Por: Thiago Leal

Nem só meninos do Canadá, Estados Unidos, Países Nórdicos e Leste Europeu adentram a NHL. Muitos cidadãos canadenses, estadunidenses ou mesmo europeus, na verdade, nasceram num lugar bem diferente, bem longe das tradições do esporte mais rápido no gelo. Alguns, inclusive, honraram seu lugar de nascimento até o fim. Outros, no entanto, por motivos de força maior — paternidade, criação, crescimento, desenvolvimento, etc. — passaram a defender a bandeira de outro país. Mas, em seu registro, está lá gravado, para sempre, seu local de nascimento.

Os critérios para classificar um país como tradicional ou não é simples: países que estejam na Terceira Divisão abaixo dos Campeonatos Mundiais da IIHF; a quantidade de jogadores do país relacionados com a NHL — menos de 10 jogadores na história da Liga, pereba! —, seja no presente ou no passado — com uma justa exceção a países como Eslovênia, Letônia e demais nações do leste, devido aos problemas geopolíticos que estas nações sofrem desde a União Soviética, agravados em sua reorganização nos anos 90.

Vejamos os principais nomes desse fenômeno.

Rumun Ndur - Defensor - Zaria, Nigéria
Apesar de africano, nascido num país pobre e quente, o mais famoso jogador de hóquei nascido no hemisfério sul e xodó dos fãs brasileiros criou-se no Canadá, na cidade de Sarnia, em Ontário.

Recrutado em 69.º lugar geral pelo Buffalo Sabres em 1994, após jogar pelo Guelph Storm na OHL, Ndur passou duas temporadas pelos menores do Rochester Americans na AHL, até que, na temporada 1996-97, estreou na NHL, atuando em apenas duas partidas. Depois de mais uma temporada em Rochester, Ndur jogou mais uma partida pelos Sabres pela temporada 1997-98. Desceu a um afiliado menor da AHL novamente, o Hartford Wolf Pack, e durante a temporada 1998-99, quando atuou em oito partidas pelos Sabres, foi trocado junto ao New York Rangers, por onde jogou em 31 partidas, completando a temporada ao lado de Wayne Gretzky, que viria a se aposentar naquele ano. Foi pelos Rangers que Ndur fez seu primeiro gol e ponto, e terminou a temporada com a estupenda marca de quatro pontos!

Trocado novamente, desta vez junto ao Atlanta Thrashers, Ndur jogou mais 27 partidas pela temporada 1999-00, totalizando 69 atuações na NHL. Depois que sua era na NHL acabou, o nigeriano mais famoso após Nwankwo Kanu passou por ligas menores norte-americanas, jogou uma temporada no Graz 99ers da Áustria e, atualmente, defende o sensacional Coventry Blaze da espetacular Liga Elite britânica.

Robyn Regehr - Defensor - Recife, Brasil
Quando comecei a acompanhar a única coisa no mundo melhor que cerveja, que é o hóquei no gelo (na seqüência, 1.º hóquei no gelo, 2.º cerveja, 3.º futebol, 4.º rock n' roll e 5.º páginas de pornografia na Internet), jamais esperaria que um dos melhores defensores da NHL atualmente havia nascido a apenas 120km de João Pessoa, cidade onde moro, nos confins litorâneos nordestinos da Paraíba!

Pois é. Robyn "Binho" Regehr, como o alcunhou nosso querido Jacy Borreaux, nasceu em Recife, Pernambuco, quando seus pais viajavam Brasil adentro. Após morar na Indonésia, onde seu irmão e companheiro de time Richie nasceu, Regehr foi criado em Rosthern, Saskatchewan, e hoje é um dos principais jogadores do Calgary Flames, sendo também um dos capitães alternativos (ou "assistentes" para alguns) da franquia canadense que disputou as finais da Copa Stanley em 2004.

Escolhido com a 19.ª escolha geral em 1998, pelo Colorado Avalanche e trocado logo em seguida junto aos Flames, a parede de tijolos Regehr, jovem promissor do Kamloops Blazers da WHL, sofreu um acidente automotivo em 1999 que fez duas vítimas fatais e quebrou as tíbias de "Binho". Inocentado do acidente, Regehr trilhou uma recuperação surpreendente que o pôs no gelo no mesmo ano, para defender o time menor Saint John Flames da AHL. As cinco partidas disputadas com nenhum minuto de penalidade fizeram com que Regehr subisse ao Calgary na mesma temporada — onde está até agora, defendendo o Canadá, país do qual é cidadão. Justiça seja feita, o rapaz é canadense. Filho de tal, criado como tal, mas com a cidade do Recife em seu registro de nascimento.

