Por: Mark Mulvoy

No meio do terceiro período do confronto do último domingo entre Montreal e Boston, os velhos e novos impetuosos senhores dos hóquei, Ken Dryden esticou ao máximo todos os 106 centímetros do seu braço esquerdo diante do gol Canadien e salvou um chute indefensável de Phil Esposito. Esposito, inimigo p úblico número 1 dos goleiros, que chegou à incrivel marca de 76 gols durante a temporada, olhou fixamente para Dryden e xingou-o — "Sua girafa ladra!" —, para então atirar violentamente seu taco contra o vidro atrás do gol. "Eu reparei nas expressões dos jogadores dos Bruins", disse Dryden depois do jogo. "E podia ver isso claramente. Eles todos já pareciam derrotados."

Os Bruins acabaram derrotados, e foi Dryden, com a ajuda dos irmãos Mahovlich — Peter e Frank — e algo do inesgotável orgulho de Montreal que ajudou os Habs a vencerem por 4-2, em pleno Boston Garden, no sétimo jogo daquela incrível série de playoffs da Copa Stanley.

"Dryden esteve melhor do que jamais poderíamos sonhar", disse Bobby Orr, que participou dos sete jogos jogando de uma forma tão irregular que seus devotos em Boston jamais sonhariam que ele seria capaz.

Foi a primeira vez no ano que os Bruins, vencedores do Leste na temporada regular, realmente tinham que ganhar um jogo, e, quando eles falharam, John Ferguson, do Montreal, gabou-se: "Essa foi uma dinastia que não durou muito tempo."

Diante de 14.994 sofredores/espectadores no Garden e também da audiência da televisão nacional, Peter Mahovlich anotou um belo gol no primeiro período, colocando os Canadiens na liderança por 2-1, e o irmão Frank acabou com as últimas esperanças de Boston com seu segundo gol na partida, deixando o placar em 4-1 no período final — depois que Jacques Lemaire tirou na marra o disco do Orr. Foi Frank Mahovlich — com passagens por Toronto e Detroit e que recentemente tinha chegado em Montreal — que disse: "Com os Canadiens, o orgulho faz parte até mesmo das entranhas do Forum."

Com a derrota, os Bruins provaram que só chegavam longe quando Bobby Orr os levava nas costas. Quando Orr conseguia controlar o disco com seu particular estilo de jogo, o Boston era invencível. Mas quando os Canadiens conseguiram segurar Bobby, atormentando-o com dois jogadores de contato ou então se amontoando sobre ele na linha azul com algo parecido com o que seria a versão do hóquei para a jogada de futebol americano em que um time se defende na linha de uma jarda, como eles fizeram no domingo, o Boston rateou como qualquer motor que de repente é desprovido de sua potência. "Pare Orr", sugeriu John Ferguson, dos Canadiens, "e você acaba com os Bruins. É simples".

De fato, o rumo da série acabou seguindo o que Orr fez — ou deixou de fazer — em todas as partidas. No ínicio da semana, a série estava empatada em 2-2, com duas magníficas atuações de Orr, contra outras duas fraquíssimas.

"Agora a vaga é de quem ganhar duas das três partidas", disse Phil Esposito enquanto os Bruins seguiam o caminho de casa para disputar a quinta partida. "E não há como os Canadiens nos vencerem em Boston. Sem chances. Pode acreditar."

Apesar da convicção de Esposito, os outros Bruins estavam cautelosos enquanto esperavam pelos Canadiens. Confiantes e impetuosos durante sua tranqüila campanha na temporada regular, eles estavam agora carrancudos. A maioria deles esperava que Montreal caísse em quatro jogos. "Aqueles malditos nunca sairão?" perguntou um dos jogadores.

Tanto para os Bruins como para os Canadiens, isso não era óbvio, até porque, ao lado da batalha de Orr consigo mesmo, havia três outros duelos-chave que poderiam decidir o vencedor. O primeiro dos três eram os goleiros — Dryden e Gerry Cheevers. Com 1,93m e 95kg, Dryden cobria quase todo o gol, algo que deixava os chutadores do Boston ainda mais desencorajados. A mais forte reclamação veio de Esposito, que não estava jogando como alguém que tinha marcado 76 gols. "Em 1968, Gump Worsley pareceu São Pedro diante dos portões contra nós. No ano seguinte, aquele tal de Roggy Vachon me deixou a ver navios. E agora os Canadiens vêm com Dryden. Ora! O garoto tem mãos de girafa." O que deixou Esposito particularmente incomodado com o novato era o fato de que seus chutes baixos e nos cantos — que seriam gols contra goleiros de estatura normal — eram facilmente defendidos por Dryden. "Meu irmão [N.T.: Tony Esposito] não faria contra mim as coisas que esse rapaz está fazendo", disse Esposito, balançando sua cabeça.

No período de folga entre as partidas, Dryden, estudante de direito, visitou algumas bibliotecas de algumas faculdades. "É bom", disse Gerry Cheevers. "Pelo menos eu nunca terei que partir para cima dele fora do gelo." Quando não está no gol do Boston, Cheevers pode ser visto com freqüência nos velódromos. "Eu começo todo dia do mesmo jeito", diz ele. "Com o 'Pai-nosso': 'Pai nosso, que estais no céu...'"

O segundo e terceiro duelos envolviam os centrais: Derek Sanderson, do Boston, contra Jean Beliveau, o magnífico capitão dos Canadiens, e Henri Richard, do Montreal vs. o taco veloz de Phil Esposito. Uma noite, sentado no vestiário dos Bruins, Sanderson falou sobre Beliveau. "Eu o odeio. Eu o odeio", disse Derek, mexendo seu bigode. "O que eu mais odeio no Beliveau é o fato dele ser tão bom. Enquanto eu estava crescendo sempre o idolatrei. Agora estou jogando contra ele e ainda acho que ele é o maior. Mas da forma que imagino, se quisermos vencer, tenho que passar por cima do Beliveau."

