Por: Eduardo Costa

Os deuses do hóquei reservaram algo grandioso e especial para Darius Kasparaitis. Quando alardeavam seu fim, quando mais uma pancada dos Rangers em nosso ídolo foi dada, algo superior acabou por levar o lituano para um lugar que diz muito, não apenas para os russos, mas para toda a humanidade.

Segunda Grande Guerra Mundial. Adolf Hitler invade a União Soviética. Cruel e ardiloso, Adolf sabe que tomar Leningrado, atual São Petersburgo, será um passo determinante para a vitória. Os acessos da cidade são tomados pelas tropas hitleristas. A região em breve virará um inferno.

Verão de 2006. Como abordamos em nossa histórica edição 100% Kasparaitis, nosso herói está no limbo. Segundo a ótica de Tom Renney, ele é tão descartável quanto uma embalagem Tetra Pack. Suas cirurgias antes do início da temporada não foram bem sucedidas. A poucos dias do início da pré- temporada, Kaspar caminha com muletas. Ele iria para o campo de treinamento milhas distante de sua forma ideal.

No infame dia 24 de janeiro de 2007, foi colocado na desistência pelo New York Rangers, deixando o planeta hóquei perplexo.

Setembro de 1941. Hitler e seus asseclas estavam certos de que Leningrado seria rapidamente conquistada. O marechal Ritter von Leeb exige a rendição. Não contava com a obstinação e entrega do povo russo. Crianças, velhos, mulheres, militares e civis; milícias populares emergiram para combater a horda invasora. Cada vez mais furioso pela resistência russa, Hitler decide iniciar o bloqueio da cidade, dizendo em novembro de 1941: "Leningrado erguerá as suas mãos em rendição. Ela irá morrer de fome."

Os russos enfrentaram terrível frio, a fome, além de tifo e escarlatina. Kasparaitis enfrentou a descrença alheia e teve de engolir crônicas que apregoavam seu fim.

Leningrado heroicamente resistiu. Seu povo escreveu um dos mais gloriosos capítulos da história da humanidade. Aquela vitória teve importância ímpar para o desfecho da guerra contra os nazi-fascistas.

Já Kasparaitis, ao invés de sentir pena de si próprio, resolveu correr atrás do prejuízo — literalmente. Quilômetros foram vencidos, milhas foram pedaladas, toneladas foram erguidas e, tal como Rocky Balboa, Kaspar subiu como uma flecha os degraus da glória. Quando Kaspar se apresentou aos Rangers, para o início da pré-temporada 2007, ele mostrou o físico de um novato e, mais importante, Darius estava com a mentalidade de um debutante.

A parte de Darius estava feita, restava Tom Renney reconhecer o esforço sobre-humano do lituano. O mesmo Renney que havia afirmado que questões sobre o teto salarial não seriam levadas em consideração em relação à continuidade de Kasparaitis no time.

Kaspar estava excitado, confiante e preparado para ajudar os camisas azuis. Ele até declarou seu amor à Grande Maçã, dizendo que Nova York era um lugar perfeito para se jogar hóquei.

Mas Renney mentiu. No final de tudo, os pouco mais de U$S 3 milhões destinados a Kasparaitis contaram na decisão de mantê-lo ou não. Parte técnica não era mais a mesma? Como saber, se Kasparaitis teve apenas uma partida de pré-temporada para mostrar suas atuais condições? Como saber se as atenções da alta cúpula técnica dos Rangers estavam mais focadas em festejar os novos reforços do time no campo de treinamento?

Então Darius foi novamente colocado na desistência. Quando vi essa notícia nas páginas eletrônicas do New York Times, pensei em escrever sobre, mas seria muito complicado digitar em um teclado ensopado por lágrimas.

