Por: Eduardo Costa

Fases. Existem boas e ruins.

O verdadeiro camarada é aquele que aparece quando seu amigo está diante do infortúnio, do abismo e até mesmo da penúria. Um grande ícone de nossa juventude está enfrentando essas agruras, por isso sentimos a necessidade imperial de ajudá-lo. E esta coluna nada mais é do que uma humilde tentativa de elevar a auto-estima de um personagem histórico e quase unânime entre os seguidores do hóquei sobre o gelo por estas bandas, especialmente os mais antigos. Esta coluna celebra a carreira de um dos grandes distribuidores de trancos que o esporte já viu. Essas modestas e coerentes palavras celebram Darius Kasparaitis, 34 anos, que nesta semana foi colocado na Desistência (waivers) pelos Rangers.

Para quem segue a NHL há pouco tempo, falo agora sobre as madrugadas que muitos de nós passamos em frente à televisão — essa invenção mágica, à qual brindo todos os dias.

Não sei o motivo exato, mas de cada cinco migalhas de NHL que a ESPN latina nos proporcionava, em duas, no mínimo, o Pittsburgh Penguins estava presente. Não era uma má escolha, já que muitos atletas de talento inquestionável usavam o preto e dourado da Cidade do Aço. A classe de Ron Francis, a explosão de Jaromir Jagr, a virtuosidade de Alexei Kovalev ou a genialidade imensurável de Mario Lemieux eram apelos mais que suficientes para justificar essa constante presença penguiniana nos televisores. Mas isso não era tudo. Muitos também driblavam a insônia e lutavam contra a fadiga física e mental para ver Darius Kasparaitis acertar seus oponentes.

Atingir adversários é uma coisa que muitos atletas fazem e fizeram na quase nonagenária NHL, mas ninguém o fazia como Darius Kasparaitis. Pra quem se lembra do "NHL Power Week" (programa exibido perto da hora do almoço, geralmente às quartas-feiras), existia um segmento onde os melhores trancos da semana eram exibidos e, imutavelmente, sempre continha doses cavalares de trancos desmanteladores de Kasparaitis.

E quem nunca viu Kasparaitis em ação logo pensa que estou falando de um monstro com mais de 1,90m e 100kg. Mas não. Não mesmo. Kasper é como a maioria de nossos estimados leitores; Kasper é como a maioria dos integrantes da TheSlot.com.br — em especial com seu problema com o abusivo consumo de bebidas alcóolicas. A única coisa que separa Kasper dos meros mortais é seu já citado poder de destruição. Em especial seu tranco lateral. Um excelente patinador, o lituano Darius sempre soube usar bem essa característica para surpreender seus adversários. Quando eles pensavam estar longe do campo de ataque do defensor, lá vinha Kasparaitis, e o mundo se tornava um lugar pior para se viver para o oponente.

Outro fator que elevava o perigo quando se tinha Kasparaitis pela frente é sua pródiga memória. Tal qual um inocente elefantinho (?), que vê sua estimada mãe ser abatida por inescrupulosos caçadores, para, anos depois, já grande, esmagá-los com seus joelhos até reduzi-los a bifes de hambúrguer, Kasparaitis jamais esquecia dos que um dia ousaram afrontá-lo. Um deles foi Eric Lindros.

Durante um clássico entre Canadá e Rússia, na fase preliminar da Copa do Mundo de hóquei de 1996, Lindros acertou Kasparaitis. O público em Vancouver foi ao delírio, enquanto o jovem lituano sofria no gelo. A vingança era questão de tempo. A dor e a humilhação jamais abandonariam o inconsciente do defensor. Isso até o dia da revanche.

Ela veio em 7 de março de 1998. Já com a camisa dos Penguins, e nada mais do que contra os inimigos estaduais, os Flyers, o Big E cometeu seu péssimo hábito de patinar olhando para o gelo. O tranco veio frontal e certeiro. Tranco esse que originaria a primeira — de muitas — concussão da carreira do atual jogador dos Stars. Podemos então afirmar que Kasparaitis deu início ao inferno que se tornou a carreira de Lindros.

Mas nem sempre a vingança era originada em um lance violento e também paga de maneira viril contra seu oponente.

O ano era 1998. A competição, os Jogos Olímpicos de Inverno em Nagano, no Japão. Kasparaitis tentava sua segunda medalha de ouro. Em 1992, havia obtido a primeira, com a Comunidade dos Estados Independentes, nos Jogos de Albertville, na França — até hoje, essa medalha de ouro é reconhecida pelo próprio Kasparaitis como seu maior momento dentro do hóquei. Em 1998, a CEI já estava desmembrada, e as cores defendidas agora eram as da seleção russa. A final foi contra a República Tcheca.

Kasparaitis tinha a complicada missão de parar ninguém mais, ninguém menos que seu companheiro Jaromir Jagr. E, amigos leitores da TheSlot.com.br, ele conseguiu. Manteve Jagr longe da meta russa, sem se preocupar se, semanas depois, dividiriam o mesmo vestiário. De fato, só existia aquele momento para Kasper. E, nele, Jagr era um perverso e cruel inimigo. Precisava ser detido a todo custo, com qualquer arma. E Darius foi cumpridor de seu dever, já que Jagr só teve uma real chance — desperdiçada — na partida. Mas essa história não teve um final feliz, já que os russos não conseguiram vazar Dominik Hasek. A agônica derrota por 1-0 frustrou fundo a alma desse guerreiro. Mas, não se esqueçam, a vingança viria, tal como aconteceu com Lindros.