Além dos Flames, Regehr defende a Seleção Canadense, pela qual ganhou duas medalhas de prata em campeonatos mundiais — uma juvenil, uma adulto — e medalha de ouro na Copa do Mundo de Hóquei.

Richard "Richie" Regehr - Defensor - Bandung, Indonésia

Irmão mais novo de Robyn, Richie nasceu no maior arquipélago do mundo, conhecido por Indonésia, quando seus aventureiros pais viajavam pelas ilhas orientais. Em 2004, após jogar pelo Kelowna Rockets e Portland White Hawks da WHL, aproveitando toda sua juventude, Richie assinou como agente-livre com o Calgary Flames — com uma forcinha do irmão?. Passou pelos times menores da AHL, Lowell Lock Monsters e Omaha Ak-Sar-Ben Knights, e para a temporada 2005-06 foi chamado para defender o "time de cima". Atuando apenas em 14 partidas pelo Calgary, Richie mostrou que detém o mesmo jogo limpo do irmão e somou apenas seis minutos de penalidades. Atualmente, Richie, cidadão canadense, integra o elenco rubro-negro dos Flames.

Michael "Mike" Greenlay - Goleiro - Vitória, Brasil
Pense rápido: qual o mais ilustre cidadão capixaba no mundo? Se responder Roberto Carlos, apanha! Estamos falando do sensacional goleiro Mike Greenlay, que em toda sua carreira na NHL — defendendo um único clube, o Edmonton Oilers — jogou sensacionais 20 minutos!

Cidadão canadense, Greenlay cresceu em Calgary, e em 1986, quando jogava pelo juvenil Calgary Royals, foi recrutado pelo Edmonton com a 189.ª escolha geral. Jogou pela universidade Lake Superior State na CCHA e Saskatoon Blades na WHL. Depois de seus dois jogos e 20 minutos de fama na NHL em 1989-90, Greenlay fez mais sucesso jogando em ligas menores, onde passou por Cape Breton Oilers e Hershey Bears (AHL), Knoxville Cherokees (ECHL), Atlanta Knights e Houston Aeros (IHL), sendo esse último, que hoje integra a AHL, o último clube de Greenlay.

O brasileiro/canadense chegou a assinar com o Tampa Bay Lightning, como agente-livre, mas infelizmente não teve novas oportunidades na NHL.

Jan Benda - Central - Reef, Bélgica
Uma verdadeira salada. O cidadão alemão Jan Benda, nascido na Bélgica, filho de pais tchecos, iniciou sua carreira no hóquei como juvenil no Canadá, jogando pelo Henry Carr Crusaders e Oshawa Legionnaires, times pequenos ligados à OHA, até defender o Oshawa Generals da OHL.

Com passagens por equipes alemãs (Grefrather EC, EHC Freiburg, EC Hedos Munchen) e defendendo a seleção do país, Benda voltou à América em 1994 para jogar pelo Binghamton Rangers na AHL, seu primeiro time profissional no Novo Mundo, e depois de poucas partidas por este menor Benda atuou pelo Richmond Renegades da ECHL, até voltar à Europa. Após atuar por equipes na Alemanha e República Tcheca, com destaque para o Sparta Praga, além da Seleção Alemã, o belga/tcheco/alemão viveu seu apogeu, voltando à América para a temporada 1997-98 e jogando nove partidas pelo Washington Capitals.

Mais um que não vingou, Benda encerrou a temporada no Portland Pirates (AHL) e foi enviado de novo ao Velho Continente. Após peregrinar novamente por Alemanha, República Tcheca, Finlândia e Rússia, este guerreiro multi-nacional atualmente defende o Litvinov CHP, na Extraliga Tcheca. Suas maiores glórias, sem dúvida, são suas atuações na Seleção Alemã, que incluem as últimas quatro Olimpíadas, duas Copas do Mundo e oito campeonatos mundiais.

Olaf "Olie" Kölzig - Goleiro - Joanesburgo, África do Sul
Ao lado de Robyn Regehr é o principal "estrangeiro" a atuar na NHL atualmente. Apesar de criado no Canadá desde os três anos de idade e ser cidadão do país, este goleiro, nascido na África do Sul, preferiu abrir mão da nacionalidade canadense para atuar como um atleta da Alemanha. Além de ser filho de alemães, "Olie The Goalie" costuma dizer que uma cidadania alemã o ajudará a jogar na Europa quando não for mais aproveitado na NHL.

