Por: Thiago Leal

Já foi proferido inúmeras vezes nas páginas virtuais dessa revista que não existe coisa que repudiamos mais num rinque de hóquei que a covardia e a deslealdade. Inúmeros casos infelizes, como Claudio Lemieux, Todd Bertuzzi, Chris Simon e, mais recentemente, Ian Laperriere.

Nenhum caso, talvez, seja mais traiçoeiro que o pisão de Chris Pronger em Ryan Kesler na última quarta-feira dia 12 — partida em que seu clube, o Anaheim Ducks, venceu o Vancouver Canucks de Kesler por 4-1.

O que piora o caso é a punição leve que a NHL concedeu a Pronger e aos Ducks: míseros oito jogos. Isso não é punição. É um favor, que acaba envergonhando atleta e franquia.

Pisando onde não devia
O Anaheim Ducks vencia o Vancouver Canucks por 3-1 já no início do segundo período. Daniel Sedin vinha para o disco, junto à borda por trás do gol do Anaheim, quando Pronger, de forma limpa, o protegeu. Kesler vinha por trás, aparentemente para disputar a jogada ou com intuito de se posicionar atrás do gol. Acidentalmente, Kesler tropeça em Pronger e cai no chão durante a disputa do capitão do Anaheim contra Sedin. O perigo foi afastado, o disco foi mandado para longe das bordas e Sedin perdeu o taco e correu para apanhá-lo. Pronger estava de pé e Kesler caído junto a ele. Inexplicavelmente, Pronger pisa três vezes na perna de Kesler, antes de sair para o jogo novamente. Felizmente, Kesler não sofreu nenhuma lesão com o lance — algo que era bem possível de ter acontecido.

Não há como detectar nada que pudesse ter provocado Pronger. Kesler estava simplesmente caído. Não chutou Pronger, não o puxou, não o segurou, não fez nada demais. A reação de Pronger foi simplesmente animal e repulsiva. É o tipo de lance onde não existe argumento algum.

O lance passou despercebido pelos árbitros durante a partida e Pronger não teve punição alguma durante o jogo. Inclusive, foi o jogador do Anaheim com mais tempo de gelo logo depois de Mathieu Schneider.

Mas nada que vídeos, noticiários e manchetes não pudessem exibir a todo momento depois do jogo, certamente envergonhando Pronger na frente de seus filhos em casa. E o transformando no inimigo número um da Ilha de Vancouver.

Chutou a cara do cara caído
Não foi bem um chute nem foi exatamente na cara, mas o verso de Lobão (do hino oitentista "Vida Bandida") encaixa-se perfeitamente na atitude covarde de Pronger. A agressão foi, por si só, nojenta e injustificável. Seria ultrajante partindo de um jogador qualquer. Talvez se Joe DiPenta ou Sean O'Donnell fossem os protagonistas (ou até mesmo antagonista, porque a vítima se encaixaria melhor no papel principal) do lance, a coisa tivesse sido por si só indecorosa. Mas é pior quando você é um dos melhores defensores da Liga. Quando você é uma escolha número dois de recrutamento. Quando você é um Campeão de Copa Stanley interessado em defender seu título. Quando você é o capitão de uma franquia.

O C no ombro não é apenas uma letra. Você assume a posição de líder daquele elenco. Fala pelos seus companheiros, representa o time, a franquia, o clube, a torcida. É necessário que um capitão, acima de tudo no hóquei no gelo, seja um jogador habilidoso e guerreiro, mas, ao mesmo tempo, leal. O hóquei é um esporte duro, e muitas vezes violento. Mas não deve jamais ser traiçoeiro. A deslealdade é algo que sempre irritou no mundo do hóquei e sempre causou uma péssima repercussão.

Vergonha pouca é bobagem
Que o diga a NHL. Não bastava o lance ter se passado despercebido pelos árbitros e delegados de jogo presentes na partida. A própria NHL, depois de conferir as imagens pelo vídeo, depois de toda repercussão negativa do incidente na mídia, puniu o Pronger com apenas OITO jogos.

