Por: Thiago Leal

A União Soviética sempre fascinou por seu poderio militar, suas armas de destruição em massa, seus aparatos tecnológicos e sua engenharia espacial. Mas ter mandado o primeiro ser vivo e o primeiro ser humano ao espaço foi pouco para os soviéticos. Eles precisaram dominar também a terra — congelada, claro. Fizeram isso com Boris Mikhailov, Aleksandr Maltsev, Valeri Kharlamov e Vladimir Krutov.

Parte desses homens ainda patinavam no período pós-Guerra Fria e pós-União Soviética, com a Rússia já segmentada. Mas outro homem assumiu a condição de líder soviético em terra firme. E era tão rápido que ganhou a alcunha de um armamento tecnológico na qual os russos sempre foram pródigos: o Foguete Russo, mais conhecido como Pavel Bure.

Dando prosseguimento na série sobre grandes jogadores que jamais venceram a Copa Stanley, as linhas abaixo discorrem sobre a carreira de Pavel Bure e seus feitos nos rinques da América e do mundo.

Bure divide com Igor Larionov o posto de maior jogador russo desde Kharlamov e Mikhailov — e que hoje é disputado por Alexander Ovechkin, Evgeni Malkin e Ilya Kovelchuk. Historicamente, sua família servira de diferentes maneiras ao país. Seu avô, chamado Pavel, era relojoeiro pessoal dos Czars russos. Já o seu pai, Vladimir, fora campeão olímpico em 1972 e 1976, como parte da equipe de natação soviética. Herdando o sangue de atleta do pai, Bure começou a jogar hóquei pelo time do CSKA Moscou aos 16 anos de idade, depois de dez anos praticando o esporte na escolinha do clubeu. Desde cedo apresentava aquelas que seriam suas características principais no rinque: velocidade e grande habilidade em drible e chute. Essas virtudes eram provenientes de grande disciplina e dedicação, típicas de um jovem soviético. Bure era preparado pelo pai Vladimir para ser um grande jogador desde os sete anos de idade, e lidava diaramente com a pressão e cobrança pessoal para se igualar aquele que era seu herói: Kharlamov, a quem assistiu jogar na Summit Series de 1972.

Com a Seleção Soviética Juvenil, ganhou um ouro (1989) e duas pratas (1990 e 1991) no Campeonato Mundial Juvenil. A essa altura já tinha disputado quatro temporadas do Campeonato Soviético e era um prospecto da NHL — seu recrutamento aconteceu em 1989, na sexta rodada, 113ª escolha geral, pelo Vancouver Canucks. Sua estréia pela equipe canadense só aconteceu na temporada 1991-92. Em 65 jogos na temporada regular, marcou 60 pontos. Pela pós-temporada foram 13 jogos e dez pontos. O extrato final foi o Troféu Calder para o jovem russo.

Depois de uma estréia empolgante, Bure protagonizou duas temporadas sensacionais frente os Canucks. Em 1992-93, com 110 pontos na temporada regular, levou os Canucks às semi-finais da Conferência Clarence Campbell (atual Conferência Oeste), caindo diante do Los Angeles Kings de Wayne Gretzky. Mesmo assim, foram 12 pontos em 12 jogos nos playoffs.

Já em 1993-94, o Foguete Russo levou o Vancouver à disputa da Copa Stanley com 107 pontos na temporada regular e 31 pontos nas 24 partidas da pós-temporada, além de ter ficado no Primeiro Time das Estrelas. Foi o símbolo daquela difícil caminhada que começou com uma vitória por 5-0 sobre o Calgary Flames, que logo tornou em três vitórias consecutivas do Calgary e liderança da franquia rival por 3-1 na série. Os Flames vinham do segundo lugar no Oeste com os Canucks em sétimo. O quinto e decisivo jogo foi vencido pelos Nucks na prorrogação por 2-1. Também na prorrogação o Vancouver venceu o jogo seis por 3-2 e, decidindo a vaga em Calgary, bateu os Flames por 4-3 depois de dois tempos extras, na melhor série da história da franquia. Bure marcou o gol decisivo. Depois o Vancouver passou fácil por Stars (4-1) e Leafs (4-1) para chegar à decisão.

