Por: Thiago Leal

Bom, sendo bem redundante, mas falando na linguagem popular, vamos "começar pelo começo". Yellow Shark é tanto uma auto-referência quanto uma homenagem à obra psicodélica de Frank Zappa. E o cara ainda parece o George Parros... pode?

Agora, vamos à vaca fria. O Anaheim elimina o San Jose da pós-temporada na primeira rodada com até certa facilidade — uma vitória por 2-0, uma por 4-0 e uma por 4-1. E se isso surpreendeu você, podemos dizer que você é um desavisado. Não que o primeiro colocado ser eliminado pelo oitavo, ainda mais sendo ele o campeão do Troféu dos Presidentes, seja algum tão comum a ponto de parecer normal. Aliás, se estendermos a classificação da temporada regular para toda a NHL, os Sharks foram os primeiros colocados gerais enquanto os Ducks foram apenas os 17ºs, atrás (bem atrás) do Florida Panthers, nono colocado e primeiro eliminado no Leste. Naturalmente os Sharks seriam favoritos nesta primeira rodada, e afirmo que, caso tivessem enfrentado o Columbus Blue Jackets, o St. Louis Blues ou o Calgary Flames, teriam vencido e passado de fase, assim como acredito que os Ducks seriam facilmente eliminados pelo Detroit Red Wings ou pelo Chicago Blackhawks. Mas neste caso, em uma série entre Sharks e Ducks, era fácil ver o Anaheim eliminando o San Jose. E eu disse isso antes e expliquei por que. E aconteceu exatamente desta forma.

O que eu disse antes, tanto em meus palpites quanto em meu blog no NHL Connect, é que os Sharks são um time com um baixo poder de decisão. Cheguei a comentar isso também na prévia da conquista do Troféu dos Presidentes pelos Tubarões. Cheguei a criticar este fato também nos primeiros comentátios da série, da edição passada. Por isso mesmo eu comentava com outros torcedores dos Ducks que seria melhor para o time de Anaheim ficar em 8º para enfrentar os Sharks de que ficar em 7º ou em 6º e encarar Red Wings ou Canucks. O que se revelou em Anaheim nas últimas semanas também foi um forte poder decisivo, principalmente com a chegada de James Wisniewski, Petteri Nokelainen e Erick Christensen no Dia-Limite de Trocas e de Ryan Whitney uma semana antes. Então tínhamos situações bem opostas. Sharks na ponta de cima, Ducks na ponta de baixo. Sharks um time cercado por desconfiança, principalmente por sua capacidade de decidir jogos de pós-temporada, Ducks embalados numa boa sequência de vitórias. Para mim isso facilitaria em muito a eliminação dos Sharks. Também nos palpites nosso amigo Daniel Novais chamou atenção para o fato dos Ducks se valerem de um jogo físico e agressivo que deveria fazer a diferença na série. Podemos dizer que tanto eu quanto Daniel fomos felizes em nossas colocações, pois conseguimos prever com certa precisão o que aconteceria. E tudo isso era bastante óbvio. O retrospecto dos Sharks em pós-temporada fala mais alto que seu Troféu dos Presidentes, embora muita gente tenha se orientado por ele.

Como os jogos 1, 2 e 3 da série já foram resumidos na coluna passada, vou me abster de comentá-los. Para quem não leu o artigo e não quiser o fazê-lo agora, podemos resumir da seguinte forma: com uma grande atuação de Jonas Hiller, os Ducks venceram os dois primeiros confrontos da série, realizados em San Jose. Os Sharks esboçaram uma reação no jogo 3 e diminuíram a vantagem do Anaheim, o que para muita gente poderia significar uma virada dos tubarões.

