O texto abaixo foi publicado originalmente em 29 de dezembro de 1999 no jornal Pittsburgh Post-Gazette. Na mesma época em que traduzi o texto sobre a grande noite de Darius Kasparaitis, traduzi este também, e ele também acabou perdido no meu HD. Agora que esta edição virou praticamente um especial em homenagem ao lituano, não há melhor hora para publicá-lo.
Darius Kasparaitis aceitou o desafio de braços abertos.
Ele sabia que os jogadores dos Chicago Blackhawks não lhe dariam
descanso, que os tacos estariam altos, que os palavrões seriam
sujos.
E ele lambeu os beiços.
"Adoro quando isso acontece", disse Kasparaitis. "Isso
me deixa ligado no jogo. O outro time não se concentra no hóquei
e só tenta matar pessoas. É o que aconteceu aqui".
Kasparaitis e os Penguins responderam com um deliciosamente satisfatório
nocaute de 4-2 sobre os Blackhawks no United Center ontem, impedindo
a vingança do Chicago pela pancada que ele desferiu há
quase três meses.
A vitória foi a terceira seguida dos Penguins, melhorando a sua
campanha para 15-3-16 e 7-0-2 desde que Herb Brooks assumiu o cargo
de técnico. Também os fez passar o Buffalo Sabres no sexto
lugar da Conferência Leste. E foi também a primeira vitória
no United Center em seis tentativas.
Mas talvez nada tenha sido tão importante para os Penguins nessa
vitória do que a sua resistência ao encarar um adversário
com raiva, mais conhecido por seus punhos do que por sua finesse.
Os Blackhawks haviam prometido perseguir Kasparaitis depois de ele ter
nocauteado o ponta-direita J.P. Dumont, do Chicago, com uma cotovelada
no dia 16 de outubro, em Pittsburgh. A liga suspendeu Kasparaitis por
dois jogos devido ao incidente, o que não foi suficiente para
acalmar os ânimos em Chicago.
Como o ponta-direita Tony Amonte reiterou ontem, "Foi um jogo bem
físico, aquele último, e Kasparaitis pôs nosso novato
para fora. Nós temos boa memória por aqui".
E os Blackhawks não deixaram passar despercebido o fato de os
Penguins terem escolhido ontem para promover o brigão Dennis
Bonvie das ligas menores. Claro, ele era um dos líderes dos Baby
Penguins, com 23 pontos, mas os 205 minutos de punições
que ele compilou em Wilkes-Barre são os números mais indicados
para refletir as suas aptidões.
"Acho que o Pittsburgh supôs que eles viriam aqui para um
jogo mais duro, então eles o chamaram", disse Lorne Mollekem,
assistente técnico do Chicago. "Eu sei o que ele traz para
o time. Ele é aquele tipo de jogador que vai fazer o que for
necessário para defender seus colegas".
Geralmente isso inclui deixar as luvas de lado.
"Meu papel é jogar duro, que é o que faço
melhor", disse Bonvie. "Se aparecerem problemas, apareceram.
Mas não estou pensando em entrar no gelo e brigar duas ou três
vezes. Se houver um problema, vou fazer o que tem de ser feito. Isso
tem sido meu ganha-pão".
Não demorou para ele mostrar aos Penguins justamente isso.
Não mais que cinco segundos depois de pisar no gelo, Bonvie arregaçou
as mangas e ganhou dois minutos junto com Ryan VandenBussche pela eventual
única luta da noite. Mas essa foi praticamente toda a energia
que os Penguins demonstraram nos primeiros 20 minutos. Eles deram menos
chutes (5-8), menos porradas e tiveram talvez um pouco de sorte por
estar perdendo apenas por 1-0.
Amonte marcou o gol dos Blackhawks, seu 18.º, que lhe garantiu
a artilharia do time, aos 13:22, com um homem a menos. Ele interceptou
um passe lateral do zagueiro Michal Rozsival, dos Penguins, patinou
através da zona neutra, progrediu para o ataque e chutou rente
à trave oposta, vencendo o goleiro Peter Skudra.
Os Penguins retomaram o controle no começo do segundo período.