Recrutado pelos Capitals em 1989 após carreira juvenil pelo New Westminster Bruins e Tri-City Americans, Olie chegou a atuar na Grande Liga no ano de sua escolha. No entanto, passou anos a fio alternando entre NHL e ligas menores (AHL, ECHL...), até ser aproveitado de fato no Washington, a partir da temporada 1996-97. Desde então, Kölzig só deixou a NHL pela temporada 2004-05, o ano do locaute, quando defendeu o Eisbaren Berlin, na DEL (Liga Alemã).

Sólido e competente, Olie se mostra o melhor goleiro alemão de todos os tempos, anos-luz à frente de Harold Schumacher e de Oliver "Olie" Kahn. Bom, pelo menos este alemão/canadense/sul-africano não dá rebotes em jogos decisivos nem faz cara feia ao sofrer um gol — até porque existe uma máscara entre ela e nossa visão.

Poul Popiel - Defensor - Sollested, Dinamarca
Nem só de Michael Laudrup e Natasha Thomas vive a Dinamarca. Quem diria que o filho danês mais famoso do mundo seja na verdade um jogador de hóquei. Certo, talvez nem tão famoso, mas sem dúvida o mais honroso! Afinal, Popiel era um defensor duro, da época em que capacete era coisa de frescos! Haja crânio e dente para jogar na linha de trás durante os anos 60!

Como boa parte dos "estrangeiros" aqui listados, Popiel teve uma carreira marcada por diversos clubes e ligas menores. Após jogar pelo St. Catharines Teepees/ St. Catharines Black Hawks pela liga juvenile da OHA, Popiel foi adquirido pelo Chicago Blackhawks, sem recrutamento, passando primeiramente, claro, por afiliados menores. Três temporadas no Buffalo Bisons (AHL) e uma no St. Louis Braves (CPHL, onde foi Calouro do Ano) depois, Popiel acabou indo parar no Boston Bruins, onde estreou pela NHL.

Numa sucessão de altos e baixos, Popiel chegou a jogar ainda por Los Angeles Kings, Detroit Red Wings, Vancouver Canucks e fazer parte da histórica WHA, com seis temporadas pelo Houston Aeros. Passou brevemente pela Europa, no Innsbrucker da Áustria, até jogar mais dez partidas pelo Edmonton Oilers, duas temporadas na CHL com o Houston Apollos e encerrar sua carreira no Muskegon Mohawks, da IHL, onde, 12 partidas depois, se tornaria técnico do time.

Pois é. Quando Frans Nielsen tocou o gelo pela primeira vez nesta temporada, jogando pelo New York Islanders, todos acreditavam que estavam presenciando o primeiro dinamarquês da história a defender um time na NHL. Bem, de fato, foi, já que quando estreou na NHL Popiel já era cidadão estadunidense, e jogou como tal, tornando Nielsen o primeiro cidadão dinamarquês a atuar na Liga. O título de primeiro filho legítimo da Dinamarca a ser sensação na NHL, no entanto, ninguém tira de Popiel.

Franz Nielsen - Asa-esquerdo - Herning, Dinamarca
Aqui está ele! Como dizemos em dinamarquês, "Den Sekund Sig" ("The Second One"), afinal de contas, provamos por A + B que Popiel foi o primeiro danês a jogar a NHL, sendo ou não cidadão do país. O guri aqui fica com as honras menores.

Após uma temporada na Liga Elite Sueca, pelo Malmö, Nielsen foi inscrito no recrutamento da NHL e escolhido com a 87.ª escolha geral pelo New York Islanders. Passou mais quatro temporadas na Suécia, sendo três no Malmö e uma pelo Timrå IK, até que cruzou o Atlântico para jogar no Novo Continente. Atleta do afiliado menor Bridgeport Sound Tigers, Nielsen chegou a atuar duas vezes pelo Islanders esta temporada e atualmente está no Bridgeport. Quem sabe na próxima temporada, "Sekund Sig".

Na próxima edição: Tem gente boa natural da Holanda, Irlanda, País de Gales, Coréia do Sul e até da Jamaica, Tanzânia, Venezuela, Líbano, Taiwan e Paraguai! Onde esse mundo do hóquei no gelo vai parar?

Thiago Leal participa de TheSlot.com.br pela quarta vez na temporada.
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Assistente de capitão do Calgary Flames, o canadense Robyn Regehr é o maior expoente do hóquei nascido em um país sem tradição no esporte: o Brasil.
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Que honra! O capitão Jan Benda, cidadão do mundo, fazendo o que mais gosta: defendendo a Seleção Alemã nos Jogos Olímpicos de Turim.
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Oliver quem? Jogando pela Alemanha, o sulafricano de nascimento, Olaf Kolzig, se mostra bem mais seguro que o frangueiro da seleção de futebol.
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Página publicada em 31 de janeiro de 2007.