Bure não venceu o título porque no seu caminho havia um New York Rangers disposto a quebrar seu jejum de 54 anos sem título e um Brian Leetch obstinado a ganhar o Troféu Conn Smythe.

O pique (numa velocidade que ninguém alcançaria) de Bure foi quebrado pelo meio-locaute da temporada 1994-95, coincidindo com o aparecimento de contusões. Você não pode dar 100% de si no gelo sem perder alguma coisa. A temporada 1995-96 só rendeu 15 jogos ao fenômeno soviético, graças ao rompimento dos famigerados ligamentos cruzados do joelho. A contusão também o tirou da disputa da Copa do Mundo de Hóquei pela Seleção Russa. A temporada seguinte viu um Pavel Bure ainda longe de sua melhor forma com 55 gols em 63 jogos. Só em 1997-98 Vancouver pode assistir um Bure costumeiro, autor de 90 pontos em 82 jogos — insuficientes para levar os Nucks aos playoffs, que não disputavam desde a meia-temporada 1994-95.

Também em 1998 Bure foi a Nagano, no Japão, ajudar seu país nos Jogos Olímpicos, como seu pai fizera no passado. Bure foi o terceiro lugar em pontos no torneio de hóquei no gelo. Seus nove pontos o puseram a frente do ídolo de nosso colunista Eduardo Costa, o cazaque Alexander Koreshkov, e atrás apenas de Teemu Selanne e Saku Koivu (ambos com dez pontos). O problema para Bure é que, por mais que ele se esforçasse, sempre parecia haver alguém em forma melhor, capaz de oferecer 101% de si para conquistar o título. Na fase final, com os melhores países do ranking já pré-classificados, a Rússia bateu o Cazaquistão por 9-2; a Finlândia por 4-3; e a República Tcheca por 2-1. Passou pela Bielo-Rússia por 4-1 nas quartas-de-final e pela Finlândia por 7-4 na semi. A final fora contra a República Tcheca, novamente, e lá estava um Dominik Hasek fenomenal, apanhando todos os chutes de Bure e garantindo o ouro aos tchecos por um simples 1-0.

Depois da temporada 1997-98, decepcionado com o desempenho dos Canucks, Bure recusou-se a continuar defendendo o time e pediu para ser trocado. Acabou perdendo quase toda a temporada regular. Disputou apenas 11 jogos, mas 13 gols (e 16 pontos). Isso é Pavel Bure, independentemente de quão fraco é a franquia pela qual está jogando. Durante suas quatro temporadas incompletas na Flórida Bure disputou 223 partidas de temporada regular com 251 pontos, quatro pontos em quatro jogos de pós-temporada e iniciou e terminou namoro com a tenista compatriota Anna Kourkinova, residente em Miami.

Em 2002, o russo ganhou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Salt Lake City, vencendo a Bielo-Rússia por 7-2 depois de ter perdido dos EUA por 3-2 na semi-final. Retornando à NHL, Bure foi trocado com o New York Rangers durante a temporada 2001-02, chegando a Nova Iorque com a promessa de levar a franquia à pós-temporada, coisa que já não acontecia desde 1997. Suas contusões não permitiram atuar da forma que desejava. Bure disputou apenas 39 jogos na temporada regular 2002-03.

Totalizou 702 jogos de temporada regular com 779 pontos, e um legado à memória daqueles que o viram jogar onde nunca ter vencido uma Copa Stanley, sem dúvidas, não faz diferença alguma.

Thiago Leal terminou o rascunho do roteiro de Anatomia de uma Derrota e começará nesta semana a desenhar os esboços das 167 páginas de estória.
Arquivo TheSlot.com.br
Um jovem Pavel Bure, com os Canucks, brigando pela Copa Stanley. Começo da carreira na NHL.
Ian Tomlinson/Getty Images
Contraste com seu fim de carreira, no New York Rangers.
(14/11/2002)
Canadaolympic989
Bure (#10) passa para Fedorov. Ao fundo, Hasek guardava a trave. Sempre havia alguém no caminho do Foguete Russo.
(21/02/1998)
Thiago Leal/TheSlot.com.br
Camisas de Bure no Panthers e no CSKA Moscou, do arquivo pessoal do colunista.
(20/04/2007)
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Página publicada em 19 de março de 2008.