Os grandes homem dos Canadiens deram a Derek algumas lições durante os três primeiros jogos, mas Sanderson cercou tão bem Beliveau na quarta partida que Jean nunca se mostrou um jogador importante. "É isso que eu tenho que fazer mais uma vez", disse Derek.

Colocar Richard marcando Esposito foi uma mudança totalmente inesperada feita pelo técnico do Montreal Al MacNeill. Na verdade, no primeiro jogo, MacNeill começou com Peter Mahovlich, que com seus 1,93m e 95kg é bem maior que Esposito. Mas quando Phil conseguiu 11 chutes na direção de Dryden (sendo que nenhum deles passou pelo goleiro), MacNeill o trocou pelo "Pocket Rocket". Começando na segunda partida, Richard jogou ao lado de Esposito, perseguindo-o para todo lugar em que ele fosse — até mesmo fosse esse lugar o banco de reservas. Phil, que conseguiu uma média de sete chutes a gol durante a temporada, arrematou apenas três vezes ao gol de Dryden no segundo jogo, seis vezes no terceiro e quatro vezes no quarto. "Henri está fazendo seu trabalho, certo?", comentou amargamente Esposito.

E então, quando o quinto jogo começou em Boston na última terça-feira, os duelos entre os fatores-chave estavam prontos. No primeiro minuto, Wayne Cashman marcou para o Boston. Minutos depois, Yvan Cournoyer empatou para os Canadiens. Durante todo o tempo Richard esteve perseguindo Esposito e Sanderson esteve grudado em Beliveau. Orr, enquanto isso, parcecia estar jogando como no primeiro jogo — mais concentrado em evitar gols do que em marcá-los.

Então aconteceu. O disco estava atrás do gol do Montreal. Richard deixou Esposito sozinho, achando que o disco estava seguro no taco de um defensor de Montreal. Mas de alguma forma o disco quicou sobre o gol — o que deixou Dryden perdido — e lá estava Esposito sozinho para empurrar para as redes, num dos gols mais fáceis de sua carreira. "Eu estava devendo um gol, obrigado", disse ele depois. O Boston então começou a distribuir trancos em todos os Canadiens, e em breve assumiu o controle do jogo. Mike Walton marcou mais um no primeiro período e os Bruins aumentaram a vantagem para 5-1 no segundo período.

Mal começou o terceiro período e o Montreal anotou dois gols relâmpagos. Lembranças da trágica performance no terceiro período do Jogo 2 começaram a invadir a imaginação dos espectadores no Garden, mas Johnny Bucyk acabou com o rali em uma jogada de grande esforço individual. No final, os Bruins saíram do gelo com uma vitória de 7-3. O público do Garden zombou de Dryden, gritando "Os Bruins não são Hahvud, garoto!", enquanto os Canadiens deixavam o rinque. "Nós voltaremos", disse John Ferguson. "Nós voltaremos."

Ainda que o confronto entre Cheevers-Dryden não fosse um impasse, muito porque Dryden tinha parado 56 chutes de Boston, enquanto Cheevers tinha impedido apenas 27 da tentativas de Montreal, os Bruins claramente tinham vencido os outros duelos. Esposito marcou um gol e deu mais 10 chutes ao gol de Dryden, enquanto Sanderson deixou Beliveau totalmente paralisado quando tinha o disco ou estava em posição de tê-lo. Mais importante, entretanto, foi Orr ter feito uma grande partida — não tão espetacular como a de domingo, quando conseguiu um hat trick, mas mesmo assim uma partida sólida, sólida.

De volta a Montreal para a sexta partida, disputada na quinta à noite, Al MacNeill fez mais uma mudança nas linhas. Esperando aumentar a velocidade e a agressividade nas pontas, ele decidiu tirar Henri Richard do centro e colocá-lo na ponta direita, um posição em que Henri não jogava desde os anos 50. Os Canadiens jogaram de uma forma quase que dócil contra a equipe de Boston no jogo anterior, mas agora vinham com velocidade e músculos. Peter Mahovlich anotou cedo, passando por quatro jogadores dos Bruins e colocando nos fundos das redes de Cheevers em um chute de quase 8 metros. Após Esposito empatar em vantagem numérica, Richard fez um inteligente movimento para superar Cheevers com um chute de backhand que colocou o Montreal na liderança em 2-1. Boston conseguiu o empate novamente em outro gol em vantagem numérica, mas os Canadiens continuavam voando. Com dois Bruins no banco de penalidades, Jacques Lemaire desempatou o jogo, e quatro minutos mais tarde J.C. Tremblay colocou o placar em 4-2. Henri anotou mais uma vez e depois Peter Mahovlich também marcou o seu. Os Canadiens humilharam os Bruins, vencendo po 8-3. Foi a pior derrota do Boston no ano.

Mahovlich é chamado por "Peter, o Palhaço" por seus colegas de time, incluindo seu irmão Frank, por causa das brincadeiras que costuma fazer durante as concentrações — como botar fogo nos jornais de pessoas sentadas no lobby dos hotéis. Ele instigou Orr a perder a cabeça no terceiro período, o que fez com que os dois acabassem brigando. Orr venceu. E foi a única coisa que Boston venceu durante toda a noite.

Mark Mulvoy escreveu esta coluna para a revista Sports Illustrated em 26 de abril de 1971. O artigo original foi traduzido por Igor Veiga.
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Página publicada em 9 de abril de 2008.