Mas aí veio o jogo 4 quando os Ducks, inexplicavelmente, massacraram. Talvez essa tenha sido a partida onde ficou mais clara a falta de traquejo dos Sharks — o que chega a ser inaceitável para um time que tem se classificado para todas as pós-temporadas de 2004 para cá. Os Sharks conseguiram a proeza de jogarem de forma mais imprudente que os Ducks e cometeram mais penalidades que a franquia de Anaheim. Tudo bem que isso não fez tanta diferença no placar, uma vez que os três gols marcados pelos Ducks aconteceram com times completos no gelo. Mas para um time que havia perdido duas partidas, vencer o jogo 4 para se recuperar na série era mais que necessário. E quando você se mantém no gelo com homens a menos, dificilmente essa vitória acontece. Para piorar, esses homens a menos foram o que os Sharks tinham de melhor na série: Joe Pavelski, Devin Setoguchi, Ryane Clowe, Douglas Murray... os melhores no rinque foram Rob Blake e Christian Erhoff, numa partida onde o criticado Joe Thornton apareceu mais que de costume, mas não fez muita coisa. Com a rede vazia — por que diabos Todd McLellan tira o goleiro perdendo por 3-0 com um minuto para terminar o jogo? — os Ducks marcaram o quarto gol e venceram o duelo com um belo shutout, o segundo da série: 4-0. A série se decidiu aqui.

Pensem comigo: como um time que marcou 257 gols na temporada regular pretende avançar nos playoffs perdendo duas partidas por shutout? Onde está a lógica disso tudo? Nos cabelos brancos de Claude Lemieux? Por sinal, ele, que seria o "amuleto" da franquia só jogou uma das seis partidas e tudo que conseguiu foi um chute a gol.

Thornton decisivo
Acredite, isto realmente aconteceu. Com os Ducks em desvantagem numérica enquanto Ryan Getzlaf esquentava o banco de penalidades, Thornton marcou o primeiro gol dos Sharks no jogo 5. Thornton também assistiu Setoguchi para que os Sharks liderassem a quinta partida por 5-0 e se mantivessem vivos na série. Mas lembra do tal poder de decisão dos Ducks? Pois é. Os patos empataram o jogo em cinco minutos no terceiro período. Levaram para a prorrogação, onde Thornton assistiu Patrick Marleau, num lance polêmico. Os Sharks marcaram o gol, mas Getzlaf pediu revisão alegando que Marleau teria empurrado Hiller enquanto o goleiro tinha domínio do disco. Não adiantou. O lance foi validado e os Sharks venceram o quinto jogo com três pontos para Thornton e gol vencedor de Marleau. Torcedor dos Sharks deve ter se perguntado por que isso não acontece sempre. Onde estão esses dois no restante da série?

O fim prematuro
No jogo 6 é que não foi, já que tudo o que Thornton conseguiu foi brigar com Ryan Getzlaf com dois segundos de jogo. E chutar a gol apenas uma vez no período em que esteve no rinque. O mesmo vale para Marleau. E notem que o nome de Jonathan Cheechoo até aqui não havia sido mencionado — e só o mencionei agora por mera crítica a sua pessoa.

Bem que os Sharks saíram na frente, se aproveitando de uma vantagem numérica a dez minutos do primeiro período. E quem foram os responsáveis? Bom, aqueles que tenho afirmado os melhores jogadores do time. Milan Michalek marcou com assistência de Rob Blake e Dan Boyle. Esses rapazes, ao lado de Setoguchi e Pavelski se esforçaram a série inteira. Aposto que você já cansou de ler seus nomes, mas este é o fato principal. Se os Sharks tivessem tido um trabalho tão constante quanto a atuação desses jogadores-chave, a história poderia ter sido diferente, não só nesta pós-temporada, mas também nas pós-temporadas passadas.