Um lance parecido ocorreu nesta mesma temporada, no dia 15 de dezembro, quando Chris Simon, então no New York Islanders pisou criminosamente em Jarkko Ruutu do Pittsburgh Penguins. Simon, um completo reincidente em lances do tipo, tomou um gancho de 30 jogos. E agora me vêm punir o Pronger com míseros oito jogos? Não é a suspensão de Simon que foi injusta e demasiadamente longa. É a de Pronger que está muito branda.

A história até então irrita por si só. Mas piora se analisarmos alguns pormenores. Colin Campbell, famigerado vice-presidente da NHL, a princípio, não queria punir Pronger alegando que o vídeo não fornecia evidências suficientes para tirar qualquer conclusões a respeito das intenções de Pronger (!!). A imagem é clara e cristalina, mostra Pronger simplesmente pisando sem motivos nas pernas de Kesler. O que pode ter acontecido? Kesler ter insultado a mãe de Pronger? Kesler ter perguntado por sua irmã? Kesler ter dito "Ei! Tenho uma foto de sua esposa!"? Que seja. Nada justifica que você pise seguidas vezes com um patins que possui uma lâmina afiada em sua extremidade na perna de um companheiro de profissão. Afinal de contas, espera-se que um defensor e capitão como Pronger, com seu histórico, seja alguém mais ponderado.

O Anaheim Ducks ainda quis deixar no ar a possibilidade de Pronger ter pisado em Kesler porque o jogador teria prendido suas pernas em Pronger, impedindo-o de seguir a jogada. Nesse momento, peço a vocês que tenham bom senso, vejam e revejam o vídeo. Kesler está caído e, por alguns segundos, suas pernas parecem fechar ao redor da perna de Pronger. Mas tudo é muito rápido e, definitivamente, Kesler não prendeu Pronger. É muito mais uma reação natural à uma queda de que uma tentativa de segurar o jogador do Anaheim, e apelar para esse ponto como tentativa de justificar o lance chega a ser tanta falta de caráter quanto a atitude de Pronger em si. Mas Campbell, imprudente, chegou a aceitar a explicação e afirmou que "Pronger apenas estava tentando livrar-se de Kesler, e por isso baixou o pé de forma descuidada e rude". Ah, certo, Campbell...

O discurso de Pronger não poderia ser mais lugar-comum. Um pedido de desculpas a Kesler, à Liga, aos Canucks e aos colegas de time; e o velho e manjado "eu não tinha intenções de machucá-lo". Isso não dá para analisar, mas alguém que pisa num companheiro de profissão com uma lâmina afiada não podia ter as melhores intenções.

Claro que tudo isso também pode ter sido aliviado por Kesler não ter se lesionado. Certamente, qualquer luxação causada pelo pisão de Pronger poderia acarretar, no mínimo, em uma repercussão ainda pior — e, quem sabe, uma suspensão mais justa.

Quando a punição de oito jogos foi lançada, a reação de Pronger, Brian Burke e Randy Carlye, obviamente, foi de alívio. O cara poderia ter se encrencado. E mais uma vez veio, com satisfação, o discurso lugar-comum. "Entendemos e respeitamos a decisão da Liga". Ora essa! Deviam é agradecer!

Pronger retorna para o confronto contra o Phoenix Coyotes no dia 6 de abril, último confronto pela temporada regular.

O caso pode ser encerrado com Burke declarando que Pronger é um líder de caráter e não costuma ter esse tipo de atitude. Pode ser, e como fã de Pronger, analisando sua carreira, Burke está certo. Mas uma atitude desse quilate é suficiente para envergonhar até o mais carismático dos defensores.

Thiago Leal, torcedor do Anaheim Ducks, envergonha-se de ver uma atitude tão deplorável partindo de um de seus ídolos.
Donna McWilliam
A vítima: Ryan Kesler do Vancouver Canucks.
(15/03/2008)
Jeff Gross/Getty Images
O agressor: Chris Pronger, do Anaheim Ducks.
(Fevereiro de 2008)
Reprodução/TSN
O crime: Caído no chão, Kesler leva o pisão covarde de Pronger.
(12/03/2008)
Aaron Harris/The Canadian Press
Esse é o responsável pelas indecisões e confusões: Colin Campbell.
(01/11/2006)
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Página publicada em 19 de março de 2008.