Depois de atormentar a defesa do Chicago por vários minutos,
foram recompensados quando o central Ian Moran empatou, com o seu terceiro
gol da temporada, aos 7:33. O zagueiro Peter Popovic manteve o disco
no ataque na ponta direita e passou para Moran, que mandou bala no goleiro
Jocelyn Thibault.
Então as coisas ficaram feias.
Durante uma parada aos 10:30, o zagueiro Brad Brown, do Chicago, começou
a atacar Jaromir Jagr, fazendo com que todos os jogadores no gelo escolhessem
um oponente. E quando o zagueiro Bryan McCabe, dos Blackhawks, viu o
central Doug Gilmour brigando com Aleksey Morozov, ele patinou até
lá e pulou sobre as costas de Morozov. O juiz Bill McCreary —
trabalhando sozinho no que pode ser considerado uma decisão curiosa
da NHL devido à situação antes do jogo —
distribuiu punições igualmente e deixou os times num quatro-contra-quatro.
Nenhuma das jogadas duras seria de surpreender algum observador casual
de jogos do Chicago nessa temporada.
"Tudo o que fazemos é jogar com todas as nossas forças",
disse Molleken. "Nós temos feito pressão, jogado
fisicamente no nosso campo e, como resultado, não temos deixado
os outros times jogar. É bom ver os jogadores sendo recompensados
pelo trabalho duro".
Algumas vezes, contudo, essa recompensa é uma viagem ao banco
de penalidades.
Aos 12:26 do segundo tempo, o apito soou para o ponta-esquerda Bob Probert,
do Chicago, por atacar Kasparaitis. E quando Probert tentou iludir Kasparaitis
para levá-lo junto, Kasparaitis virou-se e patinou alegremente
até o banco dos Penguins. Obviamente ele foi vaiado em massa,
mas Kasparaitis acabou rindo por último, um minuto depois.
Jagr marcou na vantagem numérica seguinte, aos 13:37, recebendo
um passe do zagueiro Jiri Slegr e chutando do início do círculo
direito e fazendo o disco entrar e sair do gol antes que Thibault percebesse.
O jogo duro continuou, entretanto, custando aos Penguins os serviços
do seu goleiro aos 17:05, quando Dumont acertou uma tacada na cabeça
de Skudra pelas costas. Isso fez com que Jean-Sebastien Aubin, que não
jogava desde a derrota há uma semana para o Montreal, o substituísse.
Não se sabe ainda a gravidade ou a natureza da contusão
de Skudra.
Os Penguins conseguiram uma rápida vantagem de dois gols no começo
do terceiro tempo, que começou com uma jogada efetiva de Bonvie.
Depois de armar um dois-contra-um que não deu certo, ele deu
a pancada do jogo ao acertar Brown contra as bordas atrás do
gol do Chicago. Ao patinar para fora da zona do Chicago, Bonvie foi
talhado por VandenBussche, mas a punição acabou não
sendo servida. Alguns segundos depois, o central Tyler Wright, dos Penguins,
chutou de primeira um passe de Robert Dome para conseguir a vantagem
de 3-1 aos 3:17. Foi o segundo gol de Wright em dois jogos, algo extraordinário
quando se considera que ele não marcara nenhum nos cem jogos
anteriores.
Aubin defendeu 13 dos 14 chutes que encarou, os Penguins mataram duas
punições e Jagr marcou no gol vazio, aos 18:38, seu 27.º
gol — passando Owen Nolan do San Jose Sharks na artilharia —
para acabar com qualquer chance de reação. Os Blackhawks
ainda diminuiram o placar para 4-2 com um gol do ponta-esquerda Dean
McAmmond 25 segundos depois.
Quanto a Kasparaitis, ele lidou com a adversidade de seu jeito costumeiro:
ele bateu muito mais do que levou. Mesmo com os Blackhawks o alvejando
freqüentemente ao longo da noite, poucas vezes conseguiram acertá-lo.
Enquanto isso, Kasparaitis acertou nada menos que três ressonantes
pancadas, sendo que a maior foi contra McAmmond na metade do primeiro
tempo.
E, pelo seu esforço, foi eleito a segunda estrela do jogo.
"Tenho jogado assim por oito anos", disse Kasparaits. "Talvez
algum dia as pessoas percebam que eu gosto disso".