Por: Igor Veiga

Para uma equipe 24 vezes campeã da Copa Stanley, ganhar uma série de quartas-de-final de conferência não deveria valer tanto. Não deveria... Mas para esse mesmo clube, que há mais de 15 anos não disputa um título e que chegou a estes playoffs aos trancos e barrancos, algumas vitórias, que aparentemente não teriam valor, ainda conseguem encontrar o seu lugar entre tantas outras muito mais vencedoras. E o que aconteceu na noite de 28 de abril de 2010, em plena capital dos EUA, entrou para a galeria das grandes vitórias do maior vencedor do hóquei norte-americano, o Montreal Canadiens.

Detentores da última vaga do Leste, os Habs teriam que enfrentar na primeira rodada dos playoffs o todo poderoso Washington Capitals, do badalado Alexander Ovechkin. Antes do jogo 1, praticamente ninguém, de torcedores a especialistas, acreditava na vitória canadense. Na verdade ninguém sequer cogitava que os Habs poderiam vencer ao menos uma partida. Depois do jogo 4, com os Capitals a apenas uma vitória da classificação e com dois dos três jogos restantes em casa, muitos já faziam suas previsões de quem enfrentaria os Caps nas finais da Copa Stanley.

"Antes da série começar, ninguém acreditava que poderíamo vencer, nem ao menos um jogo," disse o goleiro Jaroslav Halak, o novo héroi tricolor, que ao todo defendeu 131 de 134 chutes do Washington durante os três últimos jogos da série. "Nós provamos que eles estavam errados."

A história só mudou mesmo após o jogo 6. Os Canadiens entraram no gelo do Bell Centre sabendo que há dois anos não venciam uma partida de playoffs jogando em casa. Mas, naquela noite, ganhar era preciso. Não havia escolha. O jovem defensor P.K. Subban veio da franquia dos Habs na AHL, o Hamilton Bulddogs, especialmente para a partida. E ele não só não fez feio, como ainda contribuiu com uma assistência. Com a eficiência do atacante Mike Cammalleri e uma exuberante atuação de Halak (53 defesas), o time da casa ganhou por 4-1. Ninguém acreditava que aquela série iria para o Jogo 7.

No último e decisivo jogo, não restavam dúvidas de que toda a pressão estaria sobre Ovechkin e Cia. O melhor time da liga na temporada regular não poderia cair tão prematuramente nos playoffs, muito menos diante de sua torcida, e ainda mais para um oitav colocado que há muito tempo não está entre os melhores times da liga. Ao Montreal, cabia o papel de "patinho feio". Fazer o possível para tentar parar o ataque do time da casa e, quando houvesse uma brecha, arriscar um chutes. Na verdade, aquela foi a filosofia de jogo que prevaleceu durante toda a série, quando finalmente o treinador Jacques Martin fez jus à sua fama de retranqueiro.

Para tentar parar o forte ataque dos Capitals, Martin apostou em abrir do mão do ataque em prol da defesa. Com exceção do jogo 4, em todas as partidas o Montreal saiu do gelo em desvantagem no número de chutes a gol. Somando-se os dois útimos jogos, por exemplo, os Capitals chutaram 96 vezes, contra apenas 38 dos Habs! Uma filosofia muito parecida com aquela que o treinador José Mourinho, da Inter de Milão, adotou para enfrentar, fora de casa, o Barcelona, pelas semifinas da Liga dos Campeões da Europa. Embora alvo de várias críticas, a ideia é: se você não tem o elenco dos sonhos, nem cogite em tentar jogar de igual pra igual contra uma equipe "galática"!

Nas palavras do excelente comentarista da ESPN Brasil Mauro Cezar Pereira, "defender também é uma arte". E o que ele postou na semana passada em seu blog sobre o jogo entre Inter e Barcelona, cai com uma luva para explicar o que foi essa série para o Montreal.

"(...) Estavam diante de adversários com orçamentos maiores e elencos melhores, que pressionaram muito. Mas foram capazes de detê-los. Aquele era o único jeito. Não havia como jogar de igual para igual. Defender o tempo todo não é fácil. Tal estratégia exige concentração absoluta em cada lance, em todos os segundos, o tempo todo. Caso contrário, o adversário escapa, foge da marcação, segue na jogada e então é tarde demais."

