mais para fazê-lo contra o Washington Capitals, em 26 de dezembro de 1996. O time da capital americana esteve na maior parte do tempo liderando o jogo na Joe Louis Arena, mas sempre com Fedorov mantendo a situação contornável para o Detroit. Apenas uma vez, até aquele momento da temporada, os Caps haviam perdido um jogo em que começaram o terceiro período em vantagem. Mas o russo estava intragável.

Jim Carey não conseguiu impedir os quatro gols de Fedorov no tempo regulamentar e nem o que viria a seguir. Na prorrogação, Vladimir Konstantinov, dono de quatro assistências na noite, apostou na fórmula vencedora dos três períodos anteriores e serviu seu compatriota, que vazou Carey pela quinta vez: Detroit 5-4. Ou melhor, Fedorov 5-4. O central só não entrou para o livros dos recordes da franquia no quesito gols marcados em um único jogo porque Syd Howe, em 3 de Fevereiro de 1944, marcou seis vezes na goleada de 12-2 sobre o New York Rangers.

Poucos meses antes, o St Louis Blues, na época treinado pelo rústico Mike Keenan e que contava com gente do naipe de Wayne Gretzky, Craig MacTavish, Brett Hull e Al MacInnis em suas fileiras, foi a Pittsburgh enfrentar o então melhor time da Conferência Leste. Os Penguins haviam acabado de empalar os Rangers em pleno Madison Square Garden por 8-2 e possuíam os três maiores pontuadores da liga (Lemieux, Jagr e Ron Francis). Para piorar as coisas para os Blues e seus goleiros Grant Fuhr e Jon Casey, Super Mario tinha acabado de ser pai pela terceira vez. Motivado e querendo presentear o mais novo membro do seu clã, Lemieux fez cinco gols e deu assistência para mais dois nos 8-4. Até a histórica noite de Gaborik, essa era a última vez em que um jogador tinha anotado cinco gols em tempo regulamentar na NHL.

Lemieux repetia o que já havia feito duas vezes na NHL. A mais celebrada, sem dúvida, foi no último dia de 1988, quando marcou de cinco maneiras diferentes contra o New Jersey Devils.

Wayne Gretzky conseguiu o feito em quatro oportunidades, todas elas quando defendia o superesquadrão dos Oilers nos anos 80. Mas nem o "Great One" pode ameaçar o há muito extinto e já mencionado Joe "Fantasma" Malone.

Malone não apenas foi o único a marcar sete vezes em um jogo na liga, como ainda é um dos apenas sete atletas a ter uma noite com seis gols — também pelos Bulldogs, e pouquíssimos dias após a noite do recorde absoluto. Não muito satisfeito, Malone anotou cinco gols em três oportunidades na carreira.

Inveja, Paul Laus?

Eduardo Costa já marcou nove gols em uma partida de hóquei em garagem.
Bruce Bisping/Star Tribune
Um...
(21/12/2007)
Eric Miller/Reuters
...dois...
(21/12/2007)
Bruce Bisping/Star Tribune
...três. E ainda houve mais dois.
(21/12/2007)
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-08 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 9 de janeiro de 2008.