O que aconteceu do outro lado foi um exemplo para Doug Wilson de como eles devem armar os Sharks. Os Ducks logo reagiram. Empataram o jogo alguns minutos depois. Viraram para 3-1 no segundo período e finalizaram a contagem por 4-1 na etapa final. Tudo isso com um belo jogo coletivo, com a integração entre jovens, experientes e veteranos. Getzlaf, Corey Perry, Chris Pronger, Scott Niedermayer, Teemu Selanne, François Beauchemin, Ryan Carter, Mile Brown e Drew Miller participaram deste processo. Até ficou a impressão de que os Ducks são um time mais completo que os Sharks. E o são, realmente. O jogo dos Ducks fluiu com mais facilidade a série inteira — mesmo quando os Sharks pareciam ser superiores no rinque, se é que quantidade de chutes representa superioridade. Para cada ocasião os Ducks tinham seus jogadores. Técnicos, bons assistentes e bons atiradores para certa ocasião. Intimidadores para outra ocasião. Jogadores mais físicos quando necessário. Jogadores mais jovens e com mais energia nos momentos em que os Sharks utilizavam suas linhas mais baixas. Tudo foi feito com muito cuidado. Em momento algum os Ducks deram pista de que perderiam esse jogo, e sua organização fez parecer que eram eles os defensores do Troféu dos Presidentes, não os Sharks.

E vai me dizer que isso tudo não estava mais que na cara?

Agora que foram eliminados, os Sharks — me refiro a Doug Wilson e à San Jose Sports & Entertainment Enterprises — devem replanejar seu time para a temporada seguinte se quiserem, finalmente, realizar sua obcessão de vencer a Copa Stanley. Eles são um time encantador e técnico na temporada regular, concordo. Sou grande fã de Joe Thornton. Mas para pós-temporada precisam se armar de outra maneira. Precisam de mais jogadores como Travis Moen, que adquiriram pensando justamente em conquistar a Copa. Os Sharks devem ter uma linha caracteristicamente física se quiserem parar uma máquina esforçada como Ryan Getzlaf. Devem ter intimidadores para segurar as apelações de George Parros e Todd Marchant. O hóquei no gelo não se faz apenas de jogadas bonitas e craques técnicos. Para cada Wayne Gretzky, é importante perceber, temos dez Adam Graves. Caso o time continue montado desta forma, os Sharks sempre vão esbarrar em algum time chato e acabar eliminados antes mesmo de tornar a alcançar as finais de Conferência, como conseguiram em 2003. A impressão que fica é de que foi uma temporada inteira de trabalho perdido. E foi. Talvez se Doug Wilson tivesse planejado o time corretamente. Ninguém ganha Copas Stanleys sem ter um Dave Semenko em seu time. Pode perguntar a qualquer torcedor dos Oilers.

Mas como canta o Oasis, "agora não há mais tempo para lamentar, agora é hora de saber por que". E "por que" já está mais que óbvio. Resta saber se a diretoria da franquia vai preencher as inúmeras lacunas de um time sensacional e que dá gosto de ver jogar, mas que não tem os ingredientes certos para ser decisivo na hora da verdade. Só assim podemos ver os Sharks levantarem uma Copa Stanley — o que seria muito bom para toda a Califórnia. Mesmo que torcedor do Anaheim jamais admita.

Thiago Leal considera Fernando da Silva o maior fã brasileiro de hóquei no gelo e recomenda o seu blog, A Voz dos Canicas, um dos seus preferidos.
AP
Todd McLellan teve muito o que explicar.
(29/04/2009)

AP
Mais uma busca pela Copa frustrada para Jeremy Roenick.
(29/04/2009)

AP
Ah, agora tudo se explica. Não falamos no Cheechoo porque ele passou a série toda no vestiário arrumando tacos.
(29/04/2009)

Jeff Gross/Getty Images
Ryan Getzlaf e François Beauchemin: poder de decisão ausente em San Jose.
(27/04/2009)

Jeff Gross/Getty Images
Os Sharks saem desolados do rinque, coberto por flanelas laranjas, mostrando que a Califórnia começa a definir suas tradições na NHL.
(27/04/2009)

Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-08 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 29 de abril de 2009.