Temporada de 2000-01, retorno de Mario Lemieux. Os Penguins, com uma equipe muito talentosa, encontram o Buffalo Sabres de Dominik Hasek nas semifinais de conferência. Após os milagrosos gols de Mario Lemieux e Martin Straka no sexto jogo da série, a mesma foi para o sétimo e decisivo confronto. E sétimos jogos são reservados para ser decididos por heróis. Quando isso é feito numa prorrogação de jogo 7, é caso para canonização instantânea.

Johan Hedberg poderia ter sido o herói daquele jogo, pois manteve os Penguins vivos durante a guerra, mas, com 13:01 no tempo extra, coube a Darius Kasparaitis o papel principal. O lituano juntou-se aos jogadores que subiam ao ataque, recebeu passe de Robert Lang e deu o chute que vazou Hasek, tornando-se o inesperado autor de um dos mais celebrados gols da história do time de Pittsburgh.

Kasparaitis comemorou com um mergulho no gelo da HSBC Arena. Foi como se estivesse mergulhando nas águas da glória, e como se essas águas lavassem os pecados da derrota para os tchecos em 1998. Hasek agora não trazia apenas más recordações. Kasparaitis estava no topo do mundo. Esse mesmo mundo que hoje renuncia solenemente a essa figura histórica.

A queda, no entanto, começou justamente com o acentuamento do declínio financeiro dos Penguins, que tiveram de se desfazer de diversos jogadores no início do milênio. No dia-limite de trocas da temporada de 2001-02, o defensor era um dos atletas mais desejados. O Colorado Avalanche ganhou a briga, levando-o. Em teoria, uma defesa com Rob Blake, Adam Foote e Darius Kasparaitis deveria ser a defesa. Mas, na prática, não foi bem assim. Darius nunca mais foi o mesmo desde que saiu dos Penguins.

Parece que a magia acabou ali, naquele dia-limite de trocas. Nosso editor-chefe, o culto (sempre) e justo (quase nunca) Alexandre Giesbrecht, soltou uma frase com tom de verdade: "Kasparaitis nunca percebeu, mas o manto dos Penguins era, para ele, como a cabeleira para Sansão."

O defensor vestiu a camisa dos Avs apenas 32 vezes (incluindo a pós-temporada) e foi ficar milionário no New York Rangers. Logo nos Rangers, rivais do primeiro time de Kasparaitis na NHL. Rivais do New York Islanders, que selecionou o lituano com a quinta escolha geral em 1992. O mesmo time que Darius ajudou a evitar o tricampeonato da Copa Stanley por parte dos Penguins de seu futuro patrão, Mario Lemieux, em 1993, numa série que também foi a sete jogos e mostrou ao mundo toda a ferocidade e braveza do garoto de Elektrenai.

A passagem pelos Rangers tem contornos trágicos, envolvendo problemas com álcool, contusões e operações diversas, além de diferenças com o comando técnico, até ele ser mandado para Hartford. Isso seria interessante se ainda existissem os Whalers por lá, mas, como não há, isso significa que ele foi para o Wolf Pack, da AHL. Alguns dizem que é para recuperar sua forma física, mas a verdade é que os Rangers estão insatisfeitos com ele.

É como se o hóquei estivesse dando as costas para Darius. Então ele se vingaria do hóquei, assim como fez com Hasek e Lindros? Claro que não, amigos; pelo contrário. Nascido em Elektrenai, na Lituânia, foi bem novo defender o Dynamo, da capital russa Moscou. Como a seleção lituana é sofrível, Kasparaitis optou por defender a seleção soviética, mas sem nunca se esquecer de quem é e de onde veio. Atualmente, ele está construindo uma arena em sua cidade natal. Um arena para ajudar no crescimento desse esporte em seu país e tirar os jovens do caminho de coisa maléficas, como as drogas e o basquete (esporte número 1 da Lituânia).

E, apesar de toda essa generosidade, hoje uma palavra que não existia no dicionário de Kasparaitis o atinge, da mesma forma devastadora com que ele atingia seus adversários. Essa palavra — desistência —, no entanto, não se aplica a TheSlot.com.br, que, aqui, no Hemisfério Sul, se une em prol da renascença desse ícone do jogo bruto, porém limpo, da NHL. Kasparaitis é mais do que o nome mais legal da história do hóquei, ele é um amigo, e amigos de verdade jamais se esquecem dos amigos. E que, em seu primeiro tranco, após ressurgir das cinzas, ele o dedique a todos nós, seus verdadeiros camaradas.

Eduardo Costa screveu esta coluna em menos de 17 minutos. Seu recorde! E ele pretende escrever mais sobre outros grandes ídolos TheSlot.com.breanos. Ah, o título da coluna é uma imitação barata da épica "Save Ferris".
Adrian Wyld/AP
Kaspar mostra a Martin Gelinas do que são feitas as bordas de um rinque de hóquei.
(14/11/2002)
Arquivo TheSlot.com.br
Pronunciar Darius Kasparaitis resulta num som quase tão legal quanto ao do abrir de uma lata de Gubernijos Ekstra, uma das ótimas cervejas lituanas.
Reuters
Nas olimpíadas de inverno de Turim, em 2006, Kasparaitis mostrou a Simon Gagne, sua especialidade.
(02/2006)
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Página publicada em 31 de janeiro de 2007.