A temporada dos Rangers começou de maneira pouco elogiosa. Não fosse o milagreiro Henrik Lundqvist, a campanha do time seria ainda pior do que os 3-6-1 até domingo. Mas culpar a linha azul dos Rangers seria ocultar a grande verdade do momento: o maior problema dos Rangers está em seu improdutivo setor ofensivo, dono de apenas 16 gols nessa dez partidas — para mais, confira o Disco Riscado e a coluna de Fabiano Pereira na última edição.

Jaromir Jagr, ainda enlutado pela saída de Michael Nylander, está sem condições de capitanear essa equipe. A coisa anda tão feia que Brendan Shanahan criticou abertamente seus companheiros, dizendo que, além de individualistas, andam atuando como "galinhas decapitadas".

Nem preciso dizer que, nessa horas, o espírito intrépido, audaz e brincalhão de Kasparaitis cairia como uma luva no desanimado New York Rangers. Darius, com seus trancos e seu comprometimento, mostraria o caminho certo a ser seguido. Mas nãããããooooo, Renney acha que essas qualidades tipicamente Kasparaitinas são dispensáveis.

Mas aí voltamos a São Petersburgo, onde os astutos e inteligentes membros da alta cúpula do SKA — time da Superliga, a divisão mais importante do hóquei russo —, tiveram uma idéia iluminada.

A cidade, mesmo sendo uma das maiores do país, nunca teve sucesso no hóquei local. Na época comunista, os times moscovitas — CSKA, Dínamo e Spartak — davam as cartas. Com a queda do regime, times de Togliatti (Lada), Yaroslavl (Torpedo), Kazan (Ak Bars), Magnitogorsk (Metallurg) e Omsk (Avangard) acabaram com a hegemonia da capital e venceram campeonatos nacionais. Mas o time de São Petersburgo, fundado no longínquo ano de 1946, ainda busca sua primeira conquista.

A equipe se reforçou bastante para essa temporada. Atletas acostumados a vencer, como Maxim Sushinsky, Mika Hannula, Anton But e Dmitry Ryabykin foram adicionados. Mas o treinador Barry Smith, que foi assistente-técnico na NHL por décadas, sabe que precisava de um elemento ainda mais energético, necessitava de um jogador notável, alguém capaz de liderar a tropa. Smith chamou o presidente do clube e disse: "Dê-me Kasparaitis e lhe darei o título!"

O presidente disse sim e, mais importante, Darius Kasparaitis disse sim.

Quando a população de São Petersburgo soube das boas novas, foi impossível não lembrar do histórico 18 de janeiro de 1943, quando a rádio central de Moscou informou aos leningradenses que o cerco nazista havia sido rompido. Assim como naquele dia, a cidade transbordou de orgulho. Kasparaitis em pouco tempo estará vestindo a camisa do SKA. Adeus, Wolf Pack. Olá, redenção!

E quem pensa que nosso herói guarda mágoa dos Rangers se engana. Quem pensa que Darius será o novo Mervyn "Red" Dutton também se equivoca. Ao contrário do ex-gerente geral do extinto New York Americans — que acusou os Rangers de atuar nos bastidores para desmantelar sua equipe na década de 40 —, Kaspar não roga que os Rangers mergulhem em outra seca duradoura. Darius apenas deseja o melhor, mesmo para os que lhe viraram as costas quando ele mais precisou.

Leningrado e Kasparaitis. Duas histórias. Duas esperadas rendições que nunca aconteceram. Duas sagas que agora se encontram.

Eduardo Costa bateu seu recorde pessoal de consumo de cerveja na última edição da Oktoberfest e pretende ir além na próxima.
Neil Miller/New York Post
Kasparaitis chegou ao fundo do poço... mas após a tempestade veio a bonança. Darius volta ao hóquei russo. E sua volta é o triunfo do bem sobre o mal!
Harry Scull Jr./AP
A imagem de um Kasparaitis sorridente é o que todos queremos ver!
Julie Jacobson/AP
Rangers sofrem. Toda a ingratidão será castigada? Kaspar, magnânimo, não deseja o mal de seu algoz. Isso é nobreza!
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Página publicada em 31 de outubro de 2007.