Assim como na partida anterior, no jogo 7 o que se viu foram chutes dos Caps de todos os lados do rinque, de todas as formas, a todo momento. Um verdadeiro bombardeio! Ovechkin, sozinho, deu 10 chutes contra a meta canadense durante o jogo. Eram chutes bloqueados, disco na trave, desvios, jogadores do Montreal se jogando na frente dos adversários... um verdadeiro jogo para cardíaco nenhum botar defeito.

Mas nada disso seria possível se não fosse o goleiro Jaroslav Halak. Ele foi um verdadeiro monstro nos playoffs, com atuações espetaculares nos jogos 5, 6 e 7. O eslovaco simplesmente parou o ataque dos Caps, que tentou de todas formas possíveis furar a verdadeira parede que havia à frente do gol do Montreal. Foi um prêmio a esse sempre esforçado jogador, que durante muito tempo teve que carregar a fama de reserva do instável Carey Price, mas que este ano, tanto na NHL quanto nas Olimpíadas de Inverno, provou para todo mundo que, mesmo não sendo um goleiro "topo de ranking", ainda sim tem o seu valor. Sua fase atual é incrível.

"Foi o melhor desempenho de um goleiro do meu time que eu já vi. Ele foi espetacular," disse o defensor Josh Gorges, ainda não acreditando no que tinha visto no último jogo da série. "Jaro estava em todas as partes. Ele ganhou o jogo para nós."

Além disso, o time de desvantagem numérica dos Habs foi incrível. Durante os sete jogos, os Capitals — que durante a temporada regular foram o melhor time de vantagem numérica da liga — tiveram mais de 30 oportunidades com pelo um jogador a mais no gelo, mas só conseguiram converter apenas uma delas em gol! Sucesso creditado em sua maior parte, é claro, para Halak, mas também para um cara que cresceu demais na pós-temporada. Faço questão de frisar, mais uma vez, o incrível desempenho do zagueiro Hal Gill, que foi o rei em bloquear chutes nesta série — só no jogo 6, foram cinco chutes bloqueados. Sem ele, certamente o time matador de penalidades não teria o mesmo sucesso.

"Nossos defesensores fizeram um grande trabalho. Eles bloquearam muitos chutes, especialmente no 5-contra-3. Hal Gill foi sensacional do lado esquerdo e não deu chances a eles; foi como ter um segundo goleiro no gelo," disse Halak. "Sim, nós fomos bem em matar as penalidades, mas Jaro foi o nosso jogador mais importante," retribuiu Gill. Mas foram os Habs que ficaram especialistas em matar penalidades ou foram os Caps que desaprenderam essa arte? Resposta a ser, em parte, respondida durante a série Canadiens-Pens...

Desde 1994, quando a NHL adotou o atual formato de playoffs, é a nova vez que um oitavo colocado que consegue eliminar o primeiro numa série de playoffs. O diferencial é que esta foi a primeira vez que um desses oitavos colocados conseguiu vencer a série após estar perdendo por 3-1.


Há um bom tempo, Montreal não via uma festa (e, ao mesmo tempo, uma balbúrdia) como a que tomou conta da cidade após o jogo da última quarta-feira. A primeira sensação que ficou para os seus torcedores é que não interessava o resultado da série seguinte, contra os super-favoritos Penguins, pois aquela classificação diante dos Capitals, ainda mais pela forma inesperada que veio, já valia como um título. Mas a gente sabe como funciona o coração do torcedor. Se os Habs conseguirem empatar a série, ou quem sabe, uma surpreendente vitória fora de casa, podem estar certos que as aspirações serão maiores e maiores.

E até onde o novo herói tricolor Jaroslav Halak encontrar inspiração, esse time pode continuar surpreendendo.

Igor Veiga comemorou a vitória de quarta-feira como se fosse um título da Copa Libertadores, e gostaria de ver uma final canadense na Copa Stanley, entre Montreal e Vancouver.
Nick Wass/AP
Jaroslav Halak comemora a vitória dos Canadiens sobre os Capitals e a classificação para as semifinais do Leste. Alexander Ovechkin, agora, só em outubro.
(28/04/2010)
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Página publicada em 3 